Altas temperaturas favoreceram produção de vinhos finos na França, diz estudo
Mais calor favorece a maturação de uvas e colheita prematura para produção da bebida na Europa. A cada grau Celsius a mais, colheita pode ocorrer seis dias mais cedo
CÍNTYA FEITOSA
DO OC
As mudanças climáticas podem ter garantido o aumento de produção de bons vinhos finos na França nos últimos tempos. Um estudo publicado nesta segunda-feira no periódico científico Nature mostra que as altas temperaturas têm acelerado a maturação dos frutos e, consequentemente, favorecido a colheita prematura de uvas finas, o que melhora a qualidade do vinho, de acordo com estudiosos. Uma das explicações é que a antecipação evita que as frutas fiquem maduras demais, o que prejudica a qualidade do produto.
“Nossos resultados sugerem que a mudança climática alterou fundamentalmente os impulsionadores climáticos das colheitas prematuras de uva de vinho na França, com possíveis consequências para a gestão de viticultura e qualidade do vinho”, dizem os pesquisadores Benjamin Cook, do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, vinculado à Nasa, e Margareth Wolkovich, da Universidade Harvard.
A pesquisa levou em consideração registros de colheita e clima desde o ano 1600 até 2007, que mostram que, por causa das altas temperaturas, as uvas viníferas na França estão sendo colhidas em média duas semanas mais cedo do que eram no passado. A principal conclusão é que as temperaturas estão aumentando mesmo sem seca, o que é bom para o cultivo de uvas apropriadas para vinhos finos. Algumas das regiões beneficiadas pelo aumento de temperatura dissociado da seca são Alsácia, Champagne e Borgonha.
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O maior atraso de colheita registrado ocorreu em 1816, o chamado “Ano sem Verão”, após a erupção do Monte Tambora, na Indonésia. A erupção causou quedas de temperatura na Europa durante o período vegetativo, atrasando a colheita em cerca de 25 dias. A colheita mais prematura ocorreu em 2003, 31 dias mais cedo que o normal, coincidindo com uma das piores ondas de calor do verão europeu na história recente, que deixou milhares de mortos. Na primeira metade do século XX as datas de colheita ocorreram um pouco mais cedo que a média, cerca de cinco dias a menos. De 1981 a 2007, no entanto, a colheita ocorreu bem mais cedo, por volta de dez dias antes da média.
Junto com as tendências em datas de colheita, também houve mudanças nas métricas de qualidade do vinho. Os produtos de alta qualidade são geralmente associados a datas de colheita precoce e também favorecidos por verões quentes, com chuvas acima da média no início da temporada e seca no final – o que aumenta o teor de açúcar da uva e, por consequência, a qualidade da fermentação. Isso garante às videiras calor e umidade suficiente para acelerar o amadurecimento. Ou seja, podemos apostar em excelentes safras de vinho nos últimos anos, já que nove dos dez anos mais quentes ocorreram do ano 2000 para cá – sendo 2015 o mais quente de todos.
De acordo com o estudo, além da mudança nas datas, a relação da colheita com outros fatores climáticos, como umidade, também perdeu um pouco da importância. O melhor indicador para a colheita é a temperatura: um avanço de aproximadamente seis dias por grau de aquecimento, coincidindo com estimativas em outros locais de produção de vinho, como a Austrália.
Historicamente, o calor extremo no verão da Europa Ocidental estava relacionado com condições de seca. Essa relação tem-se enfraquecido nas últimas décadas, enquanto o aumento do aquecimento por gases de efeito estufa possivelmente foi determinante para as altas temperaturas necessárias para que as colheitas ocorressem mais cedo. “O aumento do aquecimento induzido por gases de efeito estufa antropogênicos tornou mais fácil alcançar limites de calor extremo necessário para antecipar as datas de colheita”, dizem os pesquisadores. “Anteriormente, a seca era uma pré-condição para alcançar tais extremos.”
Nem tudo é festa, porém – pelo menos para as produções mais tradicionais de vinho. Outras pesquisas têm associado as mudanças do clima à migração de culturas e queda na produtividade. Em 2009, um estudo do Greenpeace indicou que a França poderia perder boa parte de sua região produtora de vinho, já que as áreas de cultivo de uvas como a pinot noir poderiam migrar cerca de 1.000 km ao norte por conta das condições climáticas.
Um outro estudo, de 2013, também alertou para a possibilidade de mudança de regiões produtoras de vinho em 2050, com queda em regiões como Bordeaux e Rhône, na França, e Toscana, na Itália, mas possível aumento de produção em regiões menos tradicionais, como o norte da Europa, incluindo o Reino Unido, o noroeste dos EUA e as colinas da região central da China.