Ato pelo clima na Alemanha (Foto: Mika Baumeister/Unsplash)

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Entenda a NDC do Observatório do Clima

FAQ explica sobre nova proposta para documento da meta climática brasileira

26.08.2024 - Atualizado 26.08.2024 às 10:34 |

Por que o Observatório do Clima elaborou uma NDC?

Desde 2015 a rede do OC elabora propostas de NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para o Brasil. Os objetivos desse tipo de exercício são dois: primeiro, democratizar o debate sobre as metas climáticas nacionais, restrito à tecnocracia da área ambiental e diplomática. Se a NDC deve ser a plataforma para a mudança do modelo de desenvolvimento do país, sua elaboração precisa incluir a sociedade, o que não aconteceu na proposta original do governo brasileiro nem nas sucessivas atualizações da meta. O segundo objetivo é estabelecer a barra de ambição: com base na melhor ciência disponível, o OC mostra o que o país pode fazer para dar sua contribuição justa no combate à crise do clima. Isso ajuda a sociedade a avaliar o esforço do governo federal.

Qual é o objetivo de vocês com a proposta atual?

Ajudar o governo brasileiro a cumprir a promessa do presidente Lula de “liderar pelo exemplo” no combate à crise climática. Estamos propondo uma meta agregada e metas setoriais factíveis, escaláveis e baseadas em tecnologias já existentes que representam a contribuição justa do Brasil para limitar o aquecimento global a 1,5°C. A principal dessas metas, zerar o desmatamento até 2030, é uma promessa do Presidente da República e um compromisso internacional assinado pelo Brasil.

Como a meta da NDC do Observatório do Clima foi calculada?

Primeiro, buscou-se estabelecer qual é a contribuição justa (fair share) do Brasil no esforço global de redução de emissões para 2035. Há diversas iniciativas no mundo que buscam estabelecer esse critério. Essa abordagem é “de cima para baixo”, ou seja, parte do quanto a atmosfera precisa que cada país faça para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Desde 2015 o OC usa como referência o Cerf (Climate Equity Reference Framework), uma iniciativa da sociedade civil que reparte o esforço de mitigação entre os países com base na responsabilidade histórica e na renda per capita. O Cerf possui uma calculadora de equidade, alimentada com projeções futuras de emissão, dados históricos e informações sobre a renda de cada país. Essa calculadora, porém, não inclui informações históricas sobre emissões de uso da terra, o que distorce a responsabilidade histórica do Brasil e de outros países florestais. Em 2024, produzimos uma versão “customizada” da calculadora, na qual emissões históricas de desmatamento foram incluídas. A partir daí, foram estabelecidos quatro cenários de fair share para o Brasil.

O OC escolheu o mais conservador deles (um teto de emissões de 117 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2035) e passou a olhar para a meta “de baixo para cima”: a equipe do SEEG se debruçou sobre os setores da economia que emitem carbono (agropecuária, energia, resíduos, indústria e mudança de uso da terra) e avaliou o que seria possível cortar de emissões e aumentar as remoções em cada um deles nesse prazo para chegar o mais perto possível do fair share. Foi essa abordagem que produziu o número final, de 200 milhões de toneladas líquidas de CO2 equivalente.

Para o caso específico do setor de energia, os números foram derivados de um dos cenários de descarbonização para 2050 que vêm sendo construídos por um grupo de trabalho do Observatório do Clima e cujos resultados serão publicados em breve.

Mas NDC não é só corte de emissões, certo?

Não. A NDC também envolve medidas em adaptação, meios de implementação, perdas e danos e transição justa. Nesta NDC também criamos um capítulo de oceanos e zona costeira, seguindo a decisão do Balanço Global do Acordo de Paris e recomendações internacionais sobre o que as novas NDCs precisam conter. As propostas para esses setores foram definidas em rede, por meio de várias oficinas com participação de organizações da sociedade civil e movimentos sociais que compõem o Observatório do Clima.

A meta é radical demais?

