Javier Milei, o Bolsonaro da Argentina, em programa de TV em 2022 (Foto: Ilan Berkenwald)

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Argentina vai às urnas com negacionista como favorito

Político de extrema-direita Javier Milei não acredita em aquecimento global; seus concorrentes apostam em fósseis

22.10.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

DO OC – Os argentinos vão às urnas neste domingo (22) para escolher um novo presidente. As eleições acontecem em um momento de forte crise econômica, tema que dominou as campanhas eleitorais e tem preocupado a população. A inflação no acumulado de 12 meses alcançou 138,3% em setembro, por exemplo. Neste cenário, promessas para lidar com a crise climática aparecem superficialmente e os líderes das pesquisas eleitorais – Javier Milei, Sergio Massa e Patricia Bullrich – mantêm a ambição para investir em combustíveis fósseis.

O economista e deputado Javier Milei (Liberdade Avança) é o candidato da extrema-direita. Vencedor das eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso) em agosto com 30,2% dos votos válidos e em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para domingo (34,6%), Milei é um negacionista do clima clássico. “Todas as políticas que culpam o ser humano pela mudança climática são falsas”, disse durante o debate realizado no dia 8 de outubro. Em agosto, ele já havia dito que o aquecimento global é uma mentira.

Para Christopher Kiessling, pesquisador e professor das universidades Blas Pascal e Católica de Córdoba, na Argentina, a postura de Milei é preocupante. “[Milei] está em sintonia com outras figuras da extrema-direita, como [Donald] Trump, nos Estados Unidos, e [Jair] Bolsonaro, no Brasil. Mas creio que a Argentina tem como agravante uma política climática que não está tão institucionalizada como no Brasil e nos Estados Unidos”, comenta. “Não há tantos atores dentro da sociedade civil e do setor privado com uma força importante para potencialmente se opor a medidas que [Milei] queira levar adiante”, completa.

Outro receio é que, caso eleito, o representante da extrema-direita não sofra muita pressão internacional nas questões ambientais pelo fato de a Argentina não estar entre os maiores emissores de gases de efeito estufa. O país é o 23° maior emissor do mundo, com destaque para energia (44,53%) e agricultura (34,1%). Os Estados Unidos e o Brasil ocupam as e posições, respectivamente.

No plano de governo, Milei propõe promover novas fontes de energias renováveis e limpas, como solar, eólica e hidrogênio verde, para gerar postos de trabalho e incentivar investimentos estrangeiros. “O mundo está demandando energias renováveis. Então, isso pode avançar porque o principal objetivo dele é gerar dinheiro e liberdade para o livre mercado”, opina Enrique Maurtua Konstantinidis, consultor independente de política climática que também manifesta preocupação com uma possível vitória de Milei. Ainda na área ambiental, o programa diz que vai fomentar a criação de centros de reciclagem de resíduos para transformá-los em energia e materiais reutilizáveis.

O candidato também propõe investir na mineração, produção de combustíveis fósseis e ampliação da infraestrutura para o transporte de gás natural e petróleo. Além disso, pretende vender Vaca Muerta, segunda maior reserva do mundo de gás e a quarta de petróleo não convencionais, chamados assim porque o combustível fica alojado em pequenos poros de rochas, em vez de em um reservatório.

O segundo colocado nas pesquisas eleitorais é Sergio Massa (União pela Pátria), ministro da economia do atual presidente Alberto Fernández. Com 30,4% das intenções de votos, o governista afirma em seu plano de governo que  um dos maiores desafios que a sociedade enfrenta é a luta contra as mudanças climáticas. Inclusive, cita a encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), carta publicada pelo papa Francisco em 2015 com críticas aos rumos do mundo para combater a crise climática. No dia 4 de outubro, o pontífice argentino publicou uma nova encíclica, a Laudate Deum (Deus Seja Louvado), na qual diz que o planeta está entrando em colapso e defende a eliminação dos combustíveis fósseis.

