Lula discursa em Sharm El-Sheikh (Foto: Claudio Angelo/OC)

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“O Brasil está de volta”, diz Lula na COP27

Em discurso histórico, presidente eleito cobra países ricos, defende COP na Amazônia em 2025 e dá contorno da política externa do novo governo

16.11.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC, EM SHARM EL-SHEIKH
FELIPE WERNECK
DO OC

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ressuscitou a política externa brasileira em discurso nesta quarta-feira (16) na COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito. Na fala, de meia hora, Lula anunciou que “o Brasil está de volta” ao cenário internacional, cobrou o cumprimento de promessas climáticas de países ricos e disse que o combate à mudança do clima terá “o mais alto perfil” na estrutura do seu governo. Foi o discurso ambiental mais forte já feito por um chefe de Estado do país.

Foi também a primeira vez que um presidente eleito de um dos grandes países emissores (o Brasil é o 5º maior) falou numa COP antes de tomar posse. Lula mirou no que deverá ser o foco de seu governo: o combate à desigualdade. “A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo”, discursou.

O petista reafirmou o compromisso de “zerar” o desmatamento no país (ilegal ou não) e incluiu na meta para 2030 a degradação. “Não há segurança climática para o mundo sem Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030”, disse o presidente eleito, citando a data prevista na Declaração de Glasgow sobre Florestas, assinada no ano passado, na COP26.

Lula afirmou que os crimes ambientais “cresceram de forma assustadora” durante o governo de Jair Bolsonaro e “serão combatidos sem trégua” a partir de janeiro. “Vamos fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.”

Ele disse que esses crimes afetam sobretudo os povos indígenas, reafirmando em seguida a criação do Ministério dos Povos Originários.

O discurso teve uma série de acenos para a negociação em curso no Egito, e foi aplaudido até por diplomatas brasileiros que participam do processo na COP27 – em tese, negociadores do governo Bolsonaro. Em um de seus pontos altos, Lula falou de uma das principais contendas de Sharm El-Sheikh, o financiamento climático. O presidente eleito lembrou que em 2009, na COP15, em Copenhague os países desenvolvidos se comprometeram com US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para ajudar os menos desenvolvidos a enfrentar a crise do clima. A promessa nunca foi cumprida e, 13 anos depois, a três dias do final da COP, os ricos ainda não explicaram como pretendem pagá-la. “Não sei quantos representantes de países ricos estão aqui, mas quero dizer que a minha volta também é para cobrar aquilo que foi prometido na COP15″, disse Lula, aplaudido pelo público.

Também tocou no ponto nevrálgico da COP, o financiamento para perdas e danos climáticos. Este é o principal ponto de oposição entre países pobres e emergentes, que demandaram ontem a criação de um fundo para isso sob a Convenção do Clima, e ricos, que vêm dizendo mais ou menos textualmente que “nós não vamos pagar nada”. Mencionando catástrofes climáticas ocorridas recentemente em todos os continentes, mas sobretudo nos países mais vulneráveis, o petista disse que “precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada” e que não dá mais para adiar o debate sobre financiar perdas e danos.

Cartilha

O discurso de Lula foi construído a várias mãos, por cientistas, intelectuais, ex-ministros e diplomatas. Ele dá o contorno da política externa do governo Lula 3, trazendo elementos conhecidos da diplomacia petista – multipolaridade, multilateralismo, cooperação Sul-Sul e reforma da ONU – mas numa chave lógica distinta: a agenda ambiental e climática torna-se ponto central, juntamente com o combate às desigualdades, e o Brasil pretende assumir nessa agenda o papel de liderança do Sul global.

Como demonstração dessa nova inclinação, Lula anunciou uma reunião de cúpula da OTCA (Organização para o Tratado de Cooperação da Amazônia) e ofereceu o Brasil para sediar a COP30, em 2025. Será uma conferência importante para o calendário climático, pois nela os países deverão estrear suas novas NDCs (as metas do Acordo de Paris) para 2035, após o ciclo de revisão do ano que vem. A COP25, que deveria ter sido sediada no Brasil, foi recusada por Bolsonaro em 2018. Repetindo a promessa que fizera mais cedo a governadores amazônicos, Lula disse que defenderá “de forma veemente” que a conferência do clima seja realizada na Amazônia, em Manaus ou Belém.

Lulapalooza

Lula teve um dia de popstar na COP27, onde chegou às 11h20 para um encontro com governadores no pavilhão do Consórcio da Amazônia. Sob forte esquema de segurança, lotou a área do pavilhão para receber do governador do Pará, Helder Barbalho (PMDB), uma carta solicitando cooperação com o governo federal para, nas palavras de Helder, transformar a floresta “numa nova commodity”. Diante de bolsonaristas-raiz como Mauro Mendes, de Mato Grosso, e Gladson Cameli, do Acre, Lula reconheceu o papel dos governos estaduais e disse que o Presidente da República tem “obrigação de conversar com cada um, independente de [a] que partido pertence, que religião pertence e pra que time de futebol ele torce”.

A poucos metros dali, o pavilhão de 300 metros quadrados alugado pelo governo Bolsonaro para tentar fazer greenwash na COP27 seguia às moscas, como permaneceu durante toda a conferência. Lula já é presidente empossado no Egito.

O  “Lulapalooza” continuou à tarde, quando o presidente voltou à COP para discursar da sala de reuniões Ibis, com capacidade para 350 pessoas. Brasileiros começaram a chegar ao local antes das 15h para poder ver o presidente eleito de perto. A sala, porém, foi esvaziada pela segurança da ONU, e até parlamentares que chegaram antes, como os senadores Renan Calheiros, Fabiano Contarato e Kátia Abreu, tiveram de sair do local. A varredura de segurança é procedimento reservado a VIPs como chefes de Estado.

Fora da sala, uma multidão, em sua maioria de brasileiros, esperava para entrar, até a segurança fechar a porta e direcionar todo mundo para uma outra sala, onde o discurso foi acompanhado por telão.

O presidente retorna à COP nesta quinta-feira para encontros com a sociedade civil e com o movimento indígena.[:][:]

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