Dados de emissões brasileiras estimados pelo OC revelam crescimento em todos os setores
De acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Brasil aumentou suas emissões em 7,8% no ano passado.
De acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Brasil aumentou suas emissões em 7,8% no ano passado. Sistema também apresentou dados históricos das emissões em cinco setores econômicos a partir de 1970 e estimativas para todos os estados
OC, 24/11/2014
Bruno Toledo
Os números são preocupantes: as emissões brasileiras de gases do efeito estufa (GEE) em 2013 aumentaram nos setores de agropecuária, energia, mudança de uso do solo, processos industriais e resíduos. É o que revela o Sistema de Estimativa de Emissões de GEE (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima para produção de estimativas anuais de emissões do país. Assim, pela primeira vez desde 2005, o total de emissões do Brasil em um ano fica acima do anterior. “Esse aumento representa uma reversão da tendência que vinha sendo registrada desde 2005, em que as emissões vinham caindo continuamente por causa das quedas seguidas na taxa anual de desmatamento”, explica Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG.
Os dados foram apresentados no dia 19 de novembro, em seminrio promovido pelo OC no auditório da unidade Berrini da FGV-SP. Além das informações referentes às emissões brasileiras em 2013, , o SEEG trouxe como novidade este ano a trajetória das emissões desde 1970 e as estimativas por estados. No seminário, pesquisadores das organizações membro do OC, que fizeram parte do esforço do SEEG, apresentaram alguns destaques e análises com relação a cada uma das áreas.
Números em 2013
No ano passado, o Brasil emitiu cerca de 1,5 milhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), o que representa um aumento de 7,8% em relação a 2012 e o maior valor registrado desde 2008. Esse crescimento foi puxado pelos cinco setores econômicos acompanhados pelo SEEG, com destaque para mudança de uso do solo (+16,4%) e energia (+7,3%). Nos dois casos, o aumento recente do desmatamento na Amazônia e no Cerrado e o incremento no uso de energia termoelétrica de fontes fósseis e do consumo de gasolina e diesel são os principais responsáveis pela reversão da tendência da última década.
O setor de mudança de uso do solo continua sendo o mais representativo no panorama das emissões totais do Brasil, com uma parcela de 35%. No entanto, o setor de energia teve um aumento expressivo, e alcança agora 30% das emissões totais, seguido pelo setor agropecuário (27%), o industrial (6%) e o setor de resíduos (3%).
Considerando-se as diferentes atividades econômicas, o setor agropecuário continua a ser a principal fonte de emissões, com 63,4% das emissões em 2013 – tendo em vista suas emissões diretas e a parcela do setor em desmatamento, energia e resíduos. Porém, sua representatividade diminuiu com relação a 2010 (68%). Nesse mesmo período (2010 a 2013), cresceram a participação do setor de transportes (11% para 13%) e produção de combustíveis e energia elétrica (4,5% para 6,1%).
As emissões per capita, que vinham caindo desde 2004, voltaram a crescer em 2013, alcançando 7,8 tCO2e por habitante. Este é o primeiro aumento de intensidade de emissões per capita em dez anos, quando atingiu o pico de 16,4 tCO2e/hab, puxado pelas altas taxas de desmatamento na Amazônia. Entretanto, quando observadas as emissões sem mudanças de uso da terra (que incluem as emissões de desmatamento), a intensidade de emissões por habitante cresceu sistematicamente desde 1990, passando de 3,9 para 5,1 tCO2e/hab em 2013.
A intensidade de emissões na economia também aumentou. A quantidade de riqueza gerada por tCO2e emitido caiu de R$ 3,251,00 em 2012 para R$ 3.090,00 em 2013, o que representa, portanto, uma redução da eficiência de economia brasileira em relação às emissões de GEE.
Emissões por estados
Uma das novidades apresentadas pelo SEEG neste ano é a alocação das emissões brasileiras de 2013 nas unidades federativas. Esta é a primeira estimativa desse tipo a fazer a identificação e distribuição das emissões pelos estados aonde elas ocorrem.
Foi possível fazer a alocação de 91% das emissões brasileiras de GEE nos estados e no Distrito Federal. Quando analisadas as alocações estaduais de emissões de todos os setores, os estados do Pará e do Mato Grosso se destacam como maiores emissores do país, com 11,2% e 9,4% do total nacional, respectivamente, seguidos por São Paulo (8,5%) e Minas Gerais (7,5%). Contudo, quando se excluem as emissões associadas ao setor de mudança de uso da terra, a liderança nacional passa para São Paulo (12,9%), seguido de Minas Gerais (9,8%) e Rio Grande do Sul (7,2%).
Desafios e perspectivas
O SEEG é uma ferramenta que mensura e sistematiza as principais informações sobre as emissões de GEE relativas ao ano anterior, de forma a oferecer estimativas de emissões de forma mais acessível, consistente e atualizada. Contudo, o trabalho realizado pelo SEEG não é a mesma coisa que o de um inventário nacional de emissões, algo que é de responsabilidade do governo federal no contexto das obrigações nacionais junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).
