Sylvia Anjos durante aula aberta na Coppe/UFRJ, na zona norte do Rio de Janeiro. (Tomaz Silva/Agência Brasil)

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Na newsletter: Espanha se afoga, planos climáticos naufragam e desinformação petroleira voa alto

Edição da quinzena traz checagem de discurso da diretora-executiva da Petrobras e várias faces da dependência fóssil

04.11.2024 - Atualizado 11.11.2024 às 15:03 |

O morto-vivo realmente assustador na semana do Dia das Bruxas não é um zumbi de filme de horror, mas o petróleo: a ciência já cansou de provar que precisamos deixar os combustíveis fósseis debaixo da terra se não quisermos assar num planeta com aquecimento descontrolado, mas eles seguem nos assombrando, ganhando espaço e se alimentando de cérebros em um mundo ao qual já não deveriam pertencer.

Nas últimas semanas, vimos a diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, fazer um malabarismo para defender a expansão da produção de petróleo em plena Coppe, o instituto de pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, deixando a verdade pelo caminho sem ser constrangida; uma leva de influenciadores e divulgadores científicos cedendo ao “negacionismo light” da indústria do petróleo, divulgando o seu papel na sua própria versão de “transição” energética (que convenientemente ignora a parte de deixar os fósseis para trás); o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, indicar que vai ignorar parecer técnico de seus próprios servidores para dar mais uma chance para a Petrobras tentar obter a licença para perfuração na Foz do Amazonas; e um levantamento revelar que os países da Troika das COPs – Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil –, que deveriam dar o exemplo, querem aumentar a produção de petróleo e gás em 32% até 2035.

Contamos esses episódios nesta newsletter, que traz também as consequências da presença horripilante dos fósseis no século 21: enchente histórica na Espanha, recorde de emissões e na concentração de gases de efeito estufa, além de metas climáticas insuficientes, compõem o cenário. Um novo levantamento mostrou que, sem financiamento dos países ricos, os compromissos dos países levam a um retumbante fracasso nos objetivos do Acordo de Paris.

E por falar em financiamento, a ação climática global está seriamente ameaçada por um evento que ocorre nos próximos dias. E não estamos falando da COP29: as eleições americanas podem reconduzir Donald Trump à Casa Branca e comprometer todos os esforços para controlar o aquecimento global.

Boa leitura.

Diretora da Petrobras espalha desinformação para defender petróleo

Sylvia Anjos ignora biodiversidade de recife amazônico e diminui papel dos combustíveis fósseis no aquecimento global

No dia 24 de outubro, a diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, aproveitou seu título de autoridade para fazer um discurso enganoso em defesa da exploração de novos blocos de petróleo no Brasil, principalmente na Foz do Amazonas, que faz parte da Margem Equatorial. O caso ocorreu durante uma aula aberta na Coppe, instituto de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A executiva não foi questionada em nenhum momento pelos pesquisadores da Coppe, um dos mais respeitados centros científicos da América Latina. No entanto, nós checamos algumas declarações. As checagens foram publicadas no Fakebook e na Central da COP, iniciativas do Observatório do Clima.

Sylvia Anjos afirmou que não existe coral na Foz do Amazonas, o que chamou de uma “fake news” científica. Segundo ela, seriam apenas rochas antigas. Mas não é bem assim. Já existem pesquisas científicas que mostram que a formação recifal tem organismos vivos e está em crescimento. O ecossistema é formado por rodolitos, bancos de algas carbonáticas também encontrados em outras regiões do Atlântico Sul, como Abrolhos, na Bahia. A área desempenha um papel importante na reprodução e alimentação de espécies de peixes comercializadas.

E não para por aí. Para absolver os combustíveis fósseis, a diretora disse que os principais fatores para o aquecimento global atual são a radiação solar e a posição da Terra. Na verdade, observações de satélites da Nasa mostram que, nos últimos 40 anos, a radiação solar diminuiu ligeiramente. Já as atuais posições orbitais da Terra estariam promovendo um resfriamento gradual, se não fosse a quantidade de gases de efeito estufa que estamos lançando na atmosfera. Desde 1750, o aquecimento causado pelos gases emitidos pela queima de combustíveis fósseis é mais de 50 vezes maior do que o leve aquecimento solar registrado no mesmo período.

Em seguida, ela afirmou que grande parte das emissões brasileiras não vem do petróleo. É fato que, no Brasil, as emissões líderes são as de desmatamento. Mas você sabia que o Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo e exporta grande parte do que é produzido? Isso significa que as emissões do petróleo exportado não são contabilizadas no inventário brasileiro, mas contribuem igualmente para o aquecimento global.

