10 livros sobre meio ambiente para dar ao ministro do Meio Ambiente
Ricardo Salles foi incapaz de citar um livro sequer que tenha lido de sua área; internautas fizeram uma listinha de títulos para ele já ir se instruindo
DO OC – O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo-SP) deu entrevista na última segunda-feira (11) no Roda Viva, na TV Cultura. Falou de suas ideias peculiares sobre licenciamento ambiental, desmatamento, mudança climática (que ele ainda acha que é uma “agenda externa” para dar férias de luxo a funcionários públicos) e agricultura. Driblou questões sobre sua condenação na Justiça e admitiu que nunca foi à Amazônia, mas disse que ouviu de pessoas “da região” que Chico Mendes era um aproveitador que usava os seringueiros em benefício próprio. Instado pelo apresentador Ricardo Lessa a mencionar um livro de cabeceira sobre meio ambiente, Salles se enrolou. Disse já ter lido “vários”, sem no entanto mencionar nenhum nome. Afirmou que agora lê apenas livros “técnicos” sobre o tema, também declinando de declinar seus títulos. Para ajudar o ministro a se familiarizar com o tema, com o qual vem demonstrando pouca intimidade, o OC pediu a seus seguidores nas redes sociais que indicassem obras sobre meio ambiente para Salles se familiarizar com o tema – com o qual vem demonstrando pouca intimidade. Recebemos mais de uma centena de sugestões. A lista abaixo, que jamais poderá ser exaustiva, contém o mínimo do mínimo para Salles já ir se preparando para exercer o cargo que deveras ocupa.
Constituição Federal – vários artigos.
Salles já ouviu essa recomendação antes, do ex-ministro do STF Ayres Britto. Com a elegância de praxe, Ayres recomendou ao ministro que lesse o artigo 225, que trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de todos e bem de uso comum. O artigo 231, sobre povos indígenas, também vale um exame e, quem sabe, uma aulinha para o pessoal do Palácio do Planalto. Por fim, o artigo 170 institui de forma presciente a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica do Brasil e estabelece também a função social da propriedade. Os amigos de Salles no agronegócio não curtem muito esse princípio, que gera por exemplo a obrigação de conservar florestas em áreas privadas. O ministro do Meio Ambiente deveria ser um guardião desses princípios constitucionais.
A ferro e fogo, de Warren Dean
O chanceler Ernesto Araújo talvez tenha arrepios soberanistas ao descobrir que o melhor livro sobre a história ambiental do Brasil foi escrito por um americano. Mas Dean (1932-1994), professor da Universidade de Nova York, foi fundo na alma do país ao contar os 500 anos de história (e outros 13 mil de pré-história) na nação do ponto de vista da Mata Atlântica. Logo no começo, Dean lembra que o primeiro ato dos europeus ao pisar em Pindorama foi cortar uma árvore (para fazer uma cruz). Daí em diante, para a Mata Atlântica, foi ladeira abaixo. Vários dos temas que pipocam hoje no debate ambiental, como a noção furada de que desenvolvimento é igual a desmatamento, a grilagem de terras, a ineficiência absurda da economia rural e a resistência organizada de setores da sociedade à destruição, aparecem no livro e o leitor percebe que eles são antigos – coisas que o Brasil não resolveu ainda, ou resolveu mal. Deveria ser leitura obrigatória no Enem. Ou pelo menos livro de cabeceira do ministro do Meio Ambiente.
Uma trajetória ambientalista, de Paulo Nogueira-Neto
Se A ferro e fogo deveria ser o livro de cabeceira, os diários de Paulo Nogueira-Neto deveriam ser a leitura de gabinete do ministro. Neles o biólogo paulista, que criou em 1973 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (que viria a se tornar o Ministério do Meio Ambiente), relata mais de 40 anos de carreira para conservar o patrimônio natural do país. “Dr. Paulo”, como é conhecido, narra da perspectiva de protagonista ou observador próximo algumas das maiores batalhas ambientais brasileiras. Vale a pena Salles ler para entender que a preocupação com o meio ambiente no país, longe de ser uma modinha importada ou uma imposição externa, data de muito tempo atrás e é informada pela melhor ciência feita no Brasil, por brasileiros. Tampouco é uma agenda de “esquerda”: aliás, uma das grandes lutas de Paulo Nogueira foi para convencer os militares, em plena ditadura, de que “poluição nada tem a ver com política partidária”. Qualquer semelhança com os tempos atuais não é mera coincidência.
Silent spring, de Rachel Carson
Publicado em 1962, o livro da química americana inaugurou o ambientalismo moderno ao demonstrar, com base em extensas evidências epidemiológicas, dados coletados em campo e documentos governamentais, a ligação entre pesticidas e danos à saúde e ao ambiente. O livro forçou o governo americano a banir o DDT e hoje uma classe inteira de moléculas pesticidas altamente letais, os organofosforados, está banida. A indústria química não curtiu e fez uma campanha contra Carson, que foi chamada de “histérica”. “Quando o público protesta, confrontado com evidências óbvias dos resultados danosos da aplicação de pesticidas, é alimentado com pequenas pílulas tranquilizantes de meia-verdade”. Silent spring é atualíssimo no Brasil, porque a turma de Salles no agro quer reduzir o controle sobre pesticidas. Quem sabe o ministro, que já se declarou a favor do afrouxamento da norma, se convença do risco.
