Bolsonaro: “Não tenho nada contra o Greenpeace”
Em entrevista exclusiva, candidato do PSL revê posições polêmicas, diz que vai “privatizar o agronegócio” e que quer Marina Silva como superministra
ORIANA FALLACCIA
DO OC, EM RESENDE (RJ)
Jair Bolsonaro está reformando o discurso. Depois de ter sua bandeira da segurança pública surrupiada pelos dedos esvoaçantes de Michel Temer com a intervenção no Rio, o pré-candidado do PSL à Presidência resolveu investir em outra frente: quer dividir votos com Marina Silva, única candidata capaz de batê-lo no segundo turno das eleições. Para isso, o deputado ensaia uma guinada de 360 graus em seus posicionamentos. O foco será menos no “eu prendo e arrebento” e mais na nova economia.
Ele se apressa em dizer que não se trata de um adeus às armas, mas ressalta que nunca esteve de verdade distante da agenda ambiental. “Conservadorismo e conservação têm a mesma etimologia”, ensina, pronunciando com cuidado a palavra recém-aprendida e parafraseando Thomas Lovejoy, de quem se diz um fiel soldado. “Se você reparar bem, verde-oliva também é verde.”
Diz que está mais à direita do que nunca na economia, e começará privatizando o agronegócio – que, segundo ele, vive num regime de produção “stalinista”, numa dependência excessiva de crédito do Estado. “No meu governo o agronegócio vai ter de competir.”
A nova estratégia, adiantada com exclusividade ao OC, foi definida em reunião com a nova equipe de marketing da campanha. Bolsonaro demitiu seu marqueteiro e contratou a Agência Panda, especializada em comunicação de causas. Será iniciada uma operação de guerra para “ressignificar” declarações polêmicas do candidato. Um exemplo são suas falas sobre indígenas e ambientalistas, que segundo ele vêm sendo mal interpretadas. “Não tenho nada contra o Greenpeace”, disparou. Também se disse admirador de índios, em especial dos antigos tupinambás. “Como eu, eles gostavam de comer gente, OK? Tá satisfeita agora?.”
O deputado recebeu a reportagem em uma de suas casas em Resende, no Rio. Numa das paredes, um pôster envidraçado de Chico Mendes, com os dizeres “O guerreiro da Amazônia”. A palavra “guerreiro” foi destacada em pincel atômico azul (porque vermelho é cor de comunista) pelo próprio Bolsonaro.
Leia a entrevista.
*
O sr. disse em dezembro do ano passado que não tinha certeza sobre se o Brasil tinha soberania sobre a Amazônia. Pode explicar?
O Brasil internacionaliza a Amazônia de várias formas. A pior delas é transformá-la em fumaça, que vai poluir o mundo inteiro. Se essa fumaça ficasse aqui, era problema nosso, ninguém tinha nada a ver com isso. Mas o mundo é redondo, né? A fumaça da nossa Amazônia vai parar em outros países. Isso viola a nossa soberania. Então o melhor a fazer é não deixar virar fumaça. A outra forma é permitir que multinacionais do agronegócio dominem vastas extensões de terra na Amazônia para plantar monocultura. Essa soja toda vai virar ração de bicho na Europa. Qual é o interesse nacional nisso? Que soberania é essa?
Há um projeto em tramitação no Congresso para autorizar a venda de terras para estrangeiros.
Isso é traição à Pátria. E os meus colegas de Congresso que estão propondo isso são traidores da Pátria. Se eu chegar lá [à Presidência] não vai ter um palmo de território brasileiro vendido pra gringo.
Mas eles argumentam que a autorização trará investimentos e empregos de que o país precisa. O sr. não se preocupa com isso?
Papo furado! O que traz investimento e emprego é uma política industrial de verdade, não é ficar dando terra pra nego fazer monocultura. Podia ser assim em 1500, mas o mundo mudou. Essa história de exportar só carne e soja é coisa de comunista.
Comunista?
Claro! Quem era a melhor amiga da comunistona da Dilma? A Kátia Abreu! E o que era o governo do PT? Era aquela ideologia comunista da monocultura produzindo superávit pra sustentar aquela massa de vagabundos pendurados no Estado com cargo comissionado. Que era a mesma coisa que o Stálin fazia, botava o país inteiro pra produzir trigo e aço pra engordar o cofre do partido e sustentar vagabundo. No Brasil é a mesma coisa, só que é soja em vez de trigo. E o Estado dirigindo tudo e subsidiando a monocultura com quase 200 bilhões por ano de Plano Safra. E virando sócio de JBS com dinheiro do BNDES. Vê lá se o Estado tem que ser sócio de frigorífico! No meu governo o agronegócio vai ter de competir, sem mamata de crédito subsidiado. Vou privatizar o agronegócio.
Mas como isso casa com a sua proposta de extinguir o Ministério do Meio Ambiente e fundi-lo com o da Agricultura?
E quem disse que eu quero extinguir o Meio Ambiente? Eu quero é priorizar o Ministério do Meio Ambiente! A Agricultura será subordinada ao Meio Ambiente, como acontece nos países europeus. O orçamento maior será do Meio Ambiente. Agricultura não precisa de um ministério só pra ela, precisa é de um choque de capitalismo e de regulação. Fundindo os dois eu dou visibilidade na Esplanada para o Meio Ambiente e garanto que o ministro da Agricultura não vai ficar travando as ações ambientais, como acontece hoje.
Quem será o ministro dessa superpasta?
Marina Silva. Ou quem ela indicar, se ela não quiser. Entendo que depois de perder no segundo turno ela pode não querer. Pode ser a Izabella [Teixeira] também, ela tem um bom trânsito entre os produtores. Ou até alguém de ONG. Aquele senhor de olho claro do Greenpeace. Quero o Greenpeace no meu governo, ajudando de alguma forma.
