Abertura da reunião dos Chefes de Estado e de Governo dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica, em Belém (PA). (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Cúpula da Amazônia começa em Belém sem acordo para desmatamento zero

Esboço da declaração conjunta dos presidentes não traz meta para desmate zero e se esquiva sobre fim da exploração de fósseis

08.08.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

DO OC – Presidentes e chefes de Estado dos países amazônicos já estão reunidos no Centro de Convenções de Belém para a Cúpula da Amazônia. Na manhã desta terça-feira (8/8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião apresentando a primeira parte da programação, que conta com a participação de seis porta-vozes da sociedade civil para entregar aos chefes de Estado os encaminhamentos das plenárias e debates dos Diálogos Amazônicos

Bolívia, Colômbia e Peru enviaram seus presidentes, respectivamente Luis Alberto Arce, Gustavo Petro e Dina Boluarte, à Cúpula. A Guiana está representada pelo primeiro-ministro Mark-Anthony Phillips e a Venezuela, pela vice-presidenta Delcy Rodríguez. Equador e Suriname enviaram seus ministros de Relações Exteriores, respectivamente Gustavo Miranda e Albert Randim. 

Enquanto começava o evento oficial, do lado de fora do Centro de Convenções a Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia encerrou os Diálogos Amazônicos. Nas ruas de Belém, ativistas ambientais, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e povos indígenas reafirmaram o recado aos chefes de Estado e exigiram o fim da exploração de petróleo na Amazônia, o compromisso com o desmatamento zero e o reconhecimento dos direitos das populações amazônidas. 

No entanto, tudo indica que a declaração conjunta dos presidentes frustrará as expectativas da sociedade (e as necessidades do planeta). A apresentação da Declaração de Belém pelos países signatários do Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA) está prevista para a tarde de hoje, mas uma versão preliminar do documento que circulou entre a imprensa dá pistas do que será anunciado. 

Nas 22 páginas do esboço, de 31 de julho, não há o estabelecimento de uma meta comum para o desmatamento zero no bioma até 2030. Contrariando as expectativas do Brasil, que pretendia avançar na meta comum, o texto cita somente a “urgência de acordar metas comuns para 2030 no combate ao desmatamento”, sem definir quais seriam essas metas e nem datas preliminares. 

O documento indica apenas que os países irão “estabelecer a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados-Parte para impulsionar a cooperação regional na luta contra o desmatamento, com a finalidade de evitar que a Amazônia chegue ao ponto de não-retorno, reconhecendo e fomentando o cumprimento das metas nacionais, incluídas aquelas de desmatamento zero”. 

Dos 108 parágrafos do documento, constam ainda resoluções sobre financiamento da bioeconomia amazônica (“mobilizar esforços para gerar um fundo destinado a financiar programas de promoção do manejo integral e sustentável e a agregação de valor aos produtos da floresta e da biodiversidade”) e a previsão de mecanismos conjuntos de comando e controle contra o crime ambiental (“desenvolver a cooperação regional e intersetorial entre os atores para fiscalização administrativa de contravenções, investigação e processos judiciais para os crimes ambientais”; “iniciar um processo de diálogo para a criação de um Sistema Integrado de Tráfico Aéreo entre os Estados-Parte”). 

Também não há decisões para outro ponto considerado urgente pela sociedade civil: o fim da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia. E, nesse caso, com a anuência do Brasil, que barrou uma proposta de moratória aos fósseis apresentada por Gustavo Petro, presidente da Colômbia. 

O documento preliminar se esquiva de qualquer compromisso, até mesmo com a discussão sobre o fim da exploração fóssil na região. Fala, apenas, em “exortar os atores do ciclo de vida dos minerais e hidrocarbonetos, tanto no setor público como no privado com atividades na região amazônica a alinhar suas práticas e investimentos à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável [da ONU]”. 

Ainda não se sabe se essa versão preliminar será a apresentada hoje, mas tudo indica que não haverá grandes mudanças. Os chefes de Estado já vinham discutindo o documento nas últimas semanas e buscaram chegar a um texto final antes mesmo de a Cúpula começar.

Contribuições da sociedade

As plenárias dos Diálogos Amazônicos formularam encaminhamentos para seis diferentes eixos, entregues aos chefes de Estado como demandas da sociedade para a declaração final da Cúpula. O primeiro eixo discutiu a participação e a proteção dos territórios e seus povos e apontou a urgência de demarcação das terras indígenas, além de propor o fortalecimento dos programas de proteção e defesa dos defensores de direitos humanos na região. O segundo eixo tratou da saúde, soberania e segurança alimentar na região amazônica. Foi proposta uma campanha contra a fome na região panamazônica, baseada no fortalecimento da participação social.

O terceiro eixo apresentou propostas para ciência, tecnologia, inovação, pesquisa e transição energética. A sociedade demandou que os países membros da OTCA mobilizem recursos voltados à produção de ciência a partir da Amazônia e em diálogo com o conhecimento dos povos amazônidas. Outra proposta foi a adoção de medidas de restauração florestal e metas para redução do desmatamento, além do compromisso de preservar ao menos 80% da floresta até 2025. Propôs-se ainda a eliminação da mineração ilegal e do uso do mercúrio até 2027, a eliminação da mineração em áreas protegidas e a proibição da mineração de ouro. Além disso, registrou-se os danos causados pela atividade petroleira e demandou-se a reparação integral das áreas afetas pela indústria, com criação de alternativas econômicas. 

Já o eixo que discutiu a mudança do clima propôs a declaração de emergência climática na Pan-Amazônia e a construção de um Plano Estratégico Regional de Ação Emergencial para a região. Outra proposta foi a construção, pela OTCA, de um plano de eliminação do desmatamento ilegal, degradação e contaminação até 2025, e de um plano similar para o desmatamento legal até 2027. Ainda para este quarto eixo, propôs-se a implementação de um plano de mitigação de mudanças climáticas  no âmbito da OTCA e a redução das emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030 e em 60% até 2035.

No quinto eixo, dedicado aos povos indígenas das Amazônias, aprovou-se a rejeição ao Marco Temporal, propondo aos países membros a consolidação de proteção jurídica contra iniciativas do mesmo tipo, que violem os direitos dos povos originários a seus territórios. Outra reivindicação foi a adoção de políticas públicas de proteção e desintrusão dos territórios indígenas, com retirada imediata dos invasores, e a elaboração de políticas efetivas de combate ao garimpo ilegal e à contaminação por mercúrio nos territórios indígenas. Além disso, propôs-se a criação da OTCA de Participação Social, mecanismo para garantir a presença dos povos indígenas e comunidades tradicionais nos processos decisórios da organização.

O sexto e último eixo tratou das Amazônias negras, racismo ambiental, povos e comunidades tradicionais. Os encaminhamentos da plenária apontaram a necessidade de os países membros da OTCA assumirem o enfrentamento ao racismo ambiental como tema central nos debates da Cúpula da Amazônia e da Cop 30. Propôs-se ainda a criação do Comitê de Monitoramento da Amazônia Negra e o fortalecimento das políticas voltadas às populações negras dos territórios amazônicos, com a ampliação dos organismos de promoção da igualdade racial nos municípios e estados da Pan-Amazônia. Uma das grandes preocupações levantadas foi o encarceramento em massa da juventude negra, além da necessidade de os países membros incentivarem ações antirracistas nas escolas e instituições de ensino superior. (LEILA SALIM)

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