Governo sabota ações na região impactada por Belo Monte, diz CGU
Relatório mostra que "revogaço" de colegiados pelo governo Bolsonaro desmontou plano de desenvolvimento sustentável do Xingu; R$ 43 mi deixaram de ser investidos até agora
FELIPE WERNECK
DO OC
O mesmo método usado para desmontar o Fundo Amazônia e barrar a participação da sociedade em colegiados como o Conselho Nacional do Meio Ambiente foi adotado pelo governo Bolsonaro para paralisar o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), criado em 2010 para compensar impactos causados pela usina Belo Monte, no Pará.
É o que aponta relatório de avaliação da Controladoria-Geral da União (CGU), que destrinchou atos e omissões da atual gestão na execução do PDRSX. A auditoria conclui que deixaram de ser aplicados R$ 43,1 milhões em ações na região impactada pela construção da hidrelétrica após medidas como a extinção do comitê gestor do plano, em 2019. O PDRSX foi uma condicionante no leilão de Belo Monte, em 2009. O investimento total é de R$ 500 milhões em 16 anos (2010-2026).
“Um dos prejuízos causados pela extinção do comitê gestor à implementação do PDRSX foi a paralisação dos recursos do plano. Desde abril de 2019, quando o comitê foi extinto, nenhum edital foi lançado para selecionar novos projetos”, afirma a CGU no documento, apontando “vácuo de governança”. O mesmo decreto de abril de 2019 revogou uma série de coletivos da administração federal, entre eles o comitê gestor do Fundo Amazônia, que tem mais de R$ 3 bilhões congelados desde então.
“A execução extemporânea dos recursos do PDRSX é prejudicial não somente por retardar o cumprimento da finalidade do próprio plano – promover políticas públicas que resultem na melhoria da qualidade de vida da população que habita sua área de abrangência –, mas também por haver perda do poder de compra do recurso, que não passa por atualização monetária”, acrescenta a CGU. De 2011 a 2018, antes do governo Bolsonaro, foram executados 92,6% dos R$ 310 milhões programados para o período.
O único projeto do PDRSX criado pela atual gestão, de combate à pandemia de Covid-19 na região do Xingu, em 2020, ocorreu por ordem judicial após ação movida pelo Ministério Público contra a União, o Estado do Pará e a Norte Energia, concessionária da usina.
Em agosto de 2019, três meses após a extinção do comitê gestor, o governo transferiu as atribuições relativas ao PDRSX da Presidência da República para o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). Desde então, “não foi criada unidade, nem alocada equipe exclusivamente para tratar do tema no ministério”, aponta a CGU. O relatório mostra que houve lapso de até sete meses sem qualquer reunião de instância deliberativa para dar andamento às atividades do plano.
O comitê gestor foi recriado pelo MDR em outubro de 2020, mas esse decreto foi contestado judicialmente por “ferir princípios de paridade, representatividade e participação”, o que levou o ministério a reformulá-lo, resultando na publicação de um novo decreto em junho de 2021. Mas o comitê gestor continua inativo, “completando quase três anos de paralisação da participação social e do processo deliberativo junto ao colegiado”, afirma o relatório.
Isso resulta em atraso dos investimentos, “já que estes aguardam deliberação do novo comitê gestor para utilização do saldo remanescente de R$ 201 milhões”, acrescenta a CGU. “Uma vez que os recursos do PDRSX não possuem atualização monetária nem rendimentos derivados de aplicação financeira, a sua execução tardia reduz o seu poder de compra, trazendo prejuízos diretos ao PDRSX. A região do Xingu, impactada pela construção da UHE Belo Monte, sofre com a descontinuidade do aporte dos recursos em novos editais, o que limita as possibilidades de mitigação dos problemas”.
A CGU avalia que há riscos mesmo sob a nova configuração do comitê. “A redução do número de membros de 30 para 16 e a consequente redução dos segmentos sociais a serem representados denotam uma fragilização da participação da comunidade e o risco de distanciamento do comitê das demandas locais. Isso é amplamente reforçado pela extinção das câmaras técnicas, que eram compostas por membros além daqueles integrantes do próprio comitê gestor, ampliando a participação social. (…). Sem essas estruturas, coloca-se em risco a capacidade de o novo comitê, já reduzido em sua própria composição, cumprir com suas atribuições de forma efetiva.”
A tentativa de limitar a participação da sociedade civil em colegiados já levou o governo a uma derrota no Supremo Tribunal Federal no fim do ano passado. A ministra Rosa Weber suspendeu liminarmente o decreto que alterou a estrutura do Conama em 2019 e permitiu que ele fosse controlado pelo governo federal – com participação reduzida da sociedade. Uma semana antes, o STF havia anulado, por unanimidade, as resoluções do Conama aparelhado aprovadas em setembro de 2020 que desprotegiam mangues e restingas.
A falta de transparência é outro problema apontado pela CGU – o MDR não disponibilizou informações sobre o PDRSX em seu site desde que assumiu suas atribuições.
Em resposta à CGU, o MDR informou que estão em curso etapas necessárias para a efetivação do colegiado e que as recomendações feitas no relatório serão levadas ao comitê gestor e, conforme o caso, “absorvidas para a própria elaboração de seu regimento interno”. “Registra-se, portanto, que não houve questionamentos sobre o conteúdo do relatório”, conclui a CGU.
Licenciada na marra pelos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff apesar de todos os alertas de que o Xingu não teria água para manter seu funcionamento, Belo Monte entrou em operação com todas as suas turbinas apenas em 2019, no regime Bolsonaro. A maior hidrelétrica do Brasil custou quase R$ 40 bilhões, arrasou a vida dos ribeirinhos e indígenas do Xingu e, como previsto em seus estudos de impacto, gera muito pouca energia. No ano passado, na estação seca, operava apenas com 4% de sua capacidade.[:]