Na newsletter: Entenda por que o governo tem tanta pressa em liberar a Foz
Edição da quinzena traz a boiada por trás do Bloco 59, reações à primeira carta do presidente da COP30 e o recorde de acidentes em projetos de petróleo no Brasil
O calendário de 2025 no Brasil tem apenas dois eventos: o Carnaval e a COP30. Passado um, o outro começou imediatamente. E a COP chegou chegando, com veículos de imprensa criando editorias especiais, cartinha da presidência para a comunidade internacional e até o primeiro (e tardio) escândalo ambiental em torno das obras para preparar Belém para a conferência.
Mas as mentes petroleiras do governo federal têm outra data fundamental em suas planilhas: 18 de junho. Como você lerá nesta edição da newsletter, nesse dia vence uma autorização dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente de 2020, que permitiu ao governo colocar em leilão mais de 300 blocos de óleo e gás no país inteiro, 47 deles apenas na controversa bacia sedimentar da Foz do Amazonas. Caso esse documento caduque, será preciso solicitar a ninguém menos que Marina Silva um novo – e é mais fácil o Canadá aceitar a anexação pelos Estados Unidos do que a ministra do Meio Ambiente respaldar um papel desses em ano de COP.
Daí vem a pressa do governo para licenciar o primeiro boi dessa boiada, o chamado Bloco 59, e a pressão em cima do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. É difícil imaginar pior timing para isso do que às vésperas de uma conferência do clima no Brasil, com o mundo inteiro pronto para apontar a contradição insolúvel entre as vontades de Lula de ser o líder do Sul Global que salvou o planeta e de transformar o Brasil no quarto maior produtor de óleo e gás.
Enquanto a folhinha dança e Agostinho balança, ao menos o país ganhou uma data para comemorar: no próximo dia 25, o STF decidirá se Jair Messias Bolsonaro e seus milicos amestrados serão tornados réus por tentar dar um golpe de estado e transformar o Brasil numa república de bananas tipo os Estados Unidos.
Boa leitura.
The Dark Side of ‘Lenga-Lenga do Ibama’
Autorização para leiloar 47 blocos na Foz do Amazonas termina em junho; Lula acusou Ibama de “parecer contra o governo”

Bacia da Foz do Amazonas (Fonte: ANP)
A faca no pescoço do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, pela licença para perfuração na bacia da Foz do Amazonas tem origem em um documento assinado em 18 de junho de 2020, no auge da pandemia de Covid-19, pelo então presidente do instituto, Eduardo Bim, autodenominado psicopata, e pelo então diretor-geral interino da Agência Nacional do Petróleo (ANP), José Gutman. Com prazo de validade de cinco anos, a manifestação conjunta dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME) para a oferta permanente de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural vence um dia após a data escolhida pelo governo Lula para leiloar 47 blocos na bacia da Foz do Amazonas e outros 285 espalhados pelo país. O leilão da ANP está marcado para 17 de junho.
Um dos objetivos da pressa para liberar a perfuração do bloco FZA-M-59, em análise no Ibama, é não melar o leilão dos outros 47 blocos na mesma bacia. Há um mês, o presidente Lula criticou o que chamou de “lenga-lenga” do Ibama, acusando o órgão ambiental de parecer que “é contra o governo”. A pressão pela licença aumentou após a posse do novo presidente do Senado, o amapaense Davi Alcolumbre, no início de fevereiro.
“Por que esse barulho todo em relação ao bloco FZA-M-59, na costa do Amapá, se a Petrobras nem sequer tem certeza de que vai encontrar petróleo lá?”, perguntou a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, em artigo na última newsletter. “A pressão com rompantes de assédio vem do fato de que a licença de perfuração desse bloco funcionará como uma espécie de porteira em alto mar (alô, boiada!) para facilitar o futuro licenciamento de outros blocos na mesma região, que é ambientalmente sensível e com correntes fortíssimas, o que potencializa acidentes na perfuração ou na eventual produção. Essas condições levam a uma atenção mais cuidadosa do órgão ambiental na análise de pedidos de licença. Se a licença for concedida no grito após essa campanha ruidosa de deslegitimação do Ibama, a futura rejeição de licenças em condições similares será pouquíssimo provável.”
