Carta à Ministra Izabella Teixeira
Carta entregue à ministra do Meio Ambiente durante a COP-20
Lima, 11 de dezembro de 2014.
À Exma. Sra. Ministra de Meio Ambiente e Chefe da Delegação Brasileira na COP20
Sra. Izabella Mônica Vieira Teixeira
Exma. Sra. Ministra.
O 5o Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) traz mensagens muito claras: os efeitos das mudanças climáticas já são severos, têm abrangência global e serão muito mais graves se não tomarmos medidas efetivas para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Ainda é possível evitarmos os piores cenários de aquecimento global. Mas isso exige medidas e compromissos profundos de todas as nações.
Na COP16, em Cancún, México (2010), o Brasil assumiu, em conjunto com todos os países membros da UNFCCC, o compromisso de limitar o aquecimento global a 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Hoje nos encontramos em uma trajetória de emissões globais crescentes, que, se mantida, poderia resultar em aquecimento global de até mais de 5°C, ainda neste século. Isto nos levaria a perdas maciças de vidas humanas devido aos extremos do clima, e ao colapso de economias e ecossistemas.
Mudanças climáticas sempre foram, como a Sra. tem enfaticamente citado em diferentes ocasiões, um assunto de desenvolvimento. E são hoje o maior desafio ao desenvolvimento neste século. Os esforços do Brasil para a redução de suas emissões de gases de efeito estufa tem sido importantes, superiores à redução de emissões de muitos outros países. No entanto, a emergência climática exige ações e compromissos maiores de todos, incluindo de nosso país.
No ano passado, mesmo com baixo crescimento econômico, aumentamos nossas emissões anuais 7,8% em relação a 2012, como demonstram as estimativas de emissões do Observatório do Clima, o que deve nos servir de alerta. Nossa responsabilidade para o enfrentamento global do desafio das mudanças climáticas é ainda muito grande. E somos muito vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Mas já demonstramos ter capacidade para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Agora é necessário aprofundar os esforços atuais, o que será, além de importantíssimo para o clima, benéfico para a nossa própria economia e para a geração de empregos, pois iremos transformar as nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Isto demanda assumir compromissos compatíveis com nossa responsabilidade, capacidade e a emergência climática junto à comunidade internacional. Continuar a cobrar dos demais países que façam o mesmo. E promover avanços internos, em nossas políticas, medidas, ações e investimentos
Temos que enfrentar alguns desafios internos para que o Brasil que aumente sua capacidade de adaptação e resiliência às mudanças climáticas, e para que assuma compromissos robustos junto à comunidade internacional no âmbito do novo acordo sob a UNFCCC, fazendo a sua parte para que se evite o caos climático no decorrer deste século. Assumir tais compromissos será benéfico para nossa sociedade e para a competitividade de nossa economia e expansão de geração de empregos em áreas estratégicas. Precisamos, junto com uma meta robusta de redução de emissões para o pós-2020, tornar o enfrentamento das mudanças climáticas assunto de primeira importância na nossa agenda de desenvolvimento, e nos grandes planos e investimentos decorrentes desta agenda.
Para as organizações do Observatório do Clima e demais organizações que assinam esta carta, o Brasil deve se comprometer à plena implementação do que define o artigo XI da Lei12187/2009, que estabeleceu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que afirma:
“Os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos das políticas públicas e programas governamentais deverão compatibilizar-se com os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos desta Política Nacional sobre Mudança do Clima.”
Esta necessária e crítica harmonização entre os princípios, diretrizes e instrumentos das demais políticas e programas de governo com aqueles da Política Nacional sobre Mudança do Clima é absolutamente necessária para que o Brasil passe a tratar o desafio das mudanças do clima como estratégico e prioritário ao seu desenvolvimento. Mesmo com avanços importantes, estamos muito distantes desta condição, hoje, nosso conjunto de políticas sobre mudança do clima ainda é limitado frente aos maciços investimentos que serão feitos no país ao longo desta e das próximas décadas.
