Polo industrial de Urucu, no Amazonas (Foto: Petrobras)

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Brasil dobra aposta em fósseis e põe plano de transição no gerúndio

Ministério de Minas e Energia diz que está produzindo documentos preparatórios para a política, mas não pode divulgar data de conclusão 

25.06.2024 - Atualizado 08.08.2024 às 10:49 |

DO OC – O Brasil ainda não tem data para lançar e implementar um plano nacional de transição energética. Desde o fim de abril, o Observatório do Clima tenta obter detalhes sobre o planejamento que deveria fazer com que o país emita menos gases que intensificam o aquecimento global, mas o governo tergiversa. Por outro lado, os combustíveis fósseis continuam sendo beneficiados mesmo diante de tragédias climáticas cada vez mais graves. Os privilégios vão desde verba robusta no PAC a incentivos para o gás na Amazônia. Segundo especialistas, a única maneira de limitar o aquecimento da Terra em níveis manejáveis é parar a expansão da produção de combustíveis fósseis.

Os benefícios ao petróleo, ao gás e ao carvão ilustram a contradição do governo federal que colocou a transição energética como prioridade desde o início da gestão, em janeiro de 2023.

Apesar de ter alcançado 49,1% da matriz energética e 89,2% da produção de eletricidade por fontes renováveis em 2023, o Brasil é o 9° maior produtor de petróleo do mundo e o 7° com maior demanda, mostram dados publicados pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) neste mês. Em 2030, a demanda pode ser 4,3% maior em comparação a 2023. As emissões do setor de energia representavam 17,8% do total brasileiro em 2022. Os combustíveis fósseis são os principais causadores das mudanças climáticas.

Nesse contexto, o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinou R$ 385,6 bilhões para projetos de petróleo e gás, o que equivale a 64,6% do montante disponível para o eixo de transição e segurança energética. A geração de eletricidade, que inclui eólica e solar, ficou com R$ 75,6 bilhões. Os combustíveis de baixo carbono ficaram com R$ 28,3 bilhões. R$ 307 milhões estão destinados para a pesquisa de minerais estratégicos para transição. A soma dos três subeixos correspondem a 17,4% do total.

No fim de novembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) classificou como prioritário e concedeu incentivos fiscais ao Projeto de Desenvolvimento do Complexo Azulão. O projeto de exploração de gás fóssil no Amazonas é administrado pela Eneva, empresa que no ano passado teve a licença de operação suspensa pela Justiça Federal por alguns dias por não ter consultado as comunidades indígenas da região.

Em dezembro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) promoveu um megaleilão para o 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). Do total de 603 blocos localizados do norte ao sul do país, 193 foram arrematados. No dia 14 de junho, a Justiça Federal no Amazonas suspendeu o contrato de cinco desses blocos por falta de consulta às populações indígenas que podem ser impactadas pela exploração. As áreas bloqueadas foram arrematadas pela Atem Distribuidora e Eneva na Amazônia.

Alexandre Silveira, ministro de minas e energia, exaltou o gás como energia limpa e sustentável ao inaugurar um terminal no Pará. O ministro diz que o gás tem um papel relevante na transição energética, apesar de especialistas afirmarem que a manutenção desse combustível fóssil na matriz energética atrasa a transição.

Em uma apresentação de abril sobre o Plano Nacional de Transição Energética (Plante), o MME afirma que “o reconhecimento do papel do petróleo na transição energética não reduz em nada nosso compromisso em criar as infraestruturas e soluções de baixo carbono”. Especialistas contestam a posição do governo e explicam que o planejamento não deve incluir a abertura de novas fronteiras para extração de combustíveis fósseis nem para exportação. Inclusive, a IEA aponta que o uso de petróleo para transporte pode entrar em declínio já em 2026. A demanda para a produção de plásticos e outros produtos químicos continuará impulsionando o consumo global, mas um pico é previsto após 2028.

“Transição é uma coisa que eu faço um plano para começar, executar e terminar. Claro que o mundo muda e a gente tem que discutir essas coisas a cada passo, mas de início tem que dar intenção. Olha, até 2050, até 2030, quero reduzir a dependência de petróleo da matriz energética em tantos por cento”, exemplifica Shigueo Watanabe Jr., especialista sênior em energia do Instituto Climainfo. “Se estou querendo fazer uma transição energética, a melhor maneira de não ficar dependente de petróleo é começar a mudar a matriz”, complementa.

Enrolação

Em resposta ao primeiro pedido do Observatório do Clima via Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre detalhes do plano, o MME respondeu que ainda estava desenvolvendo um marco legal para a implantação da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), que terá dois instrumentos: o Plano Nacional de Transição Energética (Plante) e o Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte). “Diante do exposto, é necessário que aguarde a conclusão da elaboração dos documentos preparatórios e a edição da decisão do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], a ser publicada pelo MME, para atendimento da solicitação”, diz trecho da resposta.

