Emissões do setor de alimentos podem inviabilizar meta do Acordo de Paris
Agropecuária e padrão de consumo de alimentos respondem por um terço da produção de gases de efeito estufa, diz estudo
DO OC – Mesmo se o planeta parasse de queimar combustíveis fósseis imediatamente, as emissões oriundas do atual modelo de produção e consumo de alimentos poderiam inviabilizar o cumprimento da meta do Acordo de Paris. A conclusão é de um estudo publicado na última semana na revista Science, que avaliou o papel desse setor nas emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e trouxe um alerta para a necessidade de pensar em mudanças “rápidas e ambiciosas” no sistema alimentar global para as próximas décadas.
A agropecuária e o padrão de consumo alimentar correspondem, hoje, a um terço da produção global de gases-estufa como metano e gás carbônico (CO2). Em países como o Brasil isso é ainda mais acentuado: segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) que serão apresentados nesta quarta-feira (11) num seminário virtual, 72% das emissões brasileiras derivam, direta ou indiretamente, da atividade rural.
No mundo, entre os anos de 2012 e 2017, estima-se que o setor de alimentação tenha sido responsável pela emissão anual de cerca de 16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente. De acordo com os pesquisadores, se não forem implementadas medidas para reduzir esses números, o sistema alimentar pode, sozinho, ser responsável pela emissão de 1.356 gigatoneladas (bilhões de toneladas) de CO2 até 2100, o que praticamente inviabilizaria o cumprimento da meta do acordo, que visa manter o aquecimento global abaixo de 2oC, buscando limitá-lo a 1,5oC até o final do século. “Mesmo se todas as emissões de GEE do sistema não alimentar fossem imediatamente interrompidas, as emissões deste setor sozinhas provavelmente ultrapassariam o limite de emissões de 1,5°C entre 2051 e 2063”, explicam.
Para chegar a essa previsão, os pesquisadores levaram em conta diversas variáveis relacionadas ao processo produtivo que resultam na emissão de poluentes, como limpeza de terras e desmatamento para agricultura e pastagem, digestão por gado e outros animais, produção e uso de fertilizantes e cultivo de arroz em campos inundados. Além disso, para o cálculo das estimativas, consideraram o aumento na produção de alimentos necessário para suprir a demanda populacional das próximas décadas. O desperdício de alimentos, resultado do atual padrão de consumo, também foi destacado no estudo como um importante vetor de contribuição para a emissão de carbono, assim como o tipo de dieta atualmente predominante.
O IPCC avisou
“Se estamos tentando atingir a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau Celsius, não há uma solução mágica que nos levará lá”, afirmou ao jornal The New York Times o pesquisador da Universidade de Oxford Michael Clark, que é um dos autores do estudo. A ideia do especialista, de que é necessária uma ação conjunta de diferentes setores responsáveis pelas emissões para que as metas sejam atingidas (transporte, energia, entre outros), já havia sido apontada no último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto do ano passado. Segundo o grupo de especialistas responsáveis pela elaboração do documento, já não é suficiente se fixar em apenas um setor para tentar manter o aquecimento dentro de limites manejáveis. Apesar das conquistas até agora na redução das emissões oriundas do setor energético, principal responsável pelo aquecimento do planeta, são necessárias mudanças profundas em outras áreas, como a da produção global de alimentos, a gestão dos solos e os hábitos alimentares.
No novo estudo, Clark e os colegas indicam cinco estratégias que podem ajudar a redução da emissão de gases no setor de produção e consumo alimentar. A primeira seria a adoção global de uma dieta rica em vegetais, já que dietas baseadas em carne e derivados de animais estimulam a pecuária, que emite gases-estufa com mais intensidade para cada caloria de alimento que entrega ao mercado. Ainda relacionado diretamente aos hábitos alimentares, o segundo ponto destaca a necessidade de ajustar o consumo calórico per capita global para níveis saudáveis. Em terceiro e quarto lugares, os pesquisadores apontam a necessidade de aumentar o rendimento das safras e diminuir o desperdício de comida em 50%. A quinta e última estratégia diz respeito à redução da intensidade de gases-estufa dos alimentos, que pode ser atingida aumentando a eficiência da produção.
Apesar da complexidade de ações que devem ser tomadas, os pesquisadores estão otimistas. “Existem muitas formas diferentes de alcançar os objetivos (…). Cada pessoa tem um papel a cumprir, assim como cada corporação. Por meio de ações coletivas e vontade política, podemos realmente fazer isso muito rapidamente”, resumiu Clark. (JAQUELINE SORDI)