Novas metas climáticas estão “muito aquém” do necessário, diz ONU
Análise de promessas de 48 países, inclusive o Brasil, mostra melhora de apenas 2,8% no corte de emissões em 2030
DO OC – No que depender de 48 países que apresentaram novas metas de combate o aquecimento global no ano passado, a Terra pode fritar à vontade. Um relatório lançado hoje pela UNFCCC, a Convenção do Clima das Nações Unidas, mostra que o aumento de ambição no corte de emissões de carbono prometido nessas metas para 2030 foi de apenas 2,8%.
Traduzido em toneladas de CO2, isso significa que esses 48 países, entre eles o Brasil – que respondem por 30% das emissões do planeta -, emitirão, juntos, 13,67 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (Gt CO2e) em 2030. Caso não tivessem proposto novas metas, emitiriam 14,07 bilhões de toneladas. A diferença, de 398 milhões de toneladas, é o que o Brasil emite por desmatamento em cinco meses.
“Esse relatório mostra que os níveis atuais de ambição climática estão muito longe de nos colocar numa trajetória de cumprir nossos objetivos no Acordo de Paris”, disse a secretária-executiva da UNFCCC, a mexicana Patricia Espinosa.
Trata-se de um eufemismo. Segundo o IPCC, o painel do clima da ONU, a humanidade precisa reduzir suas emissões em 45% até 2030 se quiser ter pelo menos 66% de chance de cumprir o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global neste século em 1,5oC em relação à média pré-industrial. Isso significa cortar 7,6% as emissões globais todos os anos entre 2020 e 2030.
A pandemia deu um respiro acidental e nada bem-vindo à humanidade ao derrubar as emissões globais em cerca de 7%. No entanto, para que as emissões sigam caindo neste ano e nos próximos será preciso que as metas nacionais (as chamadas NDCs, ou “contribuições nacionalmente determinadas”) tenham um ganho brutal de ambição. A implementação das NDCs atualmente sobre a mesa nos levaria a um mundo 3oC mais quente.
Mal comparando, é como se 196 nações fossem chamadas a dividir uma conta de bar e cada um aportasse o equivalente ao que acha que consumiu. A soma das contribuições voluntárias sempre será menor que a conta a pagar.
Sabendo dessa insuficiência, o Acordo de Paris, em 2015, convidou os países a apresentarem NDCs mais ambiciosas até o final de 2020. Países que tinham NDCs com prazo para 2025 (caso dos Estados Unidos e do Brasil) deveriam apresentar novas metas.
O relatório desta sexta-feira é uma revisão das metas dos 48 países que atenderam ao chamado da convenção. Entre eles estão Brasil, Austrália, Japão, Índia e Coreia do Sul. Grandes emissores como EUA (que estava fora do Acordo de Paris até este mês), China e Canadá ainda precisam entregar as novas metas.
A revisão é feita no agregado – ou seja, a ONU não vai apontar o dedo para nenhum país individual. Mas especialistas no mundo inteiro sabem o que alguns países fizeram no verão passado. O principal mau exemplo provavelmente é o Brasil, que teve sua meta denunciada à ONU por 1.300 ONGs como uma violação do acordo do clima.
O país apresentou uma NDC incrivelmente menos ambiciosa do que a inicial, apresentada em 2015. Por conta de uma mudança na estimativa de emissões no ano-base, o Brasil se permitiu chegar a 2030 emitindo até 400 milhões de toneladas de CO2 a mais do que o projetado em 2015. Essa meta é consistente com taxas de desmatamento na Amazônia na casa de 10 mil quilômetros quadrados – ou seja, seria possível atingi-las mesmo deixando a floresta queimar nos níveis de hoje.
Além disso, o Brasil eliminou do anexo da NDC qualquer menção à promessa de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia em 2030.
Da mesma forma, o texto é contraditório sobre o caráter incondicional da NDC. A meta de 2015 afirmava que o Brasil não exigia nenhum aporte externo de recursos para cumprir a redução planejada de emissões (de 37% em 2025 em relação aos níveis de 2005). Essa clareza não existe no novo texto, que afirma que, “a partir de 2021, o Brasil demandará pelo menos US$ 10 bilhões por ano para lidar com os numerosos desafios que enfrenta”. O ministro do Meio Ambiente afirmou numa conversa com o governo americano neste mês que o país só reduziria o desmatamento se começasse a receber recursos.
O consórcio Climate Action Tracker, que analisou duas dezenas de NDCs apresentadas em 2020, concluiu que a do Brasil faz o país recuar em ambição: de “insuficiente” para “altamente insuficiente”.
“A NDC atualizada do Brasil é um retrocesso desastroso. Ela viola o Acordo de Paris ao permitir um aumento de emissões em vez de uma redução em 2030. O governo de Jair Bolsonaro enganou a comunidade internacional e a Convenção do Clima deveria exigir que o Brasil apresentasse uma nova meta em 2021”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.[:]