O ministro Ricardo Salles no Roda Viva, em 11 de fevereiro (Foto: reprodução de TV)

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Sob Salles, ministério deixa 8 em 10 jornalistas sem resposta

Demanda por informação no Meio Ambiente quadruplica, mas 77% dos pedidos são engavetados

05.12.2019 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

DO OC – Nos primeiros nove meses do governo Bolsonaro, a procura da imprensa por informações do Ministério do Meio Ambiente quadruplicou. No entanto, 77% dos pedidos de jornalistas não foram respondidos pela assessoria de comunicação do ministério. Quase oito em cada dez solicitações dos repórteres ficaram na gaveta.

Os dados são do próprio ministério e foram obtidos pelo Observatório do Clima e por Oeco por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles consideram o período de janeiro a setembro.

Nesse intervalo, a assessoria de comunicação (Ascom) recebeu 2.221 demandas de imprensa e respondeu a 528 (23% do total). No ano passado, nos mesmos nove meses, foram 584 pedidos recebidos e 315 respondidos (54% do total). Mesmo considerando o aumento de 280%, o número de atendimentos caiu 40% em relação ao ano passado.

Os dados refletem a estratégia de comunicação imposta pelo ministro Ricardo Salles ao ministério e às autarquias vinculadas, em especial o Ibama e o Instituto Chico Mendes. Segundo funcionários e ex-funcionários da pasta, Salles centralizou a comunicação do ministério nele próprio, frequentemente deixando a Ascom às escuras.

O ministro tem um estilo peculiar de manejar a imprensa. Diferentemente de todos os seus antecessores, Salles evita conversar com repórteres especializados na cobertura ambiental e frequentemente, quando confrontado, critica o noticiário sobre sua pasta, dizendo que este ou aquele episódio “não é como foi noticiado”. ..

No caso da explosão do desmatamento em junho, por exemplo, o ministro convocou uma entrevista coletiva para apresentar resultados de uma análise supostamente feita pelo ministério que provaria que os dados do sistema Deter, do Inpe, continham “imprecisões” e que as manchetes eram, portanto, “sensacionalistas”. Nem a imprensa, nem o Inpe jamais tiveram acesso ao estudo.

A centralização das comunicações tem dificultado à imprensa cumprir a regra de ouro do jornalismo: ouvir sempre o outro lado de qualquer história. Reportagens que envolvem polêmicas ou decisões antiambientais do ministério em geral vêm com a explicação: “Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou”. Um caso típico ocorreu nesta quinta-feira (5), quando a Folha de S.Paulo publicou que Salles, após se reunir com criminosos ambientais, determinou a suspensão da fiscalização do ICMBio na Reserva Extrativista Chico Mendes, uma unidade de conservação federal.

O autor da reportagem, Fabiano Maisonnave, correspondente da Folha na Amazônia, conta que está acostumado a não ter resposta do MMA. “Enviei 11 solicitações a eles por e-mail desde o começo do ano e nenhuma foi respondida”, afirma.

Repórter com mais de duas décadas de experiência, Maisonnave já trabalhou como correspondente em Caracas, Pequim e nos EUA. “O único outro lugar em que nunca me respondiam era a Venezuela”, conta.

MORDAÇA

Como já amplamente noticiado, o ministro também impôs censura à comunicação do Ibama e do ICMBio. Nenhum dos dois órgãos é autorizado mais a se comunicar diretamente com a imprensa, direito garantido a autarquias federais pela Lei 7.735/1989. Desde março, todo jornalista que escreve à assessoria de comunicação do Ibama solicitando informação recebe um e-mail explicando que sua demanda foi encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente. Lá, como mostram os dados, ela é em geral engavetada.

Curiosamente, isso não se reflete formalmente no desempenho da própria comunicação do Ibama: também por meio da LAI, a autarquia informou que 83% dos pedidos foram respondidos. Isso ocorre porque o Ibama elabora as respostas e as encaminha para o MMA. Mesmo que a resposta nunca chegue ao jornalista, o Ibama dá o pedido como atendido.

A censura ao Ibama foi decidida por Salles e comunicada pelo então chefe da Ascom do MMA, Pallemberg Aquino, militar do Exército. Está em vigor desde 13 de março, dia da exoneração do então chefe de comunicação do Ibama, Felipe Werneck. Vem sendo reforçada desde então pelo presidente da autarquia, Eduardo Bim, que chegou a baixar um código de ética em 11 de julho vedando aos servidores “manifestar-se em nome da instituição quando não autorizado pela autoridade competente, nos termos da política interna de comunicação social”.

“O pessoal acha que tem censura porque acreditam que têm o direito de falarem o que quiserem, quando quiserem e para quem quiserem enquanto servidores do Ibama. O que fazemos e defendemos, e não é segredo, é centralizar as demandas de mídia e autorizar”, disse Bim. “Você pode ver que tem várias entrevistas dadas pelos servidores.” Bim enviou à reportagem um arquivo contendo 50 links com entrevistas concedidas neste ano por servidores do órgão.

O Ministério Público Federal considera haver, no mínimo, uma limitação à comunicação do Ibama e do ICMBio. Em 4 de setembro, 17 procuradores expediram uma série de recomendações a Salles, entre elas a de parar de “dar declarações públicas que, sem comprovação, deslegitimem o trabalho do Ibama e do ICMBio” e a de apresentar, em até 30 dias, “uma política de comunicação pública adequada que permita aos servidores públicos do órgão cumprir o dever legal e constitucional de prestar contas à sociedade”.

Os fiscais têm relatado prejuízo com a mordaça. Um documento técnico produzido pela fiscalização e encaminhado ao presidente afirma que a submissão da Ascom do Ibama ao MMA tem dificultado a dissuasão e o esclarecimento da população sobre o trabalho do órgão ambiental.

“Sabe-se que as ações de fiscalização do Ibama são por excelência ações pontuais e nesse contexto a divulgação de uma ação localizada auxilia na dissuasão do crime ambiental na medida em que a mesma é publicizada, ganhando em alcance e amplitude para além do local de sua execução”, afirma o documento. Isso estaria se perdendo com a decisão de centralizar as comunicações no MMA – que, ainda segundo o documento, nunca foi formalizada pela presidência do Ibama. Além disso, os fiscais se queixam do aumento de número de notícias negativas na imprensa envolvendo o Ibama.

Werneck, procurado pelo OC, afirma que se trata, sim, de censura. “O primeiro sinal de qualquer regime autoritário é o controle da comunicação. Começaram pela censura e agora já falam abertamente em AI-5 e licença pra matar. O único projeto desse governo na área ambiental é acabar com os índios e a floresta.”

A Ascom do MMA foi procurada duas vezes para esta reportagem, por e-mail, como é o procedimento na Esplanada, nos dias 7 e 26 de novembro. Foi perguntado ao ministério por que o número de atendimentos caiu, se houve redução de equipe ou mudança de orientação. O ministério não respondeu. (CLAUDIO ANGELO)

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