Sylvia Anjos também disse que é possível conter as mudanças climáticas mantendo a dependência fóssil. Desde 2021, a Agência Internacional de Energia afirma que, para barrar o aquecimento global, nenhum novo projeto de combustíveis fósseis deve ser autorizado. O IPCC, Painel do Clima da ONU, também destaca a necessidade de uma transição energética. Leia as checagens completas aqui.

Oi Rodrigo

Presidente do Ibama ignora técnicos e dá mais uma chance para a Petrobras

Vinte e seis técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) recomendaram a rejeição da licença ambiental para a perfuração do bloco 59, na Foz do Amazonas. Além disso, sugeriram o arquivamento do processo. A resposta veio após o grupo analisar os novos estudos apresentados pela Petrobras para explorar petróleo na área, depois de a licença ter sido negada em maio de 2023. No entanto, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, não seguiu a recomendação e solicitou que a Petrobras apresentasse mais informações.

Que belo exemplo

Produção de petróleo e gás pode aumentar 32% até 2035 em países da Troika

Os países que compõem a Troika das COPs – presidentes das conferências climáticas de 2023 (Emirados Árabes Unidos – EAU), 2024 (Azerbaijão) e 2025 (Brasil) – podem aumentar em 32% a produção de petróleo e gás até 2035, ano final das metas climáticas que devem ser apresentadas em 2025, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Na análise por país, as projeções indicam um aumento de 36% para o Brasil, 34% para os EAU e 14% para o Azerbaijão. Embora a eliminação gradual dos combustíveis fósseis deva ser liderada por países do Norte Global, como os Estados Unidos, os países da Troika têm um dever especial de liderar pelo exemplo. A pesquisa foi realizada pela Oil Change International e contou com a participação do Observatório do Clima. Leia o artigo completo aqui.

Negacionismo de roupa nova

Petrobras e Shell apostam em influencers de ciência

Um levantamento do Núcleo Jornalismo mostra que, entre dezembro de 2023 e 2024, a Petrobras e a Shell publicaram ao menos 34 posts nas redes sociais com a participação de influencers da área de ciências, como Átila Iamarino, Ana Bonassa, Laura Marise, Bianca Witzel, Iberê Thenório e Pedro Loos. O objetivo é divulgar projetos de transição energética e mostrar que estão trabalhando contra as mudanças climáticas. No entanto, ocultam o fato de que investem muito mais dinheiro na produção de combustíveis fósseis. É aí que reside o negacionismo. “O discurso hoje é light; essas empresas não negam mais as mudanças climáticas e, pelo contrário, posam de preocupadas com isso. (…) usam divulgadores científicos para dizer que são a favor da ciência”, afirmou ao Núcleo o físico Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Leia a reportagem completa aqui.

Tem potencial

Brasil pode reduzir 80% das emissões por energia

Embora esteja à frente de muitos países por gerar quase 90% da energia elétrica a partir de fontes renováveis, o Brasil precisa fazer uma transição energética de forma rápida. Um estudo publicado pelo Grupo de Trabalho de Energia do Observatório do Clima aponta que o país tem a capacidade de fazer isso e servir de exemplo para o resto do mundo na descarbonização do setor. A publicação sugere que o Brasil pode chegar a 2050 emitindo cerca de 102 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) no setor de energia, uma redução de cerca de 80% em relação ao que é emitido atualmente, mesmo considerando o crescimento da demanda energética em cenários de crescimento econômico.. A pesquisa, intitulada “Futuro da Energia: visão do Observatório do Clima para uma transição justa no Brasil”, apresenta diretrizes para diferentes áreas do setor energético e contou com a participação de especialistas de 23 organizações da rede. Acesse o estudo completo aqui.

Novo anormal

Enchente mata mais de 200 na Espanha

Até o fechamento desta newsletter, já chegava a 205 o número de pessoas mortas pela enchente histórica na Espanha. Valência, terceira maior cidade do país, concentra 202 mortos. Segundo as autoridades, o número de vítimas fatais ainda pode aumentar, já que ainda há desaparecidos. As imagens dos estragos rodaram o mundo na última semana, mostrando carros empilhados e cidades inteiras devastadas. A inundação ocorreu após uma tempestade repentina iniciada na última terça-feira (29/10): em algumas horas, choveu o equivalente a um ano em algumas áreas do leste do país. Cerca de 140 mil pessoas ficaram sem energia e os moradores das regiões mais afetadas denunciam ainda a falta de água e comida.

A tragédia se soma à extensa lista do “novo normal” de 2024, que muito provavelmente será o mais quente da história e nos dá um aperitivo de como é viver em um planeta com aquecimento descontrolado. As secas históricas, inundações recordes, furacões turbinados são verdadeiros filmes de terror, patrocinados pela emergência climática.

