Desmatamento para expansão pecuária em Lábrea, município amazonense campeão de devastação em abril (Foto: Victor Moriyama/Amazônia em Chamas/Set. 2021)]

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Código Florestal completa 10 anos sob ameaça de mais anistias

Lei sancionada em 2012 interrompeu ciclo de queda no desmatamento, não levou a recuperação ambiental e agora volta a ser alvo de ruralistas

25.05.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Além do fracasso da promessa de aumentar o controle ambiental em propriedades rurais, a nova lei florestal do país completa dez anos nesta quarta-feira (25) sob ameaça de ampliação de anistias para desmatadores.

Entre outros benefícios a produtores rurais, a revisão do Código Florestal, sancionada em 2012 pela presidente Dilma Rousseff após uma batalha de três anos no Congresso, anistiou multas por desmatamentos ilegais ocorridos até 22 de julho de 2008. Também reduziu as chamadas áreas de preservação permanente, a vegetação nativa que precisa ser mantida em margens de rio, topos de morro e encostas, por exemplo. E liberou proprietários rurais de parte da recuperação de parte das áreas de reserva legal ou de toda a reserva, dependendo do tamanho da propriedade.

Em “troca” dessas anistias a lei estabeleceu que todos os proprietários rurais entrariam num cadastro ambiental criado pelo governo onde a vegetação nativa seria declarada e, a partir de então, fiscalizada por satélite. O que houvesse de passivo (desmatamento passado em desconformidade com a lei) seria cobrado, mas até a finalização do período de cadastramento todas as multas aplicadas no passado ficariam suspensas.

Uma década depois, porém, apenas 0,4% dos 6,5 milhões de cadastros receberam um “diagnóstico final da regularidade ambiental”, como mostramos aqui. O país segue com um passivo de pelo menos 17 milhões de quilômetros quadrados de vegetação para recuperar, segundo dados do Observatório do Código Florestal.

O número de proprietários rurais que já se comprometeram a regularizar suas áreas é ainda menor: só 1.169 termos de compromisso foram assinados no país (0,017% dos imóveis cadastrados). Pior ainda, hoje esse cadastro, o CAR (Cadastro Ambiental Rural), que é autodeclaratório, vem sendo usado por criminosos para reivindicar posse em áreas públicas, como unidades de conservação e terras indígenas. Um levantamento do Greenpeace mostrou, por exemplo, que a TI Ituna-Itatá, no Pará, com presença de índios isolados, tem 94% de seu território coberto com registros de CAR.

Especialistas também atribuem à sinalização à impunidade dada pelo novo código o fim do ciclo virtuoso de queda no desmatamento na Amazônia. Após ter atingido o seu valor mais baixo na história em 2012 (4.500 km2), a taxa de devastação entrou em tendência de alta, até explodir no governo Bolsonaro.

“Quando a lei foi aprovada, avaliamos que havia ocorrido uma anistia para desmatamentos em reservas legais e áreas de preservação permanente – e que isso seria uma sinalização negativa para o futuro. Hoje, a avaliação é que não foi aprovada apenas uma anistia no bojo da legislação florestal: foi a própria anistia que virou lei. Ela se sobrepõe à execução da lei florestal”, diz Kenzo Jucá, assessor legislativo do ISA (Instituto Socioambiental).

Ele avalia que há risco de o CAR se transformar em um mero instrumento de regularização fundiária, enterrando a promessa de “integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”, prevista na lei florestal de 2012.

​A revisão do código ocorreu após mais de uma década de pressão da bancada ruralista, que continua atuando para enfraquecer ainda mais a legislação: no fim do ano passado foi aprovada a flexibilização das áreas de preservação permanente urbanas, medida que favorece especuladores imobiliários e é contestada na Justiça.

Parlamentares como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) já tentaram acabar com a reserva legal, que obriga produtores rurais a preservar a mata nativa em pelo menos 80% de suas terras na Amazônia, 35% no cerrado amazônico e 20% no restante do país.