Além desta harmonização, consideramos que o país precisa promover avanços expressivos nas agendas de adaptação, mitigação e financiamento para estas duas agendas. Abaixo seguem algumas recomendações iniciais:
I. Adaptação
a. Definição de um ambicioso Plano Nacional de Adaptação, construído de forma a assegurar a plena participação dos diferentes setores da sociedade civil brasileira, e de atores das diferentes regiões, para a redução das nossas vulnerabilidades regionais e setoriais, para o aumento de nossa resiliência, com base no mais recente conhecimento produzido pela ciência brasileira e pelo IPCC.
b. Inclusão como parte daquele Plano de abordagens de adaptação baseada em ecossistemas, que incluam a conservação e recuperação de áreas degradadas para aumentar nossa resiliência no campo e na cidade, a para garantir nossa segurança hídrica e alimentar.
c. Incorporação dos cenários climáticos futuros no planejamento de todos grandes programas e planos de desenvolvimento do país.
d. Fortalecimento da Defesa Civil e do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais, com destinação de recursos em escala apropriada e não contingenciáveis para estas instituições.
II. Mitigação
a. Garantia de que processo de definição da Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC) do Brasil para o novo acordo no âmbito da UNFCCC represente a visão da sociedade brasileira para que o país cumpra com seu compromisso de contribuir, de forma proporcional à sua responsabilidade e capacidade, e com base no princípio da equidade, para limitar o aquecimento global a 2 °C.
b. Definição de compromisso de redução suas emissões que signifiquem emissões brutas significativamente inferiores a 1GtCO2e em 2030 como parte de nossa INDC, e apresentação deste compromisso pretendido com a antecedência necessária para que se permita somá-lo aos dos demais países e compará-los às recomendações da ciência (IPCC), antecipando-se ao máximo ao pretendido anúncio em junho do próximo ano.
c. Detalhamento da INDC com ações setoriais apropriadas.
d. Definição de uma meta e trajetórias de redução de emissões de longo prazo, até 2050, que nos levem a emissões per capita no Brasil entre 1 e 2 GtCO2e, sujeitas a revisão com base no avanço do conhecimento científico.
e. Estabelecer e aprofundar as ações necessárias ao cumprimento das metas brasileiras de redução de emissões, definidas na Lei 12.187/2009 e detalhadas pelo Decreto 7390/2010, e nas Ações Mitigação Nacionais Apropriadas (NAMAs) brasileiras, registradas junto à UNFCCC.
f. Assegurar o cumprimento de todos os compromissos assumidos no âmbito da Política Nacional sobre Mudança do Clima, das ações previstas nos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação às mudanças climáticas, das ações previstas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima e em seus objetivos com prazos definidos, abaixo:
Prazo | Objetivo |
2015 | Eliminação da perda líquida da área de cobertura florestal no país até 2015, incluindo, além da conservação das florestas, a expansão da área de florestas plantadas, incluindo dois milhões de hectares com espécies nativas da flora brasileira |
2015 | Aumento da reciclagem de resíduos sólidos urbanos em 20% (em relação aos índices de 2008) |
2015 | Estímulo à utilização de sistemas de aquecimento solar de água, reduzindo o consumo de energia em 2.200 GWh/ano |
2018 | Redução das perdas não técnicas na distribuição de energia elétrica à taxa de 1000 GWh por ano, com redução anual e progressiva das perdas em 400 GWh/ano |
2018 | Aumento médio anual de 11% ao ano do consumo interno de etanol |
2018 | Troca de 1 milhão de geladeiras antigas por ano e coleta dos gases que agridem a camada de ozônio |
2030 | Aumento da oferta de energia elétrica de cogeração, principalmente a bagaço de cana-de-açúcar, para 11,4% da oferta total de eletricidade no País |
2030 | Economia de energia até alcançar 106 TWh |
Além destas ações, as organizações abaixo assinadas consideram absolutamente crítico aprofundar-se ações sobre os temas abaixo:
Floresta e agropecuária
• Redobrar os esforços definidos pelas estratégias integradas de Prevenção e Controle do Desmatamento em todos os Biomas Brasileiros, especialmente na Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Amazônia, intensificando as ações dos planos já existentes e reforçando iniciativas chave de enfrentamento de vetores do desmatamento, em linha com os objetivos da Política e do Plano Nacional sobre Mudança do Clima.
• Fortalecer institucional e financeiramente o Sistema Nacional de Unidades de Conservação; concluir o processo de regularização fundiária das unidades de conservação; estabelecer unidades de conservação em áreas prioritárias para assegurar a conservação da biodiversidade e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil; eliminar a prática de supressão e desafetação de Unidades de Conservação via Medida Provisória.
• Implementar o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), garantir a transparência irrestrita do Sistema; e regulamentar e implementar o Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente.
• Fortalecer a Política Nacional de Recursos Hídricos; investir massivamente na recuperação de matas ciliares para proteção dos recursos hídricos; e valorizar os Comitês de Bacias Hidrográficas.