Tudo certo pra dar errado

Emissões batem novo recorde quando deveriam despencar

No ano mais quente da história (até agora, já que o posto deve ser superado por 2024), as emissões de gases de efeito estufa bateram um novo recorde. O Relatório de Lacunas para as Emissões, lançado no último dia 24/10, mostrou que em 2023 foram despejadas 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e) na atmosfera, um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior. O levantamento, publicado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), confirmou que o mundo caminha para aquecer o dobro do limite estipulado pelo Acordo de Paris. Apesar de o aumento de emissões ocorrer agora em ritmo mais lento do que na década passada, a mera desaceleração do crescimento da poluição climática está longe de ser suficiente. A ciência já reafirmou que somente uma redução drástica nas emissões – chegando a 2030 com emissões de 33 gigatoneladas de CO2 – dará ao planeta uma chance de atingir a meta de limitar o aquecimento a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Segundo o estudo, as políticas atualmente implementadas nos colocam no trilho de um aquecimento “catastrófico”, de 3,1ºC até o final deste século. Leia mais aqui.

Tudo certo pra dar errado 2

Recorde também na concentração de gases-estufa

Na última segunda-feira (28/10), foi a vez da Organização Meteorológica Mundial (OMM) reforçar o recado: os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera bateram um novo recorde no último ano, chegando a 420 partes por milhão (ppm) de CO2 concentrados, ou 51% a mais do que havia no período pré-industrial. A OMM mostrou ainda que a concentração de CO2 aumentou 11,4% em vinte anos, e alertou que os atuais níveis, somados aos outros gases de efeito estufa, comprometem a temperatura da Terra por muitos anos.

Sem dinheiro, resta a fervura

Financiamento define sucesso ou fracasso de metas climáticas

A poucos dias da COP29, que terá como tema central o financiamento, o relatório de avaliação das metas climáticas mostrou que, sem dinheiro dos países ricos, os compromissos atuais levariam a um aumento de 0,8% nas emissões de gases de efeito estufa em 2030, data em que deveriam cair 43% (na comparação com os níveis de 2019). Quando incluídas as chamadas “condicionadas” (que dependem de financiamento dos países ricos para serem implementadas), chegaríamos a 2025 praticamente os mesmos níveis de emissão, e a 2030 emitindo 2,6% a menos. Considerando a margem de erro, a redução nas emissões em 2030 poderia ser de até 8,6%, se as NDCs forem integralmente implementadas em todo o mundo. Mais aqui.

Olho no lance

Central da COP fala de clima com linguagem de futebol

O clima não pode ser uma caixinha de surpresas. Foi a partir dessa ideia que o Observatório do Clima criou o Central da COP, site que reúne tudo o que você precisa saber sobre política climática escrito com uma linguagem de futebol. Tem VAR em declaração de políticos e executivos da indústria fóssil, cartão vermelho em tentativa de greenwashing e gol de placa na redução do desmatamento. Editado pelo jornalista Roberto Kaz, que trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo, O Globo e na revista piauí, e com projeto gráfico do designer Rodrigo Bento, o Central da COP é um site coletivo, feito em parceria com as várias organizações da rede do Observatório do Clima.

Além de reportagens, conta com um escrete de colunistas: o jornalista Claudio Angelo, a liderança indígena Sineia Wapichana, a administradora pública Thaynah Gutierrez e o cientista Ricardo Galvão, além das equipes do Imazon (responsável pelo Diário de Belém, sobre a preparação da cidade que sediará a COP 30) e do Engajamundo (COP Sub-30, sobre futuro e juventude). “Vamos fazer mais bonito que a seleção do Dorival, o que francamente não será difícil”, diz Claudio Angelo. “Mas, para além disso, este será um espaço de criação coletiva e experimentação com linguagem, para realmente aproximar das pessoas o mundo alienígena das COPs.”

Semana decisiva

Três eventos para acompanhar – e se preocupar

Na terça-feira (5), os eleitores dos Estados Unidos vão às urnas, no evento mais importante de 2024 para o futuro do combate à crise do clima. A depender de seus desdobramentos, as eleições podem comprometer a ação climática global. Vão ser dias de angústia, já que o resultado da disputa acirrada entre Kamala Harris (Partido Democrata) e Donald Trump (Partido Republicano) pela presidência pode demorar alguns dias para sair – afinal, o país não tem um sistema nacional de apuração centralizado como o Brasil.

Na quinta-feira (7), o Observatório do Clima lançará a 12ª edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Na mesma semana, o Governo Federal também deve divulgar a taxa de desmatamento do ano, mas a data exata para a publicação dos dados ainda não foi divulgada.

Na playlist

O podcast Bocas de Urna, que traz os últimos momentos da campanha para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, direto da Pensilvânia com a repórter Patrícia Campos Mello.

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