A avaliação do governo é que um pedido de renovação da manifestação conjunta não teria respaldo da área técnica da pasta ambiental – isso já ocorreu no início do ano para 14 blocos em outra bacia, a Potiguar. Por isso, cada dia que passa é um dia a menos. Além da data final de 18 de junho para a autorização do leilão, há duas etapas intermediárias, com prazo até 31 de março e 12 de maio, para apresentação de declarações de interesse acompanhadas de garantias de oferta das empresas, segundo o cronograma do 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão divulgado pela ANP.
Com a licença do FZA-M-59 na mão, o interesse pelos outros 47 blocos na Foz seria turbinado. Agora, a caneta está com Rodrigo Agostinho.
Imagem: Bacia da Foz do Amazonas (Fonte: ANP)
Verba volant
Corrêa do Lago promete “virada” contra aquecimento em carta
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, enviou no último dia 10 a primeira carta aos países-membros da Convenção do Clima delineando a visão do Brasil sobre a conferência de Belém. Em 11 páginas repletas de arroubos poéticos, metáforas futebolísticas como “ganhar de virada”, citações de filósofos e referências a alavancas (18) e pontos de apoio (7), o embaixador reconheceu a emergência climática como algo que está “na nossa soleira”, reforçou a importância do multilateralismo e convocou os países a um “mutirão” contra a crise do clima. Procurou demarcar a COP30 como a primeira da fase “pós-negociação” do Acordo de Paris, com foco em implementação. Mas simplesmente não disse nada sobre o que o Brasil pretende fazer para atacar a causa central da crise: os combustíveis fósseis. E não foi essa a única omissão apontada na carta.
Painel da vergonha
Petrobras é uma das 36 empresas que emitiram metade do CO2 do mundo em 2023
Em 2023, 169 empresas produtoras de fósseis e cimento foram responsáveis pelo despejo de 33,9 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente na atmosfera — um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior. Os dados são do Carbon Majors, banco de dados que rastreia as emissões do grupo de 169 grandes petroleiras. Juntas, elas representaram 78,4% das emissões globais de fontes fósseis e cimento naquele ano. O levantamento mostrou ainda que as 36 primeiras empresas do ranking foram responsáveis por quase metade dessas emissões globais. Entre elas, está a Petrobras, que aparece na 21ª posição, com 412 milhões de toneladas de CO₂e emitidas em 2023.
As cinco estatais mais poluentes, Saudi Aramco (Arábia Saudita), Coal India (Índia), CHN Energy (China), National Iranian Oil Co (Irã) e Jinneng Group (China), representam 17,4% das emissões globais de CO₂ de fontes fósseis. Já as cinco principais empresas privadas — Exxon Mobil (EUA), Chevron (EUA), Shell (Reino Unido), Total (França) e BP (Reino Unido) — concentram 4,9% do total. Leia o relatório completo aqui.
“Risco zero”
Aumentam acidentes em exploração e produção de petróleo no Brasil
Contrariando dados técnicos, defensores da exploração de petróleo na Foz do Amazonas costumam usar expressões como “zero acidente” e “segurança total” para minimizar os riscos da atividade na região – de correntes fortíssimas (de três a cinco vezes mais velozes que as do Sudeste, segundo parecer técnico do Ibama) e intensas precipitações. Na última semana, outra dose de realidade foi adicionada ao debate, com a publicação dos dados mais recentes do Painel Dinâmico de Incidentes em Exploração e Produção, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O levantamento mostrou que, em 2024, foram registrados 731 acidentes marítimos e 360 acidentes terrestres nas atividades de exploração e produção de petróleo no Brasil. É um aumento em relação ao ano anterior, quando ocorreram 718 acidentes marítimos e 224 terrestres. Os dados revelam ainda um aumento no número de pessoas feridas, com 183 casos em 2024 (contra 166 em 2023), sendo 72 graves (contra 67 ferimentos graves em 2023). Ambos os anos registraram uma morte. Os incidentes registrados apontam ainda a descarga, no meio ambiente, de 3.656 m3 (ou 3 milhões e 656 mil litros) de substâncias nocivas ou perigosas como gás natural, água, fluídos sintéticos e outros, como resultado de despejos, escapes, derrames, vazamentos e outros acidentes. Em 2023, o volume total fora de 1.347 m3 (ou 1 milhão e 347 mil litros).
