Congresso derruba vetos e aprova marco temporal de terras indígenas
Em vitória ruralista, esbulho e genodício indígena são institucionalizados; APIB e Ministério dos Povos Indígenas preparam contestações no Supremo
DO OC – Contrariando o Supremo Tribunal Federal (STF), a Constituição Federal e em mais uma demonstração de seu empenho em varrer definitivamente o direitos dos povos indígenas no Brasil, o Congresso Nacional derrubou, na tarde da última quinta-feira (14), vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei 14.701, a “lei do genocídio indígena”. O infame “marco temporal” de terras indígenas, já julgado inconstitucional pelo Supremo e vetado por Lula, passa assim a constar do texto da nova legislação.
Vitória da bancada ruralista, árdua defensora da limitação do direito de demarcação de territórios indígenas. O marco temporal condiciona demarcações a áreas ocupadas ou comprovadamente reivindicadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em outubro de 1988.
O Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, rejeitou ainda outros vetos de Lula, como o referente à instalação de equipamentos militares e a expansão de malha viária nas áreas indígenas e o que trata da exploração de recursos naturais sem consulta aos povos originários ou ao órgão indigenista competente. Os trechos, assim, passam a valer na lei 14.701.
O frágil acordo costurado pela articulação política do governo garantiu a manutenção de apenas três dos vetos de Lula: ao trecho que previa a “desdemarcação” de terras indígenas por alteração de traços culturais, ao que pretendia autorizar o plantio de transgênicos em terras indígenas e ao que expunha povos isolados contatos indesejados. Esses trechos, assim, saem da versão final da legislação, que segue agora para promulgação.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou, logo após a decisão do Congresso, que irá protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo para pedir a anulação da lei. “A discussão do marco temporal ainda não teve uma resolução. Ela irá retornar ao Supremo e a gente está confiante de que o tribunal irá reforçar sua jurisprudência e declarar a inconstitucionalidade”, disse Maurício Terena, Coordenador jurídico da organização.
Ele destaca ainda que, além de levar novamente o debate sobre o marco temporal ao Supremo, a Apib questionará outros dispositivos inconstucionais da lei. “O que esse projeto de lei pretende é descaracterizar toda a proteção territorial dos direitos dos povos indígenas, criando novas fases para o processo demacatório, tumultuando a perícia antropológica e fragilizando os estudos de delimitação das demarcações. Na prática, se inviabilizam os direitos dos povos indígenas.Há ainda a fragilização ambiental dos territórios”, afirma.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, destaca que a decisão abre espaço para ainda mais ameaças e violações aos povos indígenas. “Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada. Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, declarou .
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmou logo após a sessão que acionará a Advocacia Geral da União para também apresentar uma ADI ao Supremo. Segundo o MPI, a ação objetiva “garantir que a decisão já tomada pela alta corte sobre o marco temporal seja preservada, assim como os direitos dos povos originários”.
Juliana de Paula, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), avalia que a legislação tem caráter anti-indígena e visa a garantir a apropriação de territórios e recursos para fins econômicos de não-indígenas. “A derrubada dos vetos demonstra que a maioria do Congresso é refratária aos direitos indígenas. A lei visa eliminar direitos, acabar com as demarcações e permitir que não-indígenas e setores econômicos possam se apropriar dos recursos dos rios, lagos e solos que, de acordo com a Constituição, são de usufruto exclusivo dos indigenas”, diz.
A advogada explica que, assim que a lei for promulgada, as ADIs podem ser apresentadas ao Supremo. A partir daí, o relator designado decidirá se suspende ou não a lei (ou alguns de seus trechos) em caráter liminar (provisório). Nesse caso, a suspensão começa a valer imediatamente e decisão do relator é encaminhada ao plenário do STF, para avaliação de todos os ministros. O plenário pode manter a decisão de suspensão da lei, cassá-la ou, ainda, modificá-la.
Suely Araujo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, que apoia a Apib na ação a ser apresentada ao Supremo, avalia que a tendência é que a corte decida liminarmente contra o marco temporal, restando dúvidas sobre os outros pontos a serem contestados. “Foi aprovado um corpo de regras que colide inteiramente com a letra e o espírito do capítulo da Constituição Federal relacionado aos direitos indígenas. Uma afronta clara, total e absolutamente irresponsável. Em relação ao marco temporal, a expectativa é que o Supremo dê uma decisão liminar e o afaste logo, já que a corte acabou de decidir pela sua não prevalência”, diz, e lembra: “Gosto de chamar atenção para o fato de que, na Assembleia Nacional Constituinte, o marco temporal foi debatido e foi rejeitado. A decisão do constituinte originário, eleito para a assembleia nacional e que redigiu a Constituição, foi pela inexistência do marco temporal. Não há limitações temporais para direitos fundamentais”, finaliza. (LEILA SALIM)