A LAI não proíbe a entrega dos documentos preparatórios – informação formal utilizada como fundamento para tomada de decisão ou de ato administrativo, como pareceres e notas técnicas –, mas garante o acesso após a edição do processo. A negativa pode ser justificada por algum tipo de risco. O MME, no entanto, não explicou por qual motivo não pode permitir o acesso aos documentos.

Em uma nova requisição, a pasta respondeu que ainda não é possível estabelecer uma data “precisa” para a finalização do material que deverá ser a base da PNTE, mas que há “esforços depreendidos pela equipe técnica para a conclusão ainda em 2024”. Na ocasião, compartilhou o número do processo solicitado. O Observatório do Clima pediu acesso à cópia integral do processo, mas o MME também negou.

O Observatório do Clima entrou em contato com a assessoria de imprensa do MME e perguntou novamente sobre o prazo para o fim da fase de produção dos documentos preparatórios. Continua sem data. “O ministério informa que os prazos e os cronogramas da Política Nacional de Transição Energética (PNTE) vão ser divulgados quando da aprovação e publicação da resolução pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)”, diz por e-mail. O MME argumentou que tem desenvolvido alguns projetos, como o Programa Nacional do Hidrogênio.

“Entre as grandes economias, o Brasil é o que tem a matriz energética mais renovável. Isso não quer dizer que o nosso futuro na transição energética está garantido. Não ter uma política energética em prol da transição praticamente impede que a gente vá além”, diz Ricardo Fujii, especialista de conservação do WWF-Brasil.

Para Fujii, a demora na divulgação e no debate de uma política nacional para a transição energética adia processos decisórios. “A consequência disso é tirar a possibilidade do Brasil liderar o processo de transição energética, inclusive influenciando outros países”, comenta.

Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara, comenta que um plano é importante, inclusive, para que a Petrobras – empresa de capital aberto, mas sob controle da União – avalie como continuará sendo lucrativa. “Para isso precisa ter um plano. Porque ele poderia transferir os investimentos dela para outras fontes renováveis. Para isso precisa de pesquisa, precisa de uma série de coisas, mas eu tenho que ter um plano”, diz.

Na conta do papa

A narrativa contraditória do governo de Luiz Inácio Lula da Silva é alimentada por notas que passam a mensagem de que a transição energética é uma prioridade. O Observatório do Clima averiguou notícias publicadas no site do MME nos primeiros seis meses de gestão e de janeiro de 2024 até hoje. Mais de 100 publicações falam em transição energética e Alexandre Silveira permanece exaltando o potencial brasileiro. Nem o papa Francisco escapou da propaganda do ministro.

“Compartilho da mesma preocupação que Vossa Santidade tem sobre o estado em que o planeta se encontra atualmente em relação ao aquecimento global, com claros sinais de que se nada for feito em tempo hábil, chegaremos ao ponto de não retorno, com graves consequências sociais, econômicas e ambientais. Por isso, a transição energética deve ser justa, inclusiva e obrigatória. (…) O Brasil é um país abençoado por Deus, e temos muitas dádivas naturais que nos colocam em posição de destaque nessa agenda da transição energética”, diz trecho de uma carta entregue ao papa em maio por Silveira.

Segundo Schwyter, o discurso recorrente de Silveira é incongruente. “Ele fala da importância da transição energética, de como é importante ter um processo de transição para a descarbonização. Agora, como é que você combina isso com o fato de que ao mesmo tempo as ações dele estão no sentido contrário? Porque incentivar a produção de petróleo e gás significa que não está fazendo transição energética”, comenta. Durante a cerimônia de posse de Magda Chambriard à presidência da Petrobras nesta quarta-feira (19), Silveira voltou a citar a transição energética e a defender a reposição das reservas de petróleo e gás no país.

David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, explica que executar um plano de transição energética ambicioso e imediatamente permite que as fontes de petróleo já comprovadas no país durem mais tempo. “Qualquer transformação que a gente quiser só vai começar a acontecer se tiver uma orientação política forte”, completa.

Os especialistas também rebatem o argumento de que é preciso mais petróleo para financiar a transição. “A receita gerada pela riqueza do petróleo para investir em renováveis já está disponível. As empresas de petróleo e gás já dão lucro, mas elas continuam investindo esse lucro em campos de petróleo”, comenta Fujii. Ele também explica que o setor petrolífero é bastante subsidiado, portanto, acabar com os subsídios faz com que o governo economize recursos e os destine para outras áreas.

Um estudo do Inesc mostra que os subsídios federais disponibilizados pelo Brasil em 2022 aos combustíveis fósseis foram de R$ 80,9 bilhões, um aumento de 20% em relação a 2021. A energia renovável recebeu R$ 15,5 bilhões em 2022.

“Não faz sentido em um contexto de emergência climática a gente ter uma política energética que não estimule o fim da exploração de petróleo. Ninguém disse que vai deixar de consumir petróleo em poucos anos, mas esse é um passo que precisa ser iniciado hoje”, diz Fujii. (PRISCILA PACHECO)

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