Chuva extrema já matou 22 no país
Santa Catarina teve sete mortes; em seguida vêm Rio de Janeiro (4), São Paulo (3), Paraná (2), Sergipe (2), Minas Gerais (2), Bahia (1) e Espírito Santo (1)
Novembro começou com cara de inverno, marcado por uma onda de frio atípica. Depois da neve na serra de Santa Catarina e de recordes de baixas temperaturas em cinco capitais, o mês terminou com chuvas volumosas, persistentes e acima da média. Até a primeira semana de dezembro, oito Estados haviam sido afetados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Sergipe, Santa Catarina e São Paulo.
Levantamento junto às Defesas Civis estaduais realizado até esta quarta-feira (7) contabilizava 22 mortes, 22,8 mil desalojados e 3.171 desabrigados em decorrência das chuvas no país. Desalojados são pessoas que precisaram abandonar suas casas por conta das chuvas, mas que não necessariamente necessitam de abrigo público. Já os desabrigados são aqueles que dependem de abrigo.
No litoral e na região metropolitana de Curitiba (PR), as chuvas superaram em quase 900 mm a média da série histórica para novembro. Segundo levantamento do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), a precipitação nessas áreas (de 1.907,6 mm) quase dobrou em relação à média da série histórica para o mês (1.014,8 mm). Em Salvador (BA), os níveis estão 209% acima da média da série histórica para o mês de novembro, de acordo com a Defesa Civil.
Dizer que em uma região choveu 100 mm significa que, em uma área de 1 metro quadrado, a lâmina de água formada pela chuva que caiu apresenta uma altura de 100 milímetros.
Impactos nos Estados
A Defesa Civil do Espírito Santo confirmou o rompimento parcial de uma barragem em Colatina, que não causou mortes. No último domingo (4), o órgão havia emitido alerta e orientado a população ribeirinha dos distritos de Alto Baunilha e Baunilha a procurar abrigos. De acordo com o último boletim da Defesa Civil, as chuvas já causaram uma morte no Estado, além de deixarem 3.508 desalojados e 1.026 desabrigados.
No começo da semana passada, os temporais provocaram um deslizamento na BR-376, no Paraná, que matou duas pessoas. Na segunda-feira (5), a Defesa Civil do Paraná informou que as buscas por desaparecidos tinham sido concluídas. Seis pessoas foram resgatadas no local.
O estrago também é grande em Santa Catarina, que enfrenta enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra desde o fim de novembro. Lá, a chuva voltou com força nos últimos dias. O Estado registra sete mortes até agora – uma pessoa está desaparecida.
Na Bahia, que confirmou a primeira morte causada pelo temporal, 51 cidades e mais de 78 mil pessoas foram impactadas, informa a Defesa Civil. O número de desabrigados chega a 546 e o de desalojados, a 13.800. Em Minas Gerais, que registrou duas mortes, há 80 cidades em emergência. O número de munícipios que decretaram anormalidade em função das tempestades no Estado praticamente dobrou nas últimas 24 horas. Houve vítimas fatais ainda no Rio de Janeiro (4) e em Sergipe (2).
Chuvas concentradas, intensas e persistentes são mais frequentes num planeta aquecido
Para Francisco de Assis Diniz, meteorologista e consultor climático que trabalhou no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) até 2019, a previsão é que as chuvas intensas continuem a ocorrer em dezembro nas regiões afetadas até agora. Para piorar, a fronteira oeste do Rio Grande do Sul começa, nesta semana, a enfrentar uma onda de calor que atinge também os vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai.
Os temporais são causados por um conjunto de fatores, diz o meteorologista. O primeiro deles é a convergência de umidade que costuma ocorrer nesta época do ano no centro-sul e sudeste do país e ficou – como no ano passado – muito concentrada em uma região mais limitada, entre os Estados de Minas Gerais, do Espírito Santo e o sul da Bahia, causando tempestades. Nessas regiões, atuou a chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul (ou da América do Sul), que faz com que áreas de instabilidade e umidade fiquem paradas por alguns dias sobre determinadas regiões e causem chuvas mais intensas e localizadas. “A isso se sobrepôs, ainda, uma contribuição do fenômeno La Niña, que cria corredores de umidade e faz com que o maior volume de chuvas ocorra na parte centro-norte do Brasil”, diz o especialista.
Já na região Sul, os temporais foram causados por ventos intensos que levaram umidade do oceano para o continente. “Por isso, as chuvas ocorreram principalmente no litoral. Essa umidade dos oceanos colaborou para as chuvas no litoral do Paraná, de Santa Catarina e em São Paulo.”
Mesmo que ainda não haja estudos de atribuição específicos que relacionem os últimos temporais no Brasil à mudança do clima, não há como entendê-los fora do cenário de um planeta mais quente: “A alta variabilidade pela qual o planeta passa gera maior intensidade de eventos climáticos e meteorológicos extremos. As ondas de frio e calor, as tempestades e chuvas concentradas, e os vendavais e alterações em períodos chuvosos e de seca que observamos ao redor do mundo são consequências do aquecimento global. Os eventos que ocorrem no Brasil confirmam o que os últimos relatórios do IPCC [ o painel do clima da ONU] já apontam. O Brasil não está fora desse cenário global”, avalia o meteorologista.
A segunda parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, lançada em fevereiro deste ano, tratou especificamente da ocorrência de eventos extremos, enfatizando que alagamentos, tempestades, secas, incêndios e outros fenômenos extremos se tornam mais drásticos e frequentes em um contexto de crise climática. O documento destaca que, de 2010 a 2020, a mortalidade causada por enchentes, secas e tempestades foi 15 vezes maior nas regiões mais vulneráveis aos efeitos da crise climática do que nas menos vulneráveis. (LEILA SALIM)
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