Entre as ameaças que tramitam no Congresso, especialistas destacam o PL 2374/2020, do senador Irajá Abreu (PSD/TO), que amplia o período de anistia para desmatadores, e o PL 36/2021, do deputado federal Zé Vitor (PL/MG), que concede mais prazo para adesão a programas de regularização ambiental:

Projeto de Lei nº 2374/2020, do senador Irajá Abreu (PSD/TO). Altera o marco temporal da regularização de áreas de reserva legal desmatadas irregularmente, ampliando a anistia prevista no código florestal de julho de 2008 para maio de 2012.

“Está no âmbito do que chamamos de ‘anistias eternas’. Explode o ‘acordo’ possível para aprovação do código em 2012, de que seriam perdoados os desmatamentos realizados até 2008”, avalia Kenzo Jucá, do ISA. “Este projeto, que agora vira prioridade da bancada ruralista no Senado, busca ampliar essa anistia em mais quatro anos. A proposta é perdoar porque esse período é o imediatamente anterior à aprovação do código florestal. Naquele período foram emitidos vários sinais a proprietários rurais de que haveria uma grande anistia a desmatadores. O desmatamento, especialmente na Amazônia e no Cerrado, se intensificou muito, e é justamente isso o que o PL do senador Irajá, relatado pela senadora Soraya Thronicke, quer perdoar. Esse tipo de revisão desmoraliza a legislação ao sinalizar que nada vai ser cumprido. É como premiar o produtor rural que seguiu desmatando depois de 2008, com a expectativa de que haveria uma nova anistia, de que a lei nunca será de fato implementada.”

Análise do Climate Policy Initiative, da PUC-Rio, aponta que o projeto “representa medida extremamente danosa, não apenas em termos de área anistiada, mas também em termos do impacto na implementação do código florestal nos Estados, além de abrir grave precedente para que o marco temporal da regularização ambiental seja rediscutido para todas as áreas consolidadas”. Caso aprovado, beneficiaria apenas um pequeno grupo de médios e grandes produtores rurais: análise do Observatório do Código Florestal mostra que 96% dos imóveis rurais já cumprem os requisitos de reserva legal previstos na lei aprovada em 2012.

As pesquisadoras da PUC-Rio destacam que, “embora o PL 2374/2020 proponha uma compensação pelo dobro da área desmatada, acenando para a possibilidade de um ganho ambiental”, isso não afasta as ameaças da proposta. Além do aumento da área anistiada, a medida “representa grave precedente para que o marco temporal da regularização ambiental, pilar fundamental do código florestal e que norteou todas as negociações para a sua aprovação em 2012, seja rediscutido para todas as áreas consolidadas, com implicações que podem ir bem além da proteção da vegetação nativa”.

Projeto de Lei 36/2021, do deputado federal Zé Vitor (PL/MG). Altera o código florestal ampliando o prazo de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para produtores que pretendem obter benefícios do Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Para Kenzo Jucá, do ISA, trata-se de resistência em cumprir a lei. “O prazo dessa regra é conhecido pelos produtores há muito tempo. Existe uma justificativa de que seria voltado aos pequenos proprietários (aqueles que possuem até quatro módulos fiscais), mas, na prática, isso englobaria todos os imóveis rurais. Na tramitação do projeto podem ser apresentadas emendas e, também, a depender da região do país, como por exemplo na Amazônia, esse limite de quatro módulos fiscais pode significar grandes propriedades. Há, ainda, mecanismos de burla que são recorrentes, como o registro de propriedades em nome de ‘laranjas’. Um latifúndio tem várias formas de se enquadrar nessa categoria de pretensos ‘pequenos proprietários’. A ideia de fundo é: ninguém vai cumprir essa lei, e cada vez que chegarmos perto de um prazo, conseguiremos prorrogá-lo mais uma vez.”[:]

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