Negociações terminam sem avanço para reduzir poluição plástica
O pouco progresso beneficia a indústria de combustível fóssil e química, que enviou lobistas ao evento
DO OC – A 4ª rodada de negociações da ONU para o Tratado Global Contra a Poluição Plástica (INC-4, na sigla em inglês) terminou nesta segunda-feira (29) em Ottawa, Canadá, sem grandes avanços. O progresso lento é atribuído à participação de lobistas da indústria de combustíveis fósseis e do plástico. Análise do Centro de Direito Ambiental Internacional (Ciel) mostra que 196 lobistas se inscreveram para participar das sessões, número 37% maior que no INC-3, quando 143 se registraram para ir a Nairóbi, no Quênia, em novembro do ano passado.
“O aumento de 37% de lobistas mostra que a pressão da indústria está aumentando progressivamente à medida que os apelos ao tratado para abordar a produção de plástico crescem dentro e fora das negociações”, disse o Ciel.
Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, comenta que os países não confirmaram se o texto do tratado terá regras globais comuns ou se seguirá regras voluntárias baseadas em planos nacionais. “Nesse sentido, foi uma vitória para a indústria fóssil. Se a regra não for global, a chance de não resolver o problema é grande”, comentou Santos.
As negociações também terminaram sem uma sinalização de que o tratado incluirá medidas para reduzir a produção e o consumo de plástico. Peru e Ruanda apresentaram uma proposta para a redução de 40% na produção entre 2025 e 2040 e tiveram o apoio de quase 30 países, como França, Noruega, Chile e Senegal. Os Estados Unidos foram contra.
“É hora de perguntar se a delegação dos Estados Unidos simplesmente perdeu o memorando sobre a proteção da saúde e dos direitos humanos da ameaça do plástico, ou se a administração [do presidente Joe] Biden esqueceu de enviá-lo”, criticou Carroll Muffett, presidente do CIEL.
O Canadá foi criticado por, inicialmente, apoiar a iniciativa do Peru e de Ruanda, mas não fazer pressão para que a proposta fosse aceita nas negociações. “O acordo fraco acordado em Ottawa coloca os interesses da indústria em primeiro lugar, não reflete o que o governo do ministro [do meio ambiente Steven] Guilbeault se comprometeu publicamente”, disse Sarah King, chefe de plásticos e oceanos do Greenpeace Canadá.
Graham Forbes, líder da campanha global de plásticos no Greenpeace Estados Unidos, também criticou o resultado das negociações sem considerar cortes na produção. “As pessoas estão sendo prejudicadas pela produção de plástico todos os dias, mas os estados estão ouvindo mais de perto os lobistas petroquímicos do que os cientistas de saúde”. Forbes ainda ressaltou que se os países, particularmente os que integram chamada “coalizão de alta ambição”, não agirem entre agora e a INC-5, que será realizada no fim do ano em Busan, na Coréia do Sul, o tratado será um texto que poderia ter sido escrito pela ExxonMobil, petroleira americana.
A ExxonMobil é uma das maiores produtoras de plástico do mundo e se manifesta contra um tratado que defenda o corte na produção. “A questão é a poluição. A questão não é o plástico. Um limite na produção de plástico não nos servirá em termos de poluição e meio ambiente”, disse Karen McKee, chefe de soluções de produtos da ExxonMobil, ao Financial Times.
A indústria defende a reciclagem como uma solução, apesar de menos de 9% dos plásticos serem reciclados. Um relatório publicado em fevereiro pela Centro para a Integridade Climática mostra que a indústria dos combustíveis fósseis e do plástico promoveu a reciclagem como uma solução por mais de 50 anos, apesar de saber que a ação não é viável em grande escala.
O Brasil é outro país que não apoiou a proposta do Peru e de Ruanda. Para Lara Iwanicki, gerente de advocacy da Oceana Brasil, e Michel Santos, de forma geral, o Brasil se posicionou melhor do que nas negociações em Nairóbi no ano passado. “O Brasil teve um amadurecimento. Levou uma delegação maior para entender a complexidade do problema. Ajudou a facilitar os grupos de trabalho. Falou pela primeira vez sobre a importância de existir transparência na composição dos plásticos”, disse Iwanicki.
Santos comentou que o país ainda defendeu a inclusão de catadores de material reciclável e dos trabalhadores informais para uma transição justa. “Também mostrou algum progresso no que se refere à adoção de medidas que regulem produtos químicos e polímeros preocupantes, bem como produtos problemáticos e evitáveis, que são mais prejudiciais às pessoas e à natureza”, disse Santos. Os especialistas, no entanto, ressaltaram que o Brasil precisa ser mais ambicioso para resolver o problema. O país é responsável por 2% da produção global de plástico.
Até novembro, os países devem realizar um trabalho formal intersessional para a elaboração de listas de produtos plásticos e químicos nocivos, para a concepção de produtos com foco na reutilização e reciclagem e para a análise do pacote financeiro necessário para a implementação do tratado.
O plástico é problemático porque pode persistir em rios, no oceano e em terra por séculos, além de afetar a saúde de humanos e outros animais. “A maioria dos itens de plástico nunca desaparece completamente. Eles apenas se quebram em pedaços cada vez menores. Os microplásticos podem entrar no corpo humano por inalação e absorção e se acumular em órgãos. Microplásticos foram encontrados em nossos pulmões, fígado, baço e rins”, diz publicação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Um estudo publicado em 2021 encontrou microplástico em todas as partes da placenta.
A produção de plástico engatinhou entre os anos 1950 e 1970, quando começou a ganhar fôlego. A produção dobrou de aproximadamente 200 milhões de toneladas no ano 2000 para mais de 400 milhões de toneladas em 2019. Além de prejudicar a saúde, os plásticos contribuem para as mudanças climáticas. 99% de todo o material é feito a partir de petróleo e as emissões de gases de efeito estufa estão presentes desde a extração do combustível fóssil até a fabricação e descarte do plástico.
Estimativas publicadas em abril pelo Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, organização ligada ao governo dos Estados Unidos, aponta que a produção global de plástico gerou cerca de 2,24 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente em 2019, o que representa 5,3% do total das emissões globais de gases de efeito estufa, excluindo agricultura, mudança e uso da terra e silvicultura. No mesmo ano, foi responsável por 12% da demanda de petróleo e 8,5% de gás.
Os pesquisadores dizem que sob um crescimento conservador na produção, 2,5% ao ano, as emissões atingiriam 4,75 bilhões de toneladas de CO2 até 2050. Se houver um aumento mais acelerado, 4% ao ano, o número dispara para 6,78% bilhões de toneladas. (PRISCILA PACHECO)