O pavilhão oficial do Brasil na COP22 (Foto: Claudio Angelo/OC)

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COP27 entra nos finalmentes com Lula e sem acordos

Primeira semana de negociações termina sem avanço real nas questões-chave de perdas e danos, financiamento e Programa de Trabalho sobre Mitigação

14.11.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC, EM SHARM EL-SHEIKH

A COP27, a conferência do clima de Sharm El-Sheikh, no Egito, receberá Luiz Inácio Lula da Silva na quarta-feira, dia 16. O presidente eleito do Brasil é a presença mais aguardada de uma reunião que falhou em encaminhar temas-chave de negociação na sua primeira semana.

Na sexta-feira passada, o chefe de Estado ilustre foi Joe Biden, que havia adiado sua ida ao Egito por conta da eleição legislativa – até o fechamento deste post, os democratas mantinham a maioria no Senado, mas o resultado na Câmara era incerto. Em uma fala de quase meia hora, no fim da tarde, o americano pediu desculpas por seu país ter saído do Acordo de Paris no governo de Donald Trump, garantiu que os EUA cumpririam sua NDC (a meta é reduzir emissões em 50% a 52% até 2030 em relação a 2005) e disse que estava multiplicando por quatro o financiamento climático: de US$ 3 bilhões para US$ 11 bilhões.

Os anúncios impressionaram pouco o público da COP: uma mixaria multiplicada por quatro segue sendo uma mixaria. Os países em desenvolvimento reclamam, com razão, de que os US$ 100 bilhões por ano prometidos para o período 2020-2025 nunca vieram. O financiamento quadruplicado dos EUA é 0,02% do que os países ricos precisariam entregar. No mesmo dia do discurso, os EUA receberam o antiprêmio Fóssil do Dia na COP, entregue pela coalizão de ONGs Climate Action Network, por promover um esquema de compensações de carbono com empresas como a Amazon “que faz absolutamente nada para reduzir emissões reais globalmente”.

Nesta segunda-feira, os EUA levaram outro Fóssil do Dia, por continuarem sendo a pedra no sapato daquilo que se esperava que pudesse ser um dos principais resultados da COP: o financiamento para perdas e danos.

Perdas e danos é o nome dado aos efeitos da mudança do clima aos quais já não cabe adaptação. Quando o Paquistão tem metade de seu território afetado por uma enchente que força 33 milhões de pessoas a sair de suas casas, é preciso conseguir dinheiro urgente para reconstruir cidades e salvar vidas, e não se afundar mais ainda em dívida ao contrair empréstimos externos. Países pobres querem criar dentro da ONU um mecanismo de financiamento expresso e específico para esse tipo de tragédia – uma alavanca que os países vulneráveis possam apertar para fazer o dinheiro cair. Só que países ricos acham que isso equivale a alguma reparação pelo dano que eles causaram com suas emissões no passado, e não querem pagar nada.

Em vez disso, os EUA vêm apoiando – e Biden mencionou isso em seu discurso – uma iniciativa do G7 conhecida como Global Shield, que parece uma compensação por perdas e danos, mas que na verdade envolve o pagamento de alguns milhões de dólares para alguns países e a contratação de seguros contra desastres. O Global Shield é criticado por ambientalistas como limitado em recursos e escopo e algo que tira a atenção do que realmente deveria estar acontecendo em Sharm El-Sheikh: um debate sério sobre a criação de um mecanismo financeiro para perdas e danos montado sob o guarda-chuva da UNFCCC, a Convenção do Clima da ONU. “Numa analogia com o capital financeiro, o Global Shield equivale a deixar o devedor ditar ao banco como vai pagar sua dívida e ainda terceirizar parte dela a uma companhia de seguros em caso de calote”, disse Stela Herschmann, especialista em Política Climática do OC.