The burning season, de Andrew Revkin/ O testamento do homem da floresta – Chico Mendes por ele mesmo de Cândido Grzybowski (org).
Traduzido no Brasil como Tempo de queimada, tempo de morte, o livro do veterano repórter de meio ambiente do New York Times (que virou filme com Raul Julia) conta a história do assassinato de Chico Mendes, do movimento dos empates no Acre e da luta pela preservação da Amazônia. O livro foi produzido a partir de uma investigação jornalística detalhada e sem viés ideológico (antes que o ministro pergunte), e mostra que Chico Mendes estava bem longe de ser alguém que “usava os seringueiros para se beneficiar”, como “o pessoal do agro” teria dito ao ministro. Salles também pode curar seu assumido desconhecimento desse personagem fundamental da história amazônica lendo o livrinho organizado por Cândido Grzybowski e publicado no ano seguinte ao assassinato do líder sindical, feito a partir de entrevistas do próprio Chico Mendes.
Fifth Assessment Report e Special Report on Global Warming of 1.5 degrees, do IPCC (Sumários executivos)
Em uma de suas primeiras entrevistas após ser nomeado, Salles questionou à rádio CBN se o aquecimento global era causado pela humanidade ou pela “dinâmica geológica” da Terra. Não precisaria ter passado essa vergonha se tivesse lido o sumário executivo do AR5, o quinto grande relatório do painel do clima das Nações Unidas que sintetiza todo o conhecimento da ciência sobre o aquecimento global, seus impactos e formas de combatê-lo. São três documentos de cerca de 20 páginas cada um que explicam por que o fenômeno não é uma conspiração esquerdista para acabar com o Ocidente. Após ler o AR5, Salles pode voltar ao site do IPCC e baixar o sumário executivo do SR15, o relatório especial sobre aquecimento de 1,5oC lançado no ano passado, que concorre ao título de documento científico mais assustador deste século. Quem sabe assim ele se convence de que as conferências do clima não são convescotes de ambientalistas em paraísos tropicais para debater como o mundo estará daqui a 500 anos.
Amazônia, de Bertha Becker
Antecessores de Salles no Ministério do Meio Ambiente tiveram o privilégio de poder se aconselhar com a maior geógrafa do Brasil, morta em 2013. O novo ministro terá de se contentar com a leitura de sua obra, o que já é bastante coisa. Este livrinho paradidático de Becker é uma introdução à região, que Salles só foi conhecer após quase um mês e meio no cargo. Becker trata do espaço físico da Amazônia no país, da expansão da fronteira agrícola, da ocupação “pela pata do boi” da década de 1970, dos projetos de mineração e dos problemas causados pelo latifúndio, como a violência no campo. Mais uma leitura consistente, atual e sem ideologia para o ministro perder seus preconceitos.
O menino do dedo verde, de Maurice Druon, e The Lorax, de Dr. Seuss
Vamos começar do começo, né? Um dos livros mais citados pelos internautas na hashtag #instruaosalles, O menino do dedo verde conta a história de Tistu, um garoto de oito anos cujos pais decidem que a melhor forma de aprender sobre o mundo é cuidando do jardim, onde ele descobre que seus dedos têm o poder de fazer crescer e florescer plantas. Esse clássico da literatura infanto-juvenil francesa merece ser lido juntamente com The Lorax (traduzido no Brasil como O Lórax), uma parábola arrepiante sobre externalidades econômicas. O livro conta a história do Once-Ler, um capitalista falido que desmatou um paraíso para alimentar sua fábrica e precisa arcar com as consequências depois.
Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, de Jared Diamond
Também muito recomendado pelos internautas, este catatau já clássico do geógrafo da Universidade da Califórnia busca exemplos da história antiga e recente para explicar o fim de sociedades humanas, dos maias aos vikings na Groenlândia, dos anasazi nos EUA à Ruanda do genocídio. Sua tese, corroborada por muitos dados, é que nem sempre o declínio é inevitável, mas frequentemente as sociedades escolhem tomar decisões erradas – e frequentemente elas têm a ver com o uso dos recursos naturais. Diamond relata como o desmatamento total acabou com os rapa nui, a avançada sociedade indígena da ilha de Páscoa, e com Haiti, país que teve um destino muito diferente de outra nação na mesma ilha, a República Dominicana, que não acabou com suas florestas. Um recado sombrio para um Brasil que parece ter escolhido tomar as decisões erradas na área ambiental.
Avaliação de impacto ambiental, de Luís Enrique Sánchez
Enfim um livro técnico cujo título Salles pode sair citando em suas entrevistas. É considerado a bíblia do licenciamento ambiental – que, longe de ser uma jabuticaba, é regido por legislações rigorosas no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos, país que o governo Bolsonaro busca emular. A obra apresenta conceitos técnicos, ferramentas e estudos de caso nacionais e internacionais. Talvez ao lê-la Salles perceba que o tal “autolicenciamento” que ele quer implantar é uma ideia que não para de pé.