O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos (Foto: EBC)

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Jovens processam governo da Colômbia por não agir no clima

Em ação inédita na América Latina, grupo pede à Presidência e a ministérios que apresentem em seis meses um plano para zerar o desmatamento na Amazônia

30.01.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

DO OC – Um grupo de 25 cidadãos colombianos com idades entre 7 e 26 anos impetrou ontem (29) no Tribunal Superior de Bogotá uma ação contra o governo do país por deixar de tomar medidas para conter a mudança climática. É a primeira vez na América Latina que o clima leva um governo federal aos tribunais.

A ação, movida pela ONG Dejusticia em nome dos jovens, exige do governo que defenda os direitos das gerações futuras a “um ambiente sadio, à vida, à saúde, à alimentação e à água, que estão sendo ameaçados pelo desmatamento na Amazônia colombiana e seus efeitos no aquecimento do país”.

O pedido é para que o governo federal apresente em seis meses um plano para zerar o desmatamento na Amazônia colombiana – que, além de ajudar a aquecer a Terra ao liberar gases de efeito estufa, também ameaçaria o abastecimento de água de Bogotá, já que é da Amazônia que vem a umidade que produz as chuvas no Páramo (campo montanhoso) de Chinganza, “fábrica de água” da capital. O instrumento legal utilizado, chamado tutela, determina que o juiz de primeira instância tem dez dias para responder.

“É o mecanismo mais rápido de proteção aos direitos ameaçados que temos”, disse a advogada Gabriela Eslava, da Dejusticia, que representa os jovens.

A ação também pede que o país produza um acordo intergeracional para que a opinião dos jovens seja levada em conta em decisões que impliquem o meio ambiente.

O diretor da ONG, César Rodríguez, citou em comunicado distribuído pela Dejusticia outros processos judiciais movidos mundo afora contra a inação de governos e de empresas. O primeiro do tipo ocorreu na Holanda, onde em 2015 a ONG Urgenda, representando crianças, ganhou uma ação contra o governo por botar em risco as gerações futuras ao falhar em agir no clima. As mais recentes foram movidas neste ano pelos prefeitos de Nova York e San Francisco, nos EUA, contra empresas de petróleo.

Na América Latina, o único caso parecido ocorreu em 2017, quando um tribunal alemão admitiu um processo movido pelo fazendeiro Saul Lliuya contra a gigante de energia alemã RWE, por causar emissões que derreteram geleiras ao redor da cidade de Huaraz, ameaçando o local com enchentes.

O chamado “litígio climático” vem sendo olhado com cada vez mais atenção por grupos que exigem ação mais ambiciosa de governos e empresas contra o aquecimento global. O processo internacional, avaliam esses grupos, dificilmente dará conta da tarefa de estabilizar o aquecimento da Terra em menos de 2oC neste século, como preconiza o Acordo de Paris. As metas nacionais (NDCs), somadas, hoje levariam o planeta a cerca de 3oC de aquecimento.

A melhor forma de acelerar a ação e aumentar a ambição, afirmam advogados, é na Justiça. Em socorro desse raciocínio vem a ciência: é cada vez maior o número de estudos que conseguem associar eventos extremos individuais às emissões de gases de efeito estufa produzidas por atividades humanas.

“Há elementos fáticos e evidências suficientes para sustentar que, se o ritmo de desmatamento na Amazônia colombiana for mantido, é possível que ocorram desastres naturais associados à mudança climática”, dizem os jovens na petição.

A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) da Colômbia se propõe a reduzir emissões em 20% até 2030 em relação ao cenário tendencial. Em 2013, antes da conferência de Paris, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, se comprometeu a zerar o desmatamento na Amazônia até 2020. “Estamos em 2018 e não se fez nada para cumprir a promessa. O desmatamento aumentou 44% entre 2015 e 2016 e 36% dos alertas de desmatamento estão na Amazônia”, disse Eslava. “Isso está ficando no papel.”

Segundo a advogada, a Amazônia colombiana está sendo vitimada pela expansão do agronegócio que se seguiu ao processo de paz. Após a deposição de armas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), vastas porções de floresta que eram controladas pela guerrilha se viram sem um plano de desenvolvimento. É aí que os desmatadores estão atuando.

A Colômbia emite cerca de 222 milhões de toneladas de CO2 por ano. Quase 60% desse total se deve a mudanças de uso da terra, incluindo o desmatamento na Amazônia.

“Certamente essa ação pode catalisar iniciativas semelhantes em outros países da América Latina. Principalmente por envolver a Amazônia”, disse ao OC a advogada Caroline Prolo, especialista em negociações internacionais de clima, sobre o processo colombiano. Segundo ela, organizações da sociedade civil dos países amazônicos poderiam inclusive fazer um trabalho concertado, juntando a litigância climática com a exigência da proteção da floresta.

O pedido de tutela dos jovens colombianos menciona efeitos do desmatamento em outros países e em outras espécies. Seus advogados já estão buscando organizações e jovens em outros países para propor ações semelhantes. (CLAUDIO ANGELO)

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* Atualizado às 11h48 com declarações da advogada dos jovens; corrige informação de que a ação foi proposta na Suprema Corte: trata-se do Tribunal Superior de Bogotá.

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