A natureza do escorpião
Desmatamento para avenida causa 1º escândalo da COP30
A COP30 ganhou seu primeiro escândalo mundial com uma reportagem da BBC que revelou para o público estrangeiro, na última quarta-feira, que o governo do Pará simplesmente desmatou 13 km de floresta amazônica numa área de proteção ambiental às margens do rio Guamá para passar uma estrada. A chamada Avenida da Liberdade, que conectará a região metropolitana com a capital, tem o intuito declarado de facilitar o acesso a Belém dos delegados que fatalmente terão de se hospedar nas cidades de Ananindeua e Marituba. É a segunda obra da COP que envolve desmatamento: a primeira foi a Rua da Marinha, que envolveu a destruição de um parque urbano e ganhou até filminho nas redes sociais do evento (qualquer semelhança com a Transamazônica é mera repetição da história como farsa). A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) correu para esclarecer que o governo federal não teve nada com isso e que o filho feio é de Helder Barbalho. Como se o Pará estivesse fazendo obras escondido e como se o próprio governo federal não tivesse divulgado a destruição da mata na Rua da Marinha. Nesta sexta-feira (14/3), após a repercussão da BBC, o vídeo sumiu do perfil oficial da COP30, da Secom.
A natureza do escorpião 2
Gilmar copia propostas de Temer e Bolsonaro para minerar terras indígenas
Uma investigação de Rubens Valente na Agência Pública mostrou que o chamado “anteprojeto” de lei complementar sobre mineração em Terras Indígenas apresentado em fevereiro pelo ministro do STF Gilmar Mendes reproduz trechos de uma proposta de 2018 do governo Temer e do Projeto de Lei 191, de autoria do governo Bolsonaro e apresentado ao Congresso em 2020. As propostas foram rejeitadas pelo governo Lula em 2023, após oposição de organizações indígenas, indigenistas e do Ministério Público Federal. O MPF apontou que o PL 191 continha inconstitucionalidades e “vício insanável”. A Agência Pública identificou transcrições literais ou adaptações em pelo menos 20 dos 94 artigos do texto. O projeto também incorporou artigos de um Projeto de Lei de 2016, cujo autor, Telmário Mota, foi preso em 2023 sob acusação de ter mandado matar a ex-esposa.
Trumpocalipse
Novos ataques de Trump miram sociedade civil e ciência climática
Na última quarta-feira (12/3), a mais recente rodada de revogaços trumpistas parece ter conduzido a destruição da regulação ambiental e climática nos Estados Unidos ao seu auge – até agora, claro. O chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), Lee Zeldin, anunciou a revogação de 31 dispositivos regulatórios, incluindo o reconhecimento do papel nocivo dos gases de efeito estufa que causam o aquecimento global para a saúde pública e o bem-estar. Adotada pela EPA em 2009, durante o governo Obama, a descoberta científica sobre a ameaça representada pelos gases-estufa é considerada o principal pilar da ação climática no país. Segundo o chefe da EPA, as medidas têm como objetivo garantir a “soberania energética” dos EUA.
Além da decisão de 2009 sobre a ameaça representada pela emissão de gases-estufa, estão na mira da EPA o controle da poluição do ar causada por usinas movidas a combustíveis fósseis e a medida que limita as emissões de veículos como carros e caminhões.