“O Global Shield não é uma tática para evitar negociações de arranjos formais sobre perdas e danos nesta ou em outras COPs”, disse a ministra do Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, na entrevista de lançamento da iniciativa na manhã de segunda-feira.

O ponto até avançou com a inclusão formal do assunto na agenda da COP27, mas os países ricos, EUA à frente, têm se encarregado de evitar que ele chegue a algum lugar nesta COP. Em Glasgow, no ano passado, a ministra do Meio Ambiente das Maldivas fez um discurso forte alertando contra um “diálogo” de dois anos sobre financiamento para perdas e danos, única decisão sobre o tema a emergir daquela conferência, enquanto milhões de pessoas no Pacífico estavam com seus lares em risco.

Na COP27, a primeira semana terminou com a perspectiva de mais um diálogo de dois anos sobre o tema: o texto que será encaminhado para os ministros, ainda sem a finalização dos técnicos, fala em debater “procedimentos” até 2024 para só então avançar na substância do estabelecimento do mecanismo financeiro. O enviado dos EUA para clima, John Kerry, tratou de botar a pedra em cima do assunto: “Os EUA e outros países não vão estabelecer algum tipo de estrutura legal ligada, sabe, a compensação ou responsabilização. Não vai acontecer”, discursou.

Sem que a pressão dos países em desenvolvimento e da sociedade civil escale na segunda semana, vai ser esse o grande resultado de Sharm El-Sheikh para perdas e danos: mais dois anos de conversa.

Para garantir o próprio poder de barganha na negociação, os países em desenvolvimento estão impondo dificuldades nas decisões sobre mitigação, ou corte de emissões de gases de efeito estufa. Até sábado, quando a última rodada de conversas entre os técnicos na primeira semana se esticou até o fim da tarde, integrantes do G77, o grupo de 130 nações pobres e remediadas, ainda questionavam a validade do resultado da COP26 – o chamado Pacto Climático de Glasgow – como base para um debate sobre mitigação.

No centro da briga está o chamado Programa de Trabalho sobre Mitigação, o MWP. Trata-se de um mecanismo negociado em Glasgow para acelerar o corte de emissões no mundo inteiro, seja fazendo revisões anuais para ajuste de metas, seja orientando diálogos anuais entre ministros para esse fim. O G77 acusa os países ricos de quererem “mais mitigação para os outros”, nas palavras de um de seus negociadores, enquanto se recusam sistematicamente a botar na mesa o financiamento que prometeram.

Na semana passada, o Brasil se alinhou ao LMDC, o grupo linha-dura do G77 (composto por Arábia Saudita, Índia e outros) para criticar o MWP como sendo uma espécie de renegociação do Acordo de Paris, já que para mitigação o tratado já prevê instrumentos como as NDCs, as metas dos países, e o Balanço Global, o momento quinquenal de revisão coletiva da ambição. Até mesmo a produção de uma cover decision, uma decisão inicial da COP27 que dê a linha dos principais encaminhamentos da conferência e que resgate o pactuado em Glasgow, está cercada de incertezas e foi para decisão ministerial.

As falas dos ministros no chamado segmento de alto nível da COP começam dia 15, inclusive com a presença do ex-ministro no cargo do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite – que dificilmente dará entrevista coletiva, para não ter que explicar a jornalistas por que o governo Bolsonaro escondeu de novo os dados de desmatamento na Amazônia, prontos desde a sexta-feira retrasada.

No domingo, dia de descanso na COP, milhares de delegados lotaram dezenas de barcos de turismo em Sharm El-Sheikh para mergulhar no parque marinho de Ras Mohammed, uma joia do Mar Vermelho, considerado um dos melhores pontos de mergulho do planeta. Quem esteve lá deu de cara com um número assustador de corais branqueados, um dos efeitos mais dramáticos da mudança climática já em curso. Até em seu momento de relaxamento os negociadores são lembrados do seu fracasso coletivo até aqui em deter a emergência climática, e da urgência em agir.

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