4 a cada 5 estudos sobre extremos apontam influência humana
Análise de 405 trabalhos científicos mostra que 71% dos eventos foram mais prováveis ou intensos devido a mudanças climáticas
DO OC – Análise de centenas de estudos sobre eventos climáticos extremos realizados na última década mostra que em pelo menos 80% deles as mudanças climáticas induzidas pelo homem foram determinantes. A revisão, feita pelo site Carbon Brief, aponta que 71% dos eventos foram considerados mais prováveis ou mais intensos em razão da crise do clima – como ondas de calor, secas e tempestades -, e 9%, menos severos (entre eles, ondas extremas de frio e nevascas).
Os outros 20% foram inconclusivos ou os pesquisadores não conseguiram identificar evidências suficientes de influência humana. Os estudos incluíram, por exemplo, análises de ondas de calor na Suécia, furações no Caribe, inundações em Bangladesh, secas e queimadas nos Estados Unidos e no Brasil, e indicaram que as altas temperaturas foram as mais influenciadas pela ação humana: em 93% dos 152 estudos a respeito desse tipo de extremo, pesquisadores identificaram que “a impressão digital humana” tornou as ondas de calor mais prováveis ou mais intensas. Para os 126 eventos de chuvas ou inundações analisados, 56% tiveram o mesmo tipo de influência. Já entre os 81 estudos de secas, 68% tiveram mais chances de ocorrer ou foram mais graves em razão do aquecimento do planeta.
Para a análise, foram reunidos 405 estudos de atribuição publicados em revistas científicas ou classificados como “estudos rápidos” (aqueles que são feitos dias após o acontecimento a partir de metodologias já validadas e revisadas por pares). Eles fazem parte de um campo relativamente novo para a ciência do clima, que começou a ganhar relevância principalmente no início dos anos 2000. Neles, os pesquisadores utilizam modelos climáticos para verificar com que frequência e gravidade determinado evento ocorreria em um mundo sem influência do aquecimento global, e como é hoje, com o planeta 1,1°C mais quente do que na era pré-industrial.
“As mudanças climáticas são um divisor de águas nas variações de eventos extremos, principalmente ondas extremas de calor – um dos eventos climáticos mais mortais do mundo -, a tal ponto que as experiências e observações passadas estão se tornando cada vez mais inúteis para se preparar para o futuro”, disse ao OC a climatologista alemã Friederike Otto, do Imperial College de Londres, uma das pesquisadoras mais influentes na área.
Com exceção dos trabalhos realizados na Austrália, a maioria desses estudos de atribuição é feita no hemisfério Norte, onde há mais disponibilidade de dados para as análises. Para que eles tenham um grau alto de confiabilidade, é preciso ter acesso a um banco de dados grande o suficiente para que os pesquisadores realizem milhares de simulações de um determinado evento.
Mesmo concentradas em apenas uma região do planeta, essas análises dão um panorama mais abrangente sobre a impressão digital humana na crise climática, e vão ao encontro de outras pesquisas mais amplas. Em 2015, por exemplo, um estudo publicado na revista Nature avaliou a influência humana na ocorrência de fortes chuvas e ondas extremas de calor globalmente. Naquela época, quando o mundo já estava pelo menos 0.85°C mais quente do que na era pré-industrial, os pesquisadores identificaram que 75% das altas temperaturas e 18% das chuvas extremas poderiam ser atribuídas à crise climática. Na ocasião, fizeram um alerta: a tendência é que o cenário seja cada vez pior.
Otto avalia que, atualmente, a falta de dados sobre o Sul global é preocupante, pois é onde as comunidades são mais afetadas pelas mudanças climáticas. “Muitos países do Sul estão localizados perto dos trópicos, onde o clima é menos variável ano a ano quando comparado a regiões mais próximas dos polos. Isso significa que essas comunidades estão historicamente mais acostumadas a um clima estável, então mudanças mesmo que comparativamente pequenas em relação às que acontecem no Norte trazem impactos mais significativos. Além disso, a situação socioeconômica de muitos países do Sul deixa essas populações muito mais vulneráveis a esses eventos”, diz a pesquisadora. (JAQUELINE SORDI)