“Nosso objetivo com o SEEG é fazer estimativas anuais, justamente para que possamos detectar rapidamente tendências e pontos a ser mudados e para que possamos aperfeiçoar as políticas públicas associadas a esse problema”, explica André Ferretti, coordenador do OC. E, de acordo com os dados do SEEG, a tendência de queda das emissões, observada nos últimos anos, pode estar sendo revertida nos últimos 24 meses.
“Mesmo com a economia desaquecida e com crescimento econômico baixo, nossas emissões estão crescendo num ritmo muito maior”, aponta Carlos Rittl, secretário executivo do OC. “O temor é que, se recuperarmos nosso fôlego econômico e começarmos a crescer sem olhar para esse aumento das emissões, essa tendência de alta se consolide e impeça o Brasil de cumprir com suas responsabilidades legais de redução de emissões nos próximos anos”, alerta Rittl. Em um cenário mundial em que diversos países vêm dando sinais de procurar adequação a uma economia de baixo carbono, isso significaria também perda de competitividade da economia brasileira.
A alta na taxa de desmatamento, que em 2013 teve incremento de 28% e que, de acordo com números preliminares do governo e de organizações independentes, deve se repetir neste ano, volta a colocar o setor de mudança de uso do solo como desafio para o governo no futuro imediato. A volta do fantasma do desmatamento deixa evidente os problemas do país nos demais setores: olhando para os números da série histórica do SEEG nos outros quatro setores apontam para uma tendência persistente de aumento das emissões desde os anos 1970 até 2013. Por exemplo, o setor de energia aumentou suas emissões em 452% nesse período; se considerarmos apenas o intervalo entre 2010 e 2013, o crescimento das emissões desse setor foi de 21,7%.
“Nos anos anteriores, a queda do desmatamento mascarava o aumento das emissões em outros setores”, aponta Carlos Rittl. “Essa máscara acabou caindo quando tivemos um aumento no desmatamento”. Para o secretário executivo do OC, o Brasil precisa se esforçar para fazer a transição de todos os setores econômicos para um cenário de baixo carbono. “Se teremos novos compromissos internacionais de mitigação, precisamos investir nessa transição e integrar as diferentes políticas públicas. Por exemplo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos pouco dialoga com a Política Nacional de Mudanças do Clima, os grandes planos de investimentos não incorporam a lógica das reduções progressivas, e as medidas recentes de fomento à indústria automobilística se limitavam a incentivos para venda de automóveis carbonicamente ineficientes”.
Para 2014, a perspectiva também não é positiva. De acordo com Tasso Azevedo, “o que estamos vendo em 2014 é a mesma coisa que vimos em 2013, principalmente pelo aumento do desmatamento nos últimos meses e pelo uso mais frequente de usinas termoelétricas para aplacar os efeitos da crise hídrica nas usinas hidrelétricas do Sudeste”. Se essa tendência se cristalizar, os compromissos internamente obrigatórios e internacionalmente voluntários, assumidos pelo Brasil em 2009, estarão ameaçados.
“O cenário apresentado pelo SEEG no ano passado ainda tinha a questão do desmatamento estabilizada, com um potencial de deslocamento da trajetória de emissões para cima apenas por incrementos no setor de energia. Nesse caso, nós cumpriríamos a meta de chegar em 2020 abaixo das emissões de 2005, ainda que com uma tendência de alta”, explica Azevedo. “Já o cenário desse ano é mais problemático: olhando para os dados referentes a 2013 e para os sinais já identificados de 2014, a tendência é que esse cenário aponte ainda mais para cima, ultrapassando a nossa meta, mesmo com o crescimento econômico atual”.
O Brasil ainda tem tempo para reverter esse cenário adverso para os próximos anos. Na questão do desmatamento, defende Tasso Azevedo, precisamos nos reinventar e inovar em matéria de política pública para o setor. “Desde 2008, não temos nenhum instrumento novo criado para a política de combate ao desmatamento. Precisamos sair dessa acomodação, deixar de viver das glórias do passado e não ter medo de reinventar nossas ferramentas de política pública”.
No entanto, na mesma medida em que precisamos de mais criatividade no campo das políticas públicas, precisamos também de mais investimentos no campo da tecnologia de baixo carbono no Brasil, seja na produção de energia elétrica, no transporte de passageiros e de carga, na indústria em geral, na gestão de resíduos ou nas atividades agropecuárias. “Em 2012, o Brasil investiu cerca de US$ 3 bilhões em fontes renováveis de energia, tirando as usinas hidrelétricas. No mesmo ano, Estados Unidos, China e União Europeia investiram mais de US$ 50 bilhões cada em fontes como eólica e solar”, aponta Carlos Rittl.
Confira os dados e panoramas dos cinco setores, além de infográficos, no site do SEEG.