A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara (Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados)

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Projeto que militariza fiscalização ambiental avança na Câmara

Salles quer usar dinheiro de possível acordo com EUA para criar força policial na Amazônia e escantear Ibama

14.04.2021 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

FELIPE WERNECK
DO FAKEBOOK.ECO

Um projeto de lei que dá poder às Polícias Militares (PMs) para atuar no combate ao desmatamento, escanteando o Ibama, avançou na Câmara após a eleição da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) para a presidência da Comissão de Meio Ambiente, em março.

O PL 6289/2019 estabelece que as PMs dos Estados passem a integrar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), um arranjo de órgãos ambientais federais, estaduais e municipais criado em 1981 pela Política Nacional de Meio Ambiente. Apenas integrantes do Sisnama podem emitir multas e licenças ambientais, fiscalizar e embargar propriedades rurais, gerir unidades de conservação e controlar a poluição, entre outras atividades.

O projeto é assinado pelo deputado bolsonarista Coronel Tadeu (PSL-SP), da PM de São Paulo. É uma reedição do PL 7422/2014, do então deputado federal e hoje presidente Jair Bolsonaro, arquivado em janeiro de 2019.

A intenção principal da proposta é permitir que as polícias militares atuem na fiscalização ambiental – a Lei de Crimes Ambientais determina que essa é uma prerrogativa dos órgãos integrantes do Sisnama, além da Capitania dos Portos.

O PL estava parado havia mais de um ano. Em 17 de março, cinco dias após a eleição de Zambelli, foi designado como relator o deputado Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), militar da reserva. Em 23 dias ele apresentou um relatório de duas páginas com parecer pela aprovação da proposta.

A Comissão de Meio Ambiente é presidida desde 12 de março por Zambelli, que divulgou informações falsas sobre a Amazônia e admitiu não saber o que era grilagem de terras em sua primeira live no cargo.

Zambelli é casada com o coronel da PM Antonio Aginaldo de Oliveira, comandante da Força Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, que poderá se beneficiar com os desdobramentos da lei, se aprovada.

Essa proposta legislativa empodera as PMs dos Estados, que poderão aplicar multas ambientais, apreender equipamentos e embargar imóveis de quem cometer alguma infração ambiental.

Algumas polícias militares já realizam atividades de fiscalização. No entanto, isso ocorre por meio de cooperação técnica entre as corporações e os órgãos estaduais de meio ambiente, que delegam essa atividade, mas continuam responsáveis por toda a análise técnica, o julgamento e a execução das sanções estabelecidas.

As polícias militares são órgãos de segurança pública por definição constitucional, e atuam na repressão a crimes, assim como as polícias civil e federal atuam na investigação. Investir-lhes de competência administrativa para fiscalização ambiental criaria situações inusitadas dentro da corporação. Por exemplo: a partir do momento em que a polícia puder instaurar um processo de infração ambiental, também deverá ter estrutura para fazer as análises técnicas, julgar os processos e estabelecer mecanismos para o cumprimento das sanções e da reparação dos danos. Terá que cobrar as multas ambientais, estabelecer e monitorar os planos de recuperação ambiental, guardar e destinar bens apreendidos, entre várias outras tarefas típicas dos órgãos ambientais.

Da mesma forma que as PMs não são preparadas para atuar na área ambiental, os órgãos ambientais não têm como assumir atribuições dos órgãos de segurança pública. Não faz sentido para a administração pública essa sobreposição de papéis.

Este é, aliás, o argumento usado pelo diretor de Proteção Ambiental do Ibama, major Olímpio Ferreira Magalhães, em ofício enviado no último dia 8 às unidades do instituto para restringir o trabalho dos fiscais: “(…) oriento que sempre seja requisitado, formalmente, o apoio dos órgãos de segurança pública às ações de fiscalização desta Autarquia, seja em locais de alto risco ou não, de forma a garantir a adequada presença dos agentes daqueles órgãos, especializados e legalmente competentes para o emprego das melhores técnicas de segurança pública, conforme o cenário da infração”. Ele destaca no ofício que, embora o art. 26 da Lei nº 5.197/1967 equipare os fiscais ambientais a agentes de segurança pública, isso diz respeito apenas ao porte de arma de fogo para fiscais ambientais, necessário para o exercício da função, e não às atividades de segurança pública.

A orientação do diretor do Ibama condiciona a realização de ações de fiscalização à presença de policiais. Como nem sempre as PMs estão dispostas a colaborar, a medida pode prejudicar o trabalho de fiscalização do órgão.

Essa orientação pode ser melhor entendida se conectada a outros interesses do governo Bolsonaro. Dentre eles, (1) estimular demandas do Ibama às PMs para que o PL ganhe força e seja aprovado no Congresso Nacional; (2) ter maior controle sobre o que pode e o que não pode ser fiscalizado; e (3) criar uma força paralela composta por policiais militares para fiscalizar o desmatamento na Amazônia, como o ministro Ricardo Salles promete desde 2019 e voltou a sugerir neste mês.

Em entrevista ao Estadão, o ministro do Meio Ambiente, que indicou e nomeou dezenas de policiais militares nas estruturas do MMA, do Ibama e do Instituto Chico Mendes, defendeu o emprego desses agentes públicos para combater o desmatamento na Amazônia, após o fracasso das Forças Armadas, que coordenavam a Operação Verde Brasil 2.

Salles aborda a criação de uma possível força paralela com policiais militares e integrantes da Força Nacional de Segurança Pública, escanteando de vez o Ibama o Instituto Chico Mendes e empoderando legalmente os policiais militares (com a eventual aprovação do PL).

Segundo o ministro declarou ao jornal paulista, tal força seria necessária para produzir uma queda imediata na taxa de desmatamento, já que, segundo ele, aos policiais militares basta pagar diárias, ao passo que contratar fiscais para compor o quadro do Ibama (que tem uma defasagem de pelo menos 700 fiscais) seria caro e levaria “um ano”. O déficit de agentes é conhecido desde antes da posse: o próprio Bolsonaro, em novembro de 2018, disse numa live que não contrataria de forma alguma fiscais para repor o quadro do Ibama e do ICMBio, órgãos que ele chama de “indústria da multa” e com os quais deseja acabar.

O desejo de Salles de criar esse “Ibama do B” com policiais e restringir a atuação do órgão ambiental – cujos agentes ele não consegue controlar – pode estar perto de se tornar realidade: o ministro negocia a portas fechadas com o enviado especial do clima do governo dos EUA, John Kerry, um acordo de cooperação que deverá envolver recursos para o Brasil supostamente proteger a Amazônia.

Salles disse ao Estadão que exige US$ 1 bilhão dos americanos já este ano para reduzir o desmatamento “em 30% ou 40%” em 2021. As negociações estão avançando, apesar dos alertas da sociedade civil brasileira, e ao menos uma carta de intenções pode ser apresentada já na cúpula do clima convocada por Biden no dia 22.

“Em vez de fortalecer os órgãos ambientais, repondo o déficit de fiscais e assegurando recursos financeiros, como ocorreu no passado e levou à redução do desmatamento, o governo Bolsonaro prefere aparelhar postos de comando e empoderar a base de seu governo, criando uma espécie de milícia ambiental”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

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