Não. Radical é um mundo na iminência de ultrapassar 1,5°C de aquecimento global. Radical é a gente estar no rumo de registrar o segundo ano consecutivo mais quente da história, com recorde de incêndios no Pantanal e na Amazônia, enchente no Rio Grande do Sul e ondas de calor matando 47 mil pessoas por ano na Europa. Todas as medidas sugeridas na NDC do OC são factíveis, escaláveis e baseadas em tecnologias existentes. Com efeito, as medidas mais ousadas sugeridas – zerar o desmatamento e recuperar 21 milhões de hectares de florestas – são, respectivamente, um compromisso já adotado pelo país e o mero cumprimento de uma lei, o Código Florestal.

Mas não é caro implementar essa proposta?

Cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em 1,5°C exigirá uma reorientação completa da economia mundial e uma rápida redução do uso de combustíveis fósseis. Isso certamente custa dinheiro, mas desde 2006 a ciência vem mostrando que o custo de não agir no clima é muito maior. Veja por exemplo os R$ 62 bilhões que o governo federal gastou apenas neste ano para atender a uma única crise, causada por um único evento – a tragédia do Rio Grande do Sul, cuja reconstrução custará pelo menos R$ 90 bilhões. A adoção em escala de algumas das medidas propostas pelo OC certamente demandará investimentos adicionais, e parte deles virá apenas de redirecionamento de outros investimentos (por exemplo, subsídios para energia suja, que chegam à casa dos R$ 100 bilhões ao ano). Outros investimentos são oportunidades econômicas para o Brasil, como a expansão da restauração florestal, dos biocombustíveis e das tecnologias de energia renovável. Na agropecuária, tecnologias de baixa emissão aumentam a produtividade e a renda do produtor, por exemplo. Outros, ainda, trazem cobenefícios econômicos, como a redução dos custos de saúde (internações e mortes) com a massificação do transporte coletivo urbano de baixa emissão, que reduz a poluição do ar.

O OC considerou remoções por sequestro de carbono em solos agrícolas. Isso não é trapaça, já que essas remoções não estão no inventário oficial do Brasil?

Não estão, mas deveriam. Desde 2015, quando elaborou sua primeira proposta de NDC, as remoções por carbono em solos agrícolas já são contabilizadas pela rede. O SEEG mede essas remoções desde aquele ano, e nessa década já foi possível constatar que os solos agrícolas do Brasil passaram de emissores líquidos a removedores líquidos de carbono. De resto, embora ainda não façam parte de inventários de emissões na maior parte dos países (na América Latina, somente a Colômbia as inclui em sua contabilidade oficial), as remoções por solos agrícolas são a premissa principal do Plano ABC, estabelecido em 2009 na Política Nacional sobre Mudança do Clima como plano setorial de mitigação para o setor agropecuário. Incluí-las no inventário nacional é uma demanda antiga da sociedade civil e do próprio agronegócio, que ajudará a avaliar a efetividade do Programa ABC+, do Ministério da Agricultura.

O governo brasileiro computa em suas metas e em seus inventários de emissões as remoções de carbono por áreas protegidas. Por que o OC ignora esse fator?

Por vários motivos, mas principalmente por causa de incertezas sobre o número e por uma questão filosófica que detalharemos a seguir. 

As remoções por áreas protegidas são uma divergência antiga entre o SEEG e o governo federal. Todos os países são autorizados pelo IPCC e pela UNFCCC a descontar de sua contabilidade remoções “antrópicas” por “florestas manejadas”. O Brasil entende que uma unidade de conservação ou uma terra indígena são “florestas manejadas”, já que sua proteção é uma política pública, requer esforços constantes (Funai, Ibama, ICMBio, brigadistas, guarda-parques) e custa dinheiro. Por essa razão, florestas maduras nesses territórios, que removem algum carbono, entram na conta de “remoções antrópicas”, estimada no último inventário em 386 milhões de toneladas de CO2e por ano.

Ocorre que essa estimativa é para lá de incerta. Estudos recentes indicam que o “ralo” de carbono de florestas como a Amazônia está menos eficiente nas últimas décadas e que essas remoções podem ser menores do que o reportado. Além disso, essas florestas públicas vêm sendo invadidas e desmatadas, o que reduz ainda mais sua remoção.

Por último, o OC considera que, num cenário de desmatamento zero – no qual todo o país se torna uma imensa área protegida – computar essas remoções configuraria uma “dupla contagem”. Se essas remoções fossem computadas na nossa meta, o país já teria emissões negativas em 2030.

 

 



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