Governo promete 740 fiscais, mas autoriza concurso para 157
Ibama receberá 96 analistas ambientais, 10% do que precisa, e ICMBio, 61; maior parte das vagas é para técnicos ambientais, de nível médio, que só podem apoiar a fiscalização
DO OC – Após dois anos e oito meses de governo, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou em audiência no Senado no dia 31/8 que seriam contratados 740 novos fiscais ambientais. No entanto, portaria do Ministério da Economia publicada nesta segunda-feira (6/9) autoriza a realização de concurso público para 568 vagas de diversos cargos no Ibama, dos quais apenas 96 são analistas ambientais, que têm atribuição em lei para fiscalizar o meio ambiente. Também foi autorizado concurso para 171 cargos no ICMBio, dos quais 61 são analistas (nível superior).
A maioria dos cargos autorizados para os dois institutos é de técnico ambiental (73% das 739 vagas), que exige apenas nível médio. Um técnico ambiental recebe R$ 2.222,94 de vencimento básico inicial, equivalente a dois salários-mínimos. Já o salário de um analista de nível superior começa em R$ 4.720,84, mais que o dobro.
A Lei 10.410/2002, que criou a carreira de especialista em meio ambiente, define três atribuições para o cargo de técnico ambiental: 1 – prestação de suporte e apoio técnico especializado às atividades dos gestores e analistas ambientais; 2 – execução de atividades de coleta, seleção e tratamento de dados e informações especializadas voltadas para as atividades finalísticas; e 3 – orientação e controle de processos voltados às áreas de conservação, pesquisa, proteção e defesa ambiental. Ou seja, os técnicos ambientais só podem atuar na fiscalização prestando apoio aos analistas ambientais, que têm competência legal para fiscalizar e são especialistas em áreas como biologia, engenharia florestal, agronomia etc.
No Ibama, serão contratados 432 técnicos ambientais para fazer basicamente o que o Exército tem feito na Amazônia nos últimos dois anos e que não deu certo: apoiar o trabalho de analistas ambientais.
O anúncio ocorre a dois meses da COP de Glasgow, e faz parte de um pacote de medidas que o governo Bolsonaro quer apresentar para dizer que está combatendo o desmatamento. No entanto, como já admitiu o vice-presidente Hamilton Mourão, em 2021 deverá ser registrada pelo terceiro ano seguido taxa de desmatamento maior que 10 mil km2 na Amazônia, o que não ocorria desde 2008.
Déficit de servidores
A falta de servidores é o principal problema dos órgãos ambientais. Uma Nota Técnica do Ibama de maio de 2020 aponta a necessidade de contratar pelo menos 1.306 servidores de nível superior para o instituto (970 analistas ambientais e 336 analistas administrativos). O governo autorizou apenas 10% disso (96 analistas ambientais e 40 analistas administrativos).
Só no Ibama há um déficit de 2.928 servidores – mesmo considerando os cargos de nível médio, o número anunciado representa menos de 20% dos cargos vagos no instituto. Hoje com 2.544 servidores ativos, o Ibama tem menos da metade dos profissionais que tinha em 2002. O último concurso ocorreu há nove anos.
FONTE: Ministério da Economia, 2021 (Portal de Dados Abertos)
Em maio de 2020 o Ibama havia encaminhado ofício ao MMA pedindo concurso para 2.311 servidores, dos quais 970 analistas ambientais. Em junho passado, o órgão alterou o pedido, sem manifestação da área técnica, reduzindo o número de cargos para 655, sendo 104 de analista ambiental, 43 de analista administrativo e 508 de técnico ambiental.
O concurso autorizado contraria proposta de reforma administrativa anunciada pelo ministro Paulo Guedes, que prevê a redução de cargos de nível médio no governo federal. Outros órgãos de fiscalização, como Receita Federal e agências reguladoras, não contratam servidores de nível médio.
“Esse concurso é mais uma cloroquina do governo Bolsonaro. É um engodo após três anos de desmonte. Querem mostrar serviço na COP 26 sem comprometer recursos. A quem pensam que vão enganar?”, questiona Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Um técnico de nível médio não tem formação para analisar ou monitorar grandes empreendimentos como hidrelétricas e atividades de exploração de petróleo. Mesmo a fiscalização do desmatamento requer formação sofisticada: pressupõe capacidade de análise de dados, avaliação de danos, uso de geotecnologias e outras atividades que exigem conhecimentos científicos específicos, habilidades incompatíveis com o cargo de nível médio.” (FELIPE WERNECK)
Cargos no Ibama | Função | Cargos ocupados | Cargos vagos | Efetivo solicitado | Efetivo autorizado |
Analista Ambiental (nível superior) | Exerce as atividades finalísticas de fiscalização, licenciamento, conservação da biodiversidade, ordenamento dos recursos naturais, gestão das unidades de conservação | 1.353 | 1.007 | 970 | 96 |
Analista Administrativo (nível superior) | Exerce as atividades meio administrativas e logísticas | 140 | 345 | 336 | 40 |
Técnico Ambiental (nível médio) | Apoio às atividades finalísticas, coleta de dados e controle ambiental | 142 | 526 | 432 | |
Técnico Administrativo (nível médio) | Apoio às atividades meio administrativas e logísticas | 891 | 1.050 | 1.005 | |
Auxiliar Administrativo (nível básico) | Auxilia nas atividades administrativas e logísticas | 18 | |||
Total | 2.544 | 2.928 | 2.311 | 568 |
FONTES: Ministério da Economia e documentos do Ibama