Tem mais: na última semana, a agência anunciou o cancelamento de subsídios estimados em US$ 20 bilhões para o financiamento de projetos de energia limpa e iniciativas favoráveis ao clima, concedidos durante o governo Biden. Na esteira do corte de verbas, o governo Trump mira também a sociedade civil, criminalizando as organizações que receberam os subsídios, agora investigadas pelo FBI. Na última quarta-feira, o Citibank revelou que foi instruído pelo serviço de inteligência a congelar as contas das organizações sob suspeição de envolvimento em “possíveis violações criminais”.
Sobrou até para os passarinhos: um memorando de 28 de fevereiro que enfraquece uma das leis ambientais mais antigas dos EUA, voltada para a proteção de aves, veio a público. A medida é (mais) um favor à indústria fóssil, já que a lei penalizava empresas por acidentes que vitimassem os animais durante atividades de exploração e produção de petróleo e gás.
Derretimento global
Gelo marinho registra derretimento recorde em fevereiro
A cobertura de gelo marinho no planeta atingiu mínima histórica em fevereiro, segundo o Copernicus, serviço de mudanças climáticas da União Europeia. No dia 5/2, a extensão de gelo chegou a 16,20 milhões de km²a, ultrapassando o recorde negativo anterior de fevereiro de 2023 (16,27 milhões de km²). Nos dias seguintes, a extensão diminuiu ainda mais, chegando a 16,04 milhões de km² no dia 7/2. No Ártico, onde o gelo deveria estar se expandindo no inverno, a extensão ficou 8% abaixo da média de 1991-2020, no menor nível para o mês desde o início do monitoramento por satélites, há 47 anos. Já na Antártida, a extensão média do gelo marinho em fevereiro ficou 26% abaixo da média de 1991-2020 para o mês. O gelo marinho desempenha um papel importante na regulação do clima, refletindo parte da radiação solar de volta ao espaço. Com menos gelo, o planeta absorve mais calor, acelerando o aquecimento global e intensificando os desequilíbrios climáticos. Leia mais aqui.
Central da COP
“Da” floresta ou “na” floresta?
Que a COP30 ocorrerá na Amazônia todos sabem. Que isso representa uma oportunidade inédita para a região todos sabem. Mas que o foco na floresta não pode ocultar a pauta principal – o fim gradual da exploração dos combustíveis fósseis – nem todos sabem. É sobre isso que escreve Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA): “A capacidade humana de consumir combustíveis fósseis é muito maior do que a de assassinar florestas vivas, embora esta também seja tremenda.” O uso de combustíveis fósseis representa, hoje, 80% das emissões de gases de efeito estufa.
E a sociedade civil?
Diz o ditado que a torcida, no futebol, conta como o décimo-segundo jogador em campo. Nas decisões políticas também. Tatiana Oliveira, do WWF, escreve que a COP30 só terá sucesso se os governos jogarem junto com a sociedade civil, que já enfrenta percalços: “A participação da sociedade civil é limitada pelas barreiras estruturais. A primeira: as desigualdades geopolíticas, que dificultam a influência das demandas nacionais nas discussões globais, enfraquecendo a pressão de baixo para cima. A segunda: os custos altos, vide o farto noticiário sobre as caríssimas diárias de hotéis e apartamentos em Belém no período da COP. E a terceira: a burocracia do credenciamento, que exclui muitas organizações, especialmente aquelas que atuam diretamente nos territórios.”
Alô, Panini!
Copa do Mundo é muito bom. Copa do Mundo colecionando figurinhas é ainda melhor. Mas e COP? Será que também não temos nossos craques? Nosso time de galácticos? Temos, e o Observatório do Clima juntou vários desses expoentes no Álbum de Figurinhas Oficial da Central da COP, que existe em versão impressa, com figurinhas de verdade, e online, disponível no site da Central. Chico Mendes, Greta Thunberg, Cacique Raoni, Dorothy Stang e dezenas de outros jogadores estão lá, além, claro, do mascote da Central, que em breve será apresentado nas redes do OC: o sempre equivocado Petroleco. Vem conhecer!
Na playlist
A autoexplicativa “Nazi Trumps Fuck Off“.