Vegetação no rio Salobra, no Pantanal sul matogrossense de Miranda, em abril de 2024 (Priscila Pacheco/OC)

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Estudo propõe programa conjunto contra crise climática e perda de biodiversidade

Pesquisadoras afirmam que os problemas estão interligados e devem ter políticas coordenadas

26.07.2024 |

DO OC – Pesquisadoras defendem que haja a implementação de um programa conjunto para enfrentar a crise climática e a perda de biodiversidade. Em um artigo científico publicado terça-feira (23), no Journal of Applied Ecology, as pesquisadoras da Universidade de York, no Canadá, e da Sociedade de Zoologia de Londres (ZSL, na sigla em inglês), na Inglaterra, argumentam que os dois problemas estão interligados. Elas afirmam que a falta de estruturas políticas coordenadas e coerentes, que alinhem metas entre eles, é ruim para a natureza e a sociedade.

As pesquisadoras ressaltam que mesmo após mais de um ano desde a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF) [metas definidas na 15ª Conferência das Partes da Convenção Unidas sobre Diversidade Biológica] e apesar de inúmeros apelos por mais sinergia entre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), as ligações políticas entre elas em clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável permanecem fracas. 

Durante a 28ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP28), realizada no ano passado em Dubai, Emirados Árabes Unidos, houve uma declaração conjunta sobre natureza, clima e pessoas, liderada pelas presidências da UNFCCC e CBD. Apoiada por 18 países até o momento, a declaração prepara caminhos para ações coordenadas e destaca a importância de aumentar a conscientização e construir capacidade para alianças entre o Acordo de Paris, tratado internacional com metas para conter o aquecimento global, e o GBF.

Em janeiro, foi feita uma declaração de intenção propondo resultados colaborativos, ampliação de financiamento e investimentos para clima e natureza, a promoção da interoperabilidade entre fontes e coleta de dados, métricas, metodologias e estruturas de relatórios voluntários. “Juntas, a declaração conjunta e a declaração de intenção representam o plano mais abrangente até hoje para a colaboração entre a CBD e a UNFCCC”, diz o artigo. Para as autoras da pesquisa, as duas ações são históricas e um avanço. No entanto, dependem de parcerias voluntárias e necessitam de uma estrutura de governança formal para planejamento, operacionalização e monitoramento de progresso.

A declaração de intenção, por exemplo, destaca que há “sinergias e integração” entre as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês, as metas de cada país para o Acordo de Paris) e os Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (NBSAPs, em inglês), mas a parceria depende de compromissos voluntários. Segundo o estudo, ainda não existe um processo para supervisionar e otimizar o alinhamento entre elas. 

“O mundo está atualmente em uma encruzilhada. Líderes mundiais assinaram tratados internacionais que os comprometem a agir para enfrentar essas duas crises, mas atualmente há uma enorme lacuna nas ferramentas disponíveis para garantir que essa ação seja unificada. Precisamos de um programa que preencha essas lacunas”, diz Idil Boran, co-autora do estudo e professora na Universidade de York.O artigo explica que o programa facilitaria a reunião de ideias, pessoas, organizações e processos necessários para conectar os pontos sobre como estabilizar o clima e recuperar a natureza. 

O estudo também ressalta que um trabalho em conjunto da CBD e UNFCCC deve integrar recomendações de ações para evitar a utilização inadequada de soluções baseadas na natureza e adaptação baseada em ecossistemas para compensação de carbono. “É necessário mais trabalho transdisciplinar para entender como a biodiversidade e as pessoas podem responder às mudanças climáticas, como o clima pode responder às mudanças na biodiversidade, e como proteger e recuperar melhor a natureza para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas em tempos de rápidas mudanças ambientais”, diz o estudo.  

A pesquisa ainda destaca que um programa de trabalho conjunto deve abordar lacunas relacionadas a financiamento, para ajudar a resolver os desequilíbrios entre os recursos alocados para mitigação das mudanças climáticas, adaptação climática e conservação da biodiversidade, ao mesmo tempo que ele pode intensificar os esforços para remover incentivos financeiros que impactam negativamente a biodiversidade e o clima, como alguns subsídios agrícolas.

“Há uma necessidade mais ampla para que os líderes mundiais garantam que estão colocando a natureza no centro da tomada de decisão. Ecossistemas funcionais não são apenas importantes para enfrentar as rápidas mudanças climáticas. Perdê-los impacta todos os aspectos de nossas vidas, desde a segurança alimentar até o acesso à água limpa. Precisamos que isso seja reconhecido e que a conservação receba os recursos necessários para fazer parte da solução, para enfrentar as mudanças climáticas e promover o bem-estar humano”, acrescenta Nathalie Pettorelli, co-autora do artigo e pesquisadora no ZSL.

O estudo descreve princípios de governança e destaca que, para ser eficaz, o programa de trabalho conjunto deve desenvolver um plano SMART – que significa específico, mensurável, atingível, relevante e com prazo determinado – para abordar as necessidades financeiras, técnicas e de capacidade associadas à execução das atividades do programa. “O programa deve ter um prazo definido, deve começar com dois anos, com a possibilidade de renovação cíclica de mais dois anos até 2030 ou até a criação de um novo mecanismo sucessor para clima, natureza e pessoas”, diz o artigo.  

Além disso, são citados cinco objetivos que devem avançar durante a implementação do programa:

1 – Supervisionar e otimizar o alinhamento entre os NBSAPs e as NDCs para alcançar objetivos compartilhados;

2 – Realizar diálogos técnicos para abordar as prioridades; 

3 – Identificar ações climáticas prejudiciais à biodiversidade e implementar salvaguardas coerentes e interoperáveis;

4 – Criar uma plataforma para dar visibilidade e reconhecer os esforços realizados por países, governos locais e atores não estatais para avançar nas prioridades do programa; a plataforma também deve desempenhar um papel crítico em ajudar a expandir iniciativas locais que acatem os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais; 

5 – Colaborar no desenvolvimento de metodologias para monitorar o progresso em relação aos objetivos compartilhados do GBF e do Acordo de Paris.

Especialistas consultadas pelo Observatório do Clima acreditam que a proposta feita pelo estudo é muito importante e necessária. “É uma proposta ambiciosa. A gente não precisa se conformar com uma coisa que está ruim. Então, se a gente não tiver boas ideias, se a gente não assumir as possibilidades de lutar, a gente nunca sai do lugar”, comenta Simone Tenório, bióloga e pesquisadora do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. A bióloga reforça a relação entre as crises: “Você está perdendo floresta, você está perdendo dispersores. Então, essa destruição da biodiversidade também levou a essa questão climática”.

Patrícia Cota, diretora de sociobiodiversidade do Imaflora, faz comentários semelhantes e chama a atenção para o Brasil por ser um país megadiverso e um dos grandes emissores de gases de efeito estufa por causa da destruição da vegetação. “O apontamento do estudo faz todo o sentido. Fazer esse trabalho conjunto entre o Quadro Global de Biodiversidade de Montreal e o Acordo de Paris é fundamental. A gente precisa olhar para uma abordagem conjunta. Essa agenda tem mais relevância ainda quando você olha para a situação do Brasil. Para o Brasil, a integração dessa agenda é estratégica”, comenta ao citar o desmatamento no país. “A degradação desses ecossistemas naturais agrava a mudança climática, limita a capacidade da natureza de fornecer serviços essenciais para a regulação do clima”, completa. (PRISCILA PACHECO)



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