Advogados que participaram do evento em Columbia (Foto: Nauê Azevedo/OC)

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Tribunal vira aliado central contra crise do clima, dizem especialistas

Casos brasileiros de litígio climático foram apresentados em evento co-realizado pelo OC na Universidade Columbia, em Nova York

19.09.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

DO OC – “Não fazemos litígio porque queremos, e sim porque precisamos”. Foi assim que Nauê de Azevedo, especialista em litígio estratégico do Observatório do Clima, sintetizou a importância das disputas legais na luta contra a emergência climática, em painel realizado na última segunda-feira (18/9) na Universidade Columbia, em Nova York. Ações vitoriosas nesse período, como a reativação do Fundo Clima e do Fundo Amazônia, a extinção da “presunção de boa-fé” no comércio do ouro – apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) – e o questionamento da pedalada climática na justiça comum foram debatidas.

O evento, parte da programação da Climate Week, reuniu especialistas do Brasil e de outros países para discutir o litígio climático no Brasil entre 2020 e 2023, além  de iniciativas em cortes internacionais. Mais de 70 pessoas participaram do evento, promovido pelo OC e pelo Sabin Center for Climate Change Law, de Columbia.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, que conquistou a retomada do Fundo Amazônia – paralisado em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro – foi um dos pontos de destaque. Julgada procedente pelo STF em novembro de 2022, a ação foi movida por quatro partidos políticos (Rede Sustentabilidade, PSB, PT e PSOL) e apontou a omissão do governo federal ao deixar de utilizar R$ 3,2 bilhões para a proteção da floresta. O Observatório do Clima prestou assessoria técnica aos partidos na elaboração da ADO e foi amicus curiae no processo, junto ao Instituto Alana e à Conectas Direitos Humanos.

O voto da ministra Rosa Weber, que relatou a ação, reconheceu o Fundo Amazônia como a principal política pública de financiamento em vigor para apoiar ações de proteção da floresta e promoção do desenvolvimento sustentável. Além da retomada do fundo, a ADO garantiu que, a partir de seu julgamento, o desmantelamento da estrutura será considerado inconstitucional.

A decisão favorável à ADO 59 teve como precedente outra importante vitória, também discutida no evento em Columbia. Em julho de 2022, o Supremo havia considerado procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 708, que exigia a reativação do Fundo Clima (também paralisado pelo governo Bolsonaro) e a proibição do contingenciamento de suas verbas pela União.

O voto histórico do relator da ação, ministro Luís Barroso, reconheceu a proteção do clima como dever constitucional do Estado brasileiro. O OC também foi amicus curiae na ADPF 708,  movida pelos mesmos partidos políticos (Rede, PSB, PSOL e PT).

Outra vitória no Supremo, essa de 2023, foi debatida. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7273, movida em novembro de 2022 pelo PSB e Rede Sustentabilidade, demandou a suspensão da chamada  presunção de boa-fé” no comércio do ouro, um dispositivo legal que previa que os próprios vendedores do minério emitissem uma declaração de regularidade sobre sua origem e extração.

O mecanismo, que facilitava o garimpo ilegal e a violação de direitos (como a invasão de terras indígenas para mineração), fora instituído pela lei Lei 12844/2013. O voto do relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu liminarmente a presunção de boa-fé. Em maio deste ano, o plenário do Supremo referendou a liminar. O OC, assim como nos dois outros processos, foi amicus curiae na ação.

Suely Araújo, especialista-sênior em Política Pública do OC, destrinchou a ação movida por seis jovens ativistas contra a manobra contábil do governo Bolsonaro que diminuiu as metas de redução nas emissões brasileiras, violando as regras do Acordo de Paris. O questionamento da “pedalada climática” na NDC (na sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) na Justiça comum foi apoiado técnica e legalmente pelo Observatório do Clima e pautou as discussões na sociedade.

Na semana passada, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) aprovou uma resolução determinando a correção da NDC brasileira, que será anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta semana em Nova York. Em junho, ao comunicar  a revisão da pedalada e a elaboração de uma nova NDC, compatível com o papel de liderança que o Brasil pretende ocupar na agenda climática, Lula havia citado a ação movida pelos jovens como motor do processo.

A especialista sênior em políticas públicas destacou, ainda, a ação civil pública da sociedade civil movida em 2021 pelo Observatório do Clima, que demandou a atualização do Plano Clima, previsto na lei que institui a Política Nacional de Mudança do Clima, considerando o cenário de emergência climática apresentado pelo último relatório do IPCC, o Painel do Clima da ONU.

Ainda em 2021, a Justiça sugeriu uma conciliação entre os proponentes da ação e a União, recusada pelo governo Bolsonaro. Recentemente, fontes indicaram que o governo Lula aceitará a conciliação nas próximas semanas, contou Suely Araújo. Na mesma reunião em que anunciou a correção da pedalada  climática, no último dia 14/9, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima criou um grupo de trabalho para atualizar o Plano Clima.

Araújo apresentou, ainda, o cálculo elaborado pela equipe do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) para determinar o dano climático causado por infratores ambientais, que sustentou ações da Advocacia-Geral da União contra desmatadores. O OC foi amicus curiae nas ações. Em apenas uma das ações, destacou Araújo, o dano climático chegou a mais de R$ 91 milhões.

Segundo a base de dados sobre litígio elaborada pelo Sabin Center, o Brasil tem atualmente 57 processos legais relacionados ao clima. Entre 2020 e 2023, o OC atuou diretamente em 23 processos propondo ações, oferecendo suporte técnico e legal, elaborando petições iniciais e monitorando seu andamento no Judiciário.

Além das vitórias na Justiça, o litígio garantiu jurisprudências que fortalecem o escopo da ação climática no Brasil, como o primeiro precedente que trata expressamente de questões climáticas, obtido durante o julgamento da ADPF 708 no Supremo. Além disso, o mesmo julgamento reconheceu o Acordo de Paris como um tratado relacionado à garantia dos direitos humanos.

O painel contou ainda com a participação de especialistas do Climate Council, do Sabin Center, da organização Stop Ecocide, do Instituto Arayara e do Center for Climate Crime Analysis para discutir o litígio no plano internacional. Uma das iniciativas, apresentadas por Paulo Busse, assessor jurídico do Observatório do Clima e integrante do Climate Council, foi a representação junto ao Tribunal Penal de Haia denunciando os crimes contra a humanidade praticados na Amazônia.

O evento completo pode ser visto aqui. (LEILA SALIM)

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