O candidato propõe a criação de um pacto federal ambiental de desenvolvimento entre os governos federal, estaduais e municipais. Cita que é preciso implementar boas práticas produtivas para o uso e manejo do solo para a agricultura e pecuária com garantia para a sustentabilidade econômica, social e ambiental. Propõe uma transição energética, fortalecimento da produção agroecológica e o desenvolvimento de um plano para que a pecuária possa reduzir a contaminação e emissão de gases poluentes. Diz ainda que a exploração petroleira, de gás e a mineração requerem regras para a minimização de impactos ambientais e forte fiscalização por parte do estado e da comunidade.

Na área de desenvolvimento econômico, Massa dá o protagonismo para Vaca Muerta. “É necessário gerar um regime especial de investimentos na atividade de petróleo e gás, particularmente na reserva não convencional de Vaca Muerta, dando previsibilidade e incentivos para o investimento privado”, diz o programa.

Na terceira posição (26,1% das intenções de voto), Patricia Bullrich (Juntos pela Mudança), que foi ministra da Segurança na gestão do presidente Maurício Macri, diz no plano de governo que a Argentina pode oferecer ao mundo minerais e energia. Propõe completar a infraestrutura de gás e ampliar as redes de oleodutos e gasodutos. No ano passado, a candidata exaltou o potencial produtivo de Vaca Muerta. Em paralelo, quer investir na mineração de elementos necessários para a transição energética, como o lítio. Fala em fomentar a economia verde por meio da geração de fontes alternativas de energia e processos de captação de carbono. Promete potencializar o fluxo de financiamento local e internacional para projetos de ação climática com planos de restauração, preservação e sustentabilidade da biodiversidade. Diz que o cumprimento do Acordo de Paris é a chave contra as mudanças climáticas.

Carlos Gentile, que foi secretário de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável no governo de Macri, diz que, se eleita, Bullrich deve rever a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, documento que cada país apresenta com metas para o Acordo de Paris) para melhorar as metas de longo prazo. Também há o interesse de fomentar o mercado de carbono.

Sergio Massa e Patricia Bullrich não seguem o negacionismo climático de Javier Milei, mas estão distantes de um avanço no combate às mudanças climáticas. De acordo com os especialistas Kiessling e Konstantinidis, falta ambição nas propostas e a insistência na produção de combustíveis fósseis é prejudicial.

“A Argentina tem que dar ênfase para as energias renováveis. A Argentina tem que controlar as taxas de desmatamento. Isso contribuiria para que as emissões do país diminuíssem”, diz Konstantinidis. O consultor também chama a atenção para os impactos das mudanças climáticas na região. A seca prolongada em 2022 e 2023 gerou prejuízo de mais de US$ 14.140 milhões aos produtores de soja, trigo e mandioca na Argentina. O país também padeceu sob a onda de calor em setembro.

Já Kiessling ressalta que o país precisa de um plano concreto para a neutralização de emissões de carbono. “A Argentina tem um compromisso para a neutralidade de carbono até 2050, mas ainda não tem um plano concreto de ação”, diz.

Os dois últimos candidatos também apresentaram algumas propostas ambientais. Juan Schiaretti (Fazemos por Nosso País) propõe zerar o desmatamento até 2030, cumprir o Acordo de Paris, reduzir o uso de combustíveis tradicionais com o bioetanol e biodiesel, além de eliminar o plástico de uso único. Myriam Bregman (Frente de Unidade Esquerda) fala em proibir o uso indiscriminado de agrotóxicos e rejeitar a mega mineração e o fraturamento hidráulico, conhecido como fracking, técnica mais poluente que consiste na injeção de grandes quantidades de água, areia e químicos para romper a rocha e fazer com que o combustível chegue à superfície. O fracking, inclusive, é utilizado em Vaca Muerta. No entanto, diz que o dinheiro vindo dos combustíveis fósseis e da mineração deve financiar a transição energética. Ambos estão com menos de 5% das intenções de voto. (PRISCILA PACHECO)

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