A leitura que os mercados internacionais e os clientes das commodities brasileiras fazem disso tudo é simples: o agronegócio do Brasil não pode prescindir de desmatamento nem de acesso livre a terra barata. Para quem quer impor barreiras não tarifárias às commodities brasileiras e adiar acordos comerciais, trata-se de um prato cheio. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, mais um motivo de preocupação. A destruição ambiental pode ser o maior tiro no pé da economia nacional.
O Brasil já teve uma amostra dos prejuízos que crises de imagem acarretam, com a suspensão das importações de carne brasileira por alguns países na esteira da Operação Carne Fraca, em 2017, que detectou corrupção na inspeção sanitária. Em junho deste ano, uma rede sueca de supermercados iniciou boicote a produtos brasileiros por conta de mais um problema de mindset do governo – a liberação recorde de agrotóxicos. Dois rounds importantes da luta contra o desmatamento serão travados nos próximos meses, no acordo comercial União Europeia-Mercosul e nas negociações para a entrada do Brasil na OCDE.
A UE está sob pressão doméstica para barrar o acordo por conta do impacto que o governo Bolsonaro pode ter sobre a consecução das metas do Acordo de Paris. Em abril, mais de seiscentos cientistas europeus e duas organizações indígenas brasileiras pediram à UE que vinculasse o acordo a salvaguardas socioambientais. Em junho, mais de 340 organizações da sociedade civil pediram suspensão das negociações diante da deterioração do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil. O presidente da França, Emmanuel Macron, já prometeu eliminar o desmatamento das importações francesas até 2030 e vinculou o acordo comercial à adesão ao acordo do clima.
Embora o Brasil tenha permanecido formalmente no Acordo de Paris, alguém já deveria ter dito a Bolsonaro que também é preciso cumpri-lo – e isso vai de encontro à sua cruzada contra a floresta. Cientistas brasileiros estimaram que um cenário de descontrole sobre o desmatamento causaria emissões anuais só na Amazônia de 1,3 bilhão de toneladas de gás carbônico, ou 3% do que o mundo emite por queima de combustíveis. Nesse cenário, não apenas o Brasil não cumpriria suas metas, como também poderia colocar fora de alcance o objetivo global de estabilizar o aquecimento global em 1,5 °C, preconizado pelo Acordo de Paris.
Da mesma forma, o chanceler Ernesto Araújo vem fazendo, aparentemente sem muita convicção, uma ofensiva de greenwashing do Brasil para acalmar a OCDE, cujos critérios de compliance ambiental são rigorosos. Será muito difícil brandir a linha de defesa padrão do governo – dizer, usando dados falsos, que “o Brasil é o país que mais preserva no mundo” – quando onze sistemas de alerta por satélite contam a história oposta.
Talvez os indícios mais claros de que a situação está indo longe demais sejam manifestações recentes de representantes do setor agroexportador contra, por exemplo, o projeto de Flávio Bolsonaro e outras propostas de mudanças no Código Florestal. Mas defender a lei florestal e a segurança jurídica que ela traz não vai salvar a imagem – e os mercados – das commodities brasileiras. Se o agro que quer ser pop quer se diferenciar do ogro que não se importa de não o ser, tem de levantar a voz contra todo o desmonte ambiental de Bolsonaro. E também contra quem faz lobby pela terra arrasada, que não respeita limites, que acha ser possível destruir leis e florestas e engabelar a comunidade internacional vendendo uma sustentabilidade que não existe.
Carlos Rittl é doutor em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e secretário executivo do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil.