Emissões aceleram no entorno da BR-319
Municípios no entorno da rodovia viram crescimento de 16% no carbono por desmatamento e agropecuária apenas entre 2018 e 2019, contra 11% da média nacional
DO OC – Em apenas um ano, os municípios do entorno da rodovia BR-319 tiveram uma alta de 16% nas emissões de gases de efeito estufa por uso da terra e agropecuária. Entre 2018 e 2019, as emissões nos 13 municípios da área de influência da estrada saltaram de 54,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente para 63,8 milhões. Na média nacional, as emissões subiram 11% nesses dois setores.
Os dados são do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), e, embora restritos a um único ano, permitem vislumbrar a tendência de ocupação e devastação da região – a mais preservada da Amazônia – com o avanço da pavimentação da rodovia.
No ano passado, o ora governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), obteve do presidente do Ibama, Eduardo Bim, a licença prévia para o asfaltamento da via que liga Manaus a Porto Velho. O licenciamento atropelou pareceres técnicos do próprio órgão. Parlamentares do Amazonas agora começam a pressionar o governo Lula pela licença de instalação. Um estudo de Raoni Rajão, atual diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, já havia indicado que o asfaltamento da 319 quadruplicaria o desmatamento.
Dos 13 municípios do eixo da 319, 10 tiveram aumento de emissões e três tiveram queda. O maior aumento foi em Borba, no Amazonas, que saltou de 521 mil toneladas para 913 mil toneladas de CO2 equivalente, ou seja, 75% a mais de poluição climática de um ano para o outro.
Em Humaitá (AM), as emissões foram 62% maiores, saindo de 2,3 milhões de toneladas em 2018 para 3,7 milhões no ano seguinte.
Autazes, também no Amazonas, ocupa a terceira posição entre os maiores emissores avaliados pelo OC. Saltou de 1,2 milhão de toneladas de gases-estufa para 2 milhões no intervalo analisado, um aumento de 59%.
Lábrea, no sul amazonense, ficou em quarto lugar. Saiu de 15,4 milhões toneladas de gases de efeito estufa em 2018 para 23,2 milhões em 2019, um aumento de 50% nas emissões de um ano para o outro. O município tornou-se um dos maiores hotspots de desmatamento da Amazônia. No último ano, teve a segunda maior área de alertas de desmatamento de todo o bioma, perdendo apenas para Apuí, também no sul do Amazonas.
O padrão de aumento foi observado também em Canutama (51%), Manaquiri (44%), Careiro da Várzea (27%) Beruri (24%), Tapuá e Careiro (10%) – todos no estado do Amazonas. Somente em Manicoré (RO), Manaus (AM) e Porto Velho (RO) as emissões tiveram queda: 15%, 12,5% e 9%, respectivamente.
Licença acelerada
O avanço sobre a floresta se agravou nos últimos anos quando a promessa de asfaltamento do chamado “trecho do meio” da 319, com 400 km de extensão, avançou sob o governo Bolsonaro.
Quem defende a pavimentação alega que a estrada irá integrar a região, favorecer a logística e o desenvolvimento da economia – entre eles estão políticos locais, empresários, madeireiros ilegais, parte do agronegócio e quem ganha com a especulação de terras e grilagem na Amazônia.
Cientistas e ambientalistas, no entanto, advertem que a implantação da obra no coração da Amazônia poderá fazer explodir o desmatamento na região, com efeitos irreversíveis sobre a floresta e, consequentemente, ao clima. O estudo de impacto ambiental da 319 já indicou que a estrada é desnecessária para o transporte de carga entre as duas capitais, feito por avião ou pela hidrovia do rio Madeira.
Desmatamento em alta
A perda de floresta nesse trecho da Amazônia tem sido recorde, sobretudo em terras públicas da União. A área de influência da BR 319 engloba 42 Unidades de Conservação (UC) que seriam impactadas com a implantação das obras de infraestrutura.
Cinco delas ficaram entre as dez áreas protegidas mais desmatadas da Amazônia Legal em 2021: a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, o Parque Nacional (Parna) Mapinguari, a Floresta Estadual Tapauá e a Floresta Nacional Balata-Tufari. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Outro agravante é que grupos indígenas afirmam que não foram consultados no processo de licenciamento, como prevê a Constituição. São 69 Terras Indígenas na região. E 34 delas foram alvo do desmatamento ilegal em 2021 com a TI Karipuna liderando o ranking, seguida da Tenharim Marmelos – Gleba B.
Em nota pública, o Observatório da BR 319 – entidade civil que acompanha de perto as discussões sobre a obra – afirmou que “a licença prévia não poderia ser emitida, uma vez que as consultas livres, prévias e informadas, como orienta a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nunca foram realizadas com os povos indígenas e as comunidades tradicionais que serão diretamente impactados por uma obra de infraestrutura dessa magnitude”. (JAIME GESISKY)