• Fortalecer e implementar efetivamente abordagens por incentivos econômicos para a conservação e restauração florestal, de modo a corrigir desequilíbrios entre incentivos e desincentivos à redução de emissões. Exemplos disso são: (i) a Cota de Reserva Ambiental (CRA), (ii) o projeto de Lei de Pagamentos por Serviços Ambientai e (iii) diversas propostas existentes de reforma tributária verde.
• Estabelecer uma meta ambiciosa para a implantação de incentivos à conservação de serviços ambientais, notadamente quando associados a iniciativas de restauração e conservação florestal, proteção de mananciais e cursos de águas.
• Criar mais condições propícias para o setor privado estabelecer arranjos institucionais que visem à conservação, à restauração, à regularização ambiental e, consequentemente, à redução de emissões em suas cadeias produtivas.
• Retomar os processos de demarcação e homologação de Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, assegurando que nenhum dos direitos constitucionais e legais de povos indígenas e descendentes de comunidades quilombolas sejam reduzidos, limitados ou retirados da Constituição Federal.
• Definir uma estratégia nacional de REDD+ que incorpore as recomendações da sociedade civil brasileira, expressas ao longo de mais de 5 anos de processos de consulta e diálogo intermitente.
• Expandir progressivamente os critérios para investimentos e incentivos a atividades de baixo carbono do Plano ABC a todas as demais políticas agrícolas e para a pecuária no país, entre estas os Planos Agrícola e Pecuário Anuais, Plano Safra da Agricultura Familiar e Plano Mais Pecuária.
Energia
• Estabelecer políticas, metas e mecanismos de implantação de ações de eficiência energética de larga escala.
• Reverter a atual tendência atual de redução da participação de fontes renováveis de energia em nossa matriz, definindo como objetivo do Plano Nacional de Energia 2050 o caminho para 100% de energias renováveis em nossa matriz.
• Incorporar ao planejamento energético os objetivos de minimização dos custos socioambientais e de emissões ao presente e exclusivo objetivo de expansão de geração de energia ao menor custo.
• Revisar os planos plurianuais de energia de modo a maximizar a participação das fontes de energia eólica, solar e biomassa sustentável nos investimentos para expansão da oferta de energia elétrica; e incentivar a geração distribuída.
• Produzir análise de risco de investimento e de emissões associadas aos altos investimentos previstos para a exploração e produção de combustíveis fósseis no país, que hoje são da ordem de 70% de todos os investimentos previstos no âmbito do Plano Decenal de Expansão de Energia 2023.
• Estabelecer um plano de compensação das emissões associadas à produção, refino e petróleo e gás do pré-sal, e potenciais derivados de petróleo.
Outros temas
• Implantar na sua plenitude a Política Nacional de Resíduos Sólidos, principalmente em suas componentes de redução da produção, reciclagem e logística reversa.
• Expandir e implementar o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, incorporando aos mesmos os riscos e vulnerabilidades decorrentes das mudanças climáticas.
• Estabelecer e fortalecer ações para redução e controle de emissões de resíduos e esgotos urbanos e efluentes industriais e implementar um Plano Nacional de Saneamento Básico.
• Assegurar dotação orçamentária, recursos e financiamento para a plena implementação das Políticas e Planos acima citadas.
• Estabelecer mecanismo de “precificação do carbono” no país, para induzir a transição de nossa economia para uma trajetória de reduções progressivas de emissões de gases de efeito estufa.
• Fortalecer o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, assegurando destinação de recursos em escala progressiva, e maior destinação a ações com financiamento não reembolsável.
Sra. Ministra, além de sua importante consideração a esta, solicitamos que encaminhe esta carta à Sra. Presidente Dilma Vana Rousseff, como demanda e contribuição das organizações que assinam esta carta à construção de um caminho para o Brasil de segurança climática e de posicionamento do Brasil à altura de sua responsabilidade e capacidade. As organizações abaixo assinadas esperam, com esta, estabelecer um caminho para um novo momento de diálogo com o Governo Federal sobre a agenda de desenvolvimento e mudanças climáticas, e colocam-se à disposição para tratar destes temas, apresentando as contribuições de seu importante e reconhecido trabalho e atuação sobre o tema.
Renovamos, através desta, nossos maiores votos de elevada estima e consideração.
Cordialmente,
Assinam esta carta,
Observatório do Clima
Fundação Amazonas Sustentável (FAS)
Instituto Vitae Civilis