Greenpeace? Mas o sr. sempre falou cobras e lagartos das ONGs, prometeu inclusive que ia cortar todo o dinheiro público para elas.
Aquilo já faz um ano. Foi um arroubo de minha parte. Uma disputa dessas amadurece as pessoas. Na verdade, eu não tenho nada contra o Greenpeace, nem contra nenhuma ONG. Tirando as que me processaram, logicamente. A sociedade civil tem o papel dela, que a gente precisa respeitar. Numa democracia é assim que funciona.
Eu gostaria de voltar à questão fundiária. Um dos grandes problemas da Amazônia é a grilagem de terras públicas. Como o sr. pretende atacar o problema?
Na porrada. Quero deixar claro aqui: grileiro bom é grileiro morto. É tudo bandido. Pra mim não tem diferença se é urbano ou rural. Se está traficando droga, roubando carro ou roubando terra. Vagabundo é tudo vagabundo. Não dá pra passar a mão na cabeça. Porque grilagem de terra é que nem fumar maconha. O cara começa com um baseadinho aqui, depois já tá no crack, depois tá matando pai de família. O grileiro é igual: começa tirando uma madeira aqui, depois rouba uma terrinha ali, daí a pouco tá eleito deputado.
E a cana na Amazônia?
É o estupro da floresta. A floresta não merece ser estuprada. Já falei pro Flexa [Ribeiro] que vou isentar o PIS-Cofins da cachaça pra ver se ele tira essa ideia da cabeça.
Deputado, sobre política econômica, o sr. sabidamente professa um credo liberal e privatizante. Quais serão os pilares da economia caso o sr. seja eleito?
Um deles é o agronegócio. Não tem como o Brasil não ser uma potência agrícola. Só que um agronegócio baseado em competitividade e alta tecnologia, não essa porcaria comunista subsidiada que nós temos hoje, onde o fazendeiro fica com o lucro e socializa os impactos. O outro é energia limpa. O Brasil tem sol e vento de sobra para gerar empregos instalando o maior parque solar do planeta e o maior parque eólico do planeta. Precisa de investimento, e é por isso que eu vou revogar a lei do Repetro e acabar com os subsídios trilionários da Dilma e do Temer para as petroleiras estrangeiras. Esse dinheiro vai financiar a transição para as renováveis.
Mas e a Petrobras?
Vai passar a se chamar Renobras e investir em pesquisa de energia limpa e em etanol. Porque nós vamos micar com esse petróleo todo. Isso aí já era. Infelizmente quem explorou, explorou. Essa coisa de passaporte para o futuro e de empresa estatal gigante dominando o setor de petróleo é coisa de comunista. Veja a Rússia e a Venezuela.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pensa diferente. Ele está apostando num futuro longo para as energias fósseis, até disse que iria sair do Acordo de Paris.
Aquilo é um idiota comunista.
Comunista, deputado?
Comunista, claro. Quem foi que elegeu o Trump? Não foram os russos? Quem manda na Rússia? O Pútin, que era espião da KGB. Então esse governo Trump é tudo combinado com a Rússia para destruir os Estados Unidos, que são a pátria do livre mercado, e deixar a China comunista e a Rússia dominarem o mundo. Na China o cara já ganhou o poder para sempre. Na Rússia o Pútin acabou de se reeleger para mais quatro anos. Vai pra 22 anos! Morro de inveja. Nem o Alckmin está há tanto tempo no poder! O próximo passo é recriar a União Soviética, mas para isso eles precisam antes destruir os Estados Unidos. E o Trump é o agente deles. Essa coisa de petróleo e carvão vai ser o fim da economia americana.
O sr. vem dando declarações polêmicas sobre terras indígenas. Como será a sua política indigenista se o sr. for eleito?
Olha, tudo o que eu digo vem sendo distorcido, porque a mídia não quer que eu chegue à Presidência. Querem me destruir. Vocês todos. Mas não vão. Eu nunca disse nada contra índio. Tem índio vagabundo, ladrão, safado? Tem. Mas tem muito branco vagabundo, ladrão, safado, também. Muito mais do que índio, inclusive. Então não é por aí. Inclusive há tribos indígenas que eu admiro muito.
Ah, é?
É. Veja aquele povo lá do Pará, os munduruku. Eles são de briga. Quando o bicho pegou lá, vê se eles ficaram de coitadinhos esperando o Estado? Não! Eles se armaram, montaram a milícia deles e foram lá brigar pela terra. Prender madeireiro vagabundo, prender garimpeiro vagabundo. É o que eu sempre defendi, o cidadão se armar e lutar pelos seus direitos. Munduruku é faca na caveira! Tenho a maior admiração por eles. A outra tribo que [sic] eu sou fã são os antigos tupinambás.
Tupinambás? Por que razão?
Porque eles eram que nem eu: gostavam de comer gente, OK? Tá satisfeita agora?
Mas o sr. disse há poucos dias num vídeo dirigido à população de Roraima que iria rever a demarcação de Raposa Serra do Sol se fosse eleito.
Aquilo foi uma fala para a miltância, para agradar a Shéridan, OK? Todo mundo sabe que presidente não pode anular demarcação numa canetada, que isso só se faz por projeto de lei.
O sr. está dizendo que mentiu?
Mentira é relativo. O eleitor gosta de ouvir aquilo [em] que ele acredita.
Há algo mais que o sr. gostaria de acrescentar?
Sim: esta entrevista nunca existiu, hoje é primeiro de abril e sua calça caiu!