“A floresta fala por si”, diz Lula, cedendo palco a Marina
Em evento na COP28, presidente quebra protocolo, chora e abraça ministra com quem passou 14 anos rompido
CLAUDIO ANGELO
DO OC, EM DUBAI
Se política é feita de gestos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez política forte neste sábado (2) à tarde durante um evento sobre proteção às florestas na COP28, em Dubai. Chamado ao palco como o líder mundial que “desafiou o desmatamento não uma, mas duas vezes nos últimos 20 anos”, o brasileiro quebrou o protocolo e cedeu sua fala à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “As florestas vêm falar por si.”
Lula chorou ao lembrar a trajetória de Marina, sua companheira de militância desde os anos 1980, que se alfabetizou aos 16 anos. A plateia, de diplomatas experientes e outros líderes de países florestais, também se acabou em lágrimas. Foi abraçado por Marina até se recompor e lhe passar a palavra: “Eu não poderia utilizar a palavra sobre a floresta se tenho no meu governo uma pessoa da floresta.” E continuou: “Eu acho que é justo que, para falar da floresta, ao invés de falar o presidente, que é de um estado que não é da floresta, a gente tem é que ouvir ela, que é a responsável pelo sucesso da política de preservação ambiental que nós estamos fazendo no Brasil”. Assista ao episódio completo aqui.
Visivelmente contente, Marina falou do PPCDAm, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, e retribuiu a mesura do chefe atribuindo o sucesso do plano ao governo Lula.
Para além de aplausos e lágrimas, o gesto presidencial na COP28 marca o alinhamento mais forte do ex-metalúrgico com a ex-seringueira desde 2008, quando Marina pediu demissão do cargo ao perder o apoio de Lula para as medidas de combate ao desmatamento na Amazônia. O movimento gerou a saída da ex-ministra do PT e o rompimento com o lulismo, que a levou a disputar três candidaturas presidenciais contra petistas – Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e Fernando Haddad, hoje maior parceiro de Marina no governo, em 2018.
Foi só em setembro de 2022, semanas antes do primeiro turno das eleições presidenciais, que Marina ensaiou uma reaproximação com Lula, quando propôs uma “aliança programática” e entregou ao petista uma carta com 23 pontos da agenda ambiental em troca de seu apoio ao candidato contra Jair Bolsonaro.
O afastamento entre os antigos amigos gerou no PT um ressentimento contra Marina Silva que permanece até hoje. Após a campanha de 2014, quando Marina foi alvo de fake news do marqueteiro de Dilma e apoiou Aécio Neves no segundo turno, o partido decretou uma espécie de fatwa contra a ambientalista, que não mereceu a mesma condescendência de petistas que outros antigos aliados de Aécio – mormente o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Foi contra a vontade do PT que Lula nomeou Marina ministra em seu terceiro mandato. Ele chegou a oferecer o cargo a Simone Tebet, do MDB, na divisão do governo entre os partidos da base aliada. A acreana acabou entrando em sua cota pessoal ao rejeitar o plano B de Lula de ser designada “autoridade climática” do país, um cargo que jamais foi criado.
Dentro da coalizão governista de “pragmáticos”, que ela famosamente já opôs aos “sonháticos” de seu campo, Marina é vista como intransigente e indisposta ao “diálogo”. A defesa da agenda, como pontuou a jornalista Vera Magalhães, é confundida com inflexibilidade: e foi essa suposta “intransigência” que deu a Lula o único resultado real para mostrar em Dubai, a redução de 22% da taxa de desmatamento na Amazônia operada em apenas seis meses, num cenário de devastação em alta e de órgãos ambientais desestruturados.
Convém não exagerar a importância de um abraço lacrimoso no calor de uma conferência do clima. A ministra do Meio Ambiente sabe que os mares de volta no Brasil são revoltos e que a articulação política do governo não tem se furtado a rifar a agenda ambiental toda vez que o Congresso rosna (e ele rosna o tempo todo). O gesto a Marina mostra, porém, que Lula tem claro que seu papel no mundo – e, em última instância, seu legado – não pode mais ser dissociado do sucesso do Brasil na política climática. E a fiadora dessa política é a professora mirrada de Rio Branco. Quem apostava na queda da ministra, que é a figura da política brasileira mais parecida com o próprio Lula, vai precisar “jair” se acostumando com ela à frente da pasta por mais um tempo.