7.200 lobistas de combustíveis fósseis já participaram de COPs
Análise mostra que a indústria petroleira entra em peso nas negociações climáticas pela porta da frente há 20 anos
DO OC – A participação da indústria e de defensores dos combustíveis fósseis nas conferências do clima da ONU não é novidade. No entanto, uma nova análise da coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO) mostra a dimensão da inserção de quem tem contribuído para a piora da crise climática. Informações divulgadas nesta terça-feira (21) mostram que no mínimo 7.200 pessoas ligadas às maiores petroleiras e aos grupos comerciais que apoiam essa indústria tiveram passe livre nas negociações climáticas lideradas pela ONU nos últimos 20 anos.
Neste ano, o cenário não será diferente. Em poucos dias, a COP28 será sediada em um país que nada em petróleo, os Emirados Árabes Unidos. O anfitrião do evento é Sultan Al-Jaber, CEO da Companhia Nacional de Petróleo Abu Dhabi. “É como se a gente tivesse a conferência mais importante de saúde pulmonar do mundo e quem fosse presidir fosse o presidente de uma indústria de cigarro”, compara Ilan Zugman, diretor para a América Latina da 350.org. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) terá um pavilhão na cúpula pela primeira vez.
Desde a COP9, realizada em Milão em 2003, ao menos 945 representantes de empresas de combustíveis fósseis participaram das negociações climáticas. As equipes divulgadas pelas gigantes ExxonMobil, Chevron, Shell, BP e Total Energia tiveram ao menos 267 passes concedidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês). A italiana Eni aparece com 104 e a Petrobras com 68.
“A pesquisa deixa claro que o órgão encarregado de implementar políticas globais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa é totalmente capturado pelas empresas transnacionais que mais destroem o planeta”, diz Pablo Fajardo, integrante da União das Comunidades Afetadas da Texaco/Chevron, no Equador. “A COP deve ser libertada das empresas poluentes ou se tornará parcialmente responsável pelo colapso global”, completa.
Já o número de integrantes de associações comerciais que representam grandes petroleiras alcançou cerca de 6.581. Apenas a Associação Internacional de Comércio de Emissões (Ieta, na sigla em inglês), que tem diversas empresas de petróleo entre os membros, recebeu mais de 2.700 passes para participar das negociações climáticas desde 2003. A Keidenran, federação empresarial do Japão, enviou pelo menos 473 delegados. “Esses grupos usaram a participação na COP para fazer lobby para promover os interesses da [indústria] de combustíveis fósseis”, diz a KBPO.
Segundo a análise, todos os 20 principais grupos comerciais identificados na pesquisa estão sediados no Norte global. “Isso reforça como as organizações dos países que são os principais emissores globais estão dominando as negociações climáticas”, completa a coalizão.
A análise considerou os 100 principais produtores de petróleo e gás desde 2000, empresas listadas pela CDP como as maiores emissoras de carbono e organizações comerciais de empresas que são controladas ou fazem defesas em nome da indústria de combustíveis fósseis e aparecem repetidamente nas negociações. Para evitar duplicações, quem se declarou como representante de uma associação comercial, mas também de uma petroleira, não foi contabilizado duas vezes.
A KBPO explica que os diferentes formatos das listas de presença da UNFCCC dificultaram o processamento de nomes, o que significa que alguns lobistas podem não ter sido contados. A UNFCCC também não exigia até o ano passado que os participantes divulgassem suas afiliações. “Isso significa que essas descobertas ilustram apenas a ponta do iceberg da influência dos combustíveis fósseis, já que muitos representantes não foram detectados”.
Por fim, a KBPO lembra que os lobistas têm o costume de participar de COPs em delegações que não são descritas diretamente como da indústria fóssil. O CEO da Total Energia é um exemplo: Patrick Pouyanné participou da COP27 por meio de uma ONG alemã. Mais três executivos da francesa o acompanharam. O então CEO da BP entrou na conferência no ano passado como parte da delegação da Mauritânia, país localizado no noroeste da África. A empresa britânica tem negócios na região.
“Para deixar os combustíveis fósseis no chão e acelerar uma transição energética justa, precisamos dar mais poder para as decisões que envolvam as pessoas mais impactadas pelas mudanças climáticas, e menos espaço para os lobistas, que estão lá para defender o próprio negócio e, consequentemente, atrasar toda a transição energética necessária”, diz Ilan Zugman. (PRISCILA PACHECO)