Alfredo Sirkis (Foto: Brizza Cavalcante/Câmara dos Deputados)

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Até logo, descarbonário Alfredo Sirkis!

15.07.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

CASSIA MORAES
PARA O OC

Em um momento de tanta dor coletiva, retrocessos e ataques à democracia e ao futuro, o Brasil e o mundo perderam um de seus maiores aliados. Alfredo Hélio Sirkis, 69, deixou-nos na tarde de sexta-feira (10), vítima de um trágico acidente de carro no Arco Metropolitano (BR-493), na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Sirkis, como era conhecido no movimento climático, era um carioca “sem papas na língua”. Para defender seus ideais, não tinha meias palavras. Ex-guerrilheiro, ele foi integrante do grupo Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), e relatou suas peripécias na obra “Os Carbonários” , best-seller e vencedor do prêmio Jabuti. “Sinto-me a muitos anos-luz do guerrilheiro Felipe com seus 19 anos e sua intrincada mescla de revolta e pulsão de ser herói, viver a aventura da nossa geração, que depois, como disse Alex Polari, se cortou com cacos de sonho. Não me desconforta esse passado, também não me enaltece.” – reflete o autor sobre o período.

Coincidência ou sincronicidade, Sirkis tinha lançado recentemente seu mais novo livro: Descarbonário , mais uma obra-prima onde sua biografia mistura-se com eventos históricos para o movimento ambientalista. A última vez que falamos, inclusive, foi há uma semana atrás, durante uma das “Lives” de lançamento do livro . A gente nunca sabe quando vai ser a última vez que vamos falar com uma pessoa querida. Talvez seja melhor assim, o que nos obriga a manifestar nossa admiração e carinho ao longo de toda a vida. Naquela noite feliz, com presença de Gilberto Gil e tantos amigos, a última coisa que me passava na cabeça era que aquela seria também uma despedida. Contudo, reflexiva, pensei na alegria que é chegar àquela idade com tantos amigos e conquistas. Como disse Leonardo da Vinci, “assim como um dia bem aproveitado traz um sono feliz, também uma vida bem empregada traz uma morte feliz”.

E se há alguém que empregou bem a vida, essa pessoa foi Alfredo Sirkis. Não só no âmbito pessoal, colecionando amigos, aventuras e experiências singulares, mas também à serviço de seu país, do mundo, das futuras gerações. Falando sobre futuras gerações, minha última pergunta para ele foi “qual conselho você daria para o jovem Sirkis se você tivesse hoje 19 anos e estivesse começando a carreira no clima?”. Com seu jeito brincalhão, ele disse: “Se fosse na época, eu diria não se meta na luta armada”. E continuou: “O conselho que eu daria hoje é lute, lute, lute muito, e de forma consequente, de forma inteligente, não de forma narcísica. A luta tem que ser eficaz, a mobilização tem que ser em cima de propostas factíveis, inteligentes e no sentido de uma descarbonização. O movimento jovem tem que ir além do protesto, e se colocar não deve ser mais importante do que a vitória da causa propriamente dita. Então o conselho que eu daria é: procure estudar ao máximo a sua causa, a razão pela qual você está lutando e entender ao máximo como ela pode ser vitoriosa. Luta política não é terapia de grupo. Tem objetivos, mediações, avanços, recuos e obstáculos, que têm muitas vezes que ser contornados – não podem ser pulados”.

No livro ele também conta um dos “causos” dele com um tal de Jair Bolsonaro (história que eu tive o privilégio de ouvir pelo menos umas 100 vezes durante as diversas reuniões que fizemos juntos). Sirkis, que até então achava essa história “engraçada e folclórica”, disse que, para ele a história acabou perdendo a graça devido à resposta desastrosa do “capitão” à pandemia do coronavírus. Certa vez, quando ambos ainda eram deputados, ele estava numa reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, quando Jair protesta dizendo “Ahh o Sirkis se diz ecologista, mas ignora o principal problema ecológico da humanidade!”. Jocoso, Sirkis responde: “Ah é mesmo, Jair? Então me diga: qual é o principal problema ecológico da humanidade?”, ao que o capitão responde “A superpopulação!”. Sem perder nem o inimigo, nem a piada, Sirkis responde de forma brilhante: “Olha só, Jair: você acabou de dar um excelente argumento a favor do casamento gay!”. Segundo Sirkis, na ocasião nem sua “vítima” conseguiu segurar a risada.

Eu tive o privilégio de trabalhar e aprender com o Sirkis nos últimos três anos. Foram inúmeras viagens para Brasília, Rio de Janeiro e eventos internacionais. Muita correria e dedicação, afinal a crise climática não pode esperar. Esse senso de urgência, juntamente com a luta de uma vida por justiça, doa a quem doer, faziam com que ele parecesse não ter muita paciência. Mas como disse a Greta Thunberg em Davos , como ter paciência se “nós estamos há uma década de não poder reverter nossos erros? Os líderes políticos tem que liderar como se estivessem numa crise, como se a nossa casa estivesse pegando fogo, porque ela está.” Uma das coisas que mais me impressionavam no Sirkis era a sua abertura para novas ideias, ainda que depois de muito debate. Não conheço nenhum outro ambientalista brasileiro da geração dele, por exemplo, que defenda abertamente que o consumo de carne tem seus dias contados. Visionário, era como se ele tivesse uma bola de cristal para identificar tendências futuras e fazer análises de conjunturas com lucidez, pragmatismo e uma esperança cautelosa.

Pouco depois das eleições de 2018, ele profetizou em um evento: tempos negros virão, muita coisa será destruída, essa onda permanecerá por mais tempo do que a gente gostaria, mas vai passar. Até porque, ser pessimista é um luxo que nós não temos. Incansável até seu último dia de vida, Sirkis seguia inabalável, adaptando a estratégia e buscando novas formas de vencer uma batalha que, para muitos, já está perdida. Sua última obsessão, que ele conseguiu incluir no artigo 108 do Acordo de Paris, era a “precificação positiva do menos-carbono”, uma forma de incentivar as atividades que reduzem as emissões de carbono ou o capturam. Na atual conjuntura, Sirkis adaptava essa proposta num “lobby do bem” por uma recuperação sustentável pós Covid-19, liderada pelos estados, governo local e sociedade civil.

Ex-deputado federal, vereador, secretário do Meio Ambiente, coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. Tantos papéis desempenhados com maestria na luta por um mundo mais justo e sustentável! Como amiga, aprendiz e ativista climática, estou devastada com a notícia e mando os meus sentimentos para a família e outros amigos que também ficaram arrasados com esta perda inestimável. Uma pessoa justa, íntegra, que dedicou toda uma vida para fazer o Brasil e o mundo melhores. Daquelas pessoas autênticas e tão difíceis de encontrar. Vai fazer uma falta enorme, mas vamos trabalhar ainda mais para honrar e avançar o legado que ele deixou rumo ao futuro que merecemos. Como Sirkis, continuaremos plantando as sementes sem nos importarmos se estaremos aqui para ver seus frutos.

* Cassia Moraes é mestre em administração pública e desenvolvimento pela Universidade de Columbia, CEO do Youth Climate Leaders (YCL) e coordenadora de redes e captação no Centro Brasil no Clima.

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