Mais de 60 organizações lançam manifesto em defesa da Moratória da Soja
Compromisso voluntário firmado em 2006 ajudou a derrubar o desmatamento na Amazônia e vem sendo questionado por governos estaduais e empresas do agro
(DO WWF) Nesta quinta-feira (12), 66 organizações publicaram um manifesto em defesa da Moratória da Soja, um acordo voluntário firmado pelas empresas comercializadoras de soja, em 2006, diante da pressão de consumidores europeus pela eliminação do desmatamento da cadeia de produção da soja no bioma Amazônia.
Confira o manifesto na íntegra aqui.
O documento é lançado em um contexto de ataque à Moratória da Soja, em que parlamentares e produtores de soja tentam afrouxar ou acabar com as restrições previstas no acordo voluntário. Como afirma o manifesto, “o acordo da Moratória parece estar caminhando para o fim por pressão de setores mais retrógrados do agronegócio brasileiro. Ignorando a realidade das crises climática e de biodiversidade em que vivemos, este segmento advoga por sua extinção, como pronunciado repetidas vezes em duas audiências públicas na Câmara dos Deputados, com envio de representação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Assembleias legislativas aprovaram leis no âmbito estadual (Lei 12709-MT e Lei 5837-RO), e existem projetos de lei semelhantes em outros estados, como o PL 1041 GO e o PL 419-PA, bem como um Projeto de Lei no Congresso Nacional (PL 3927)”. O manifesto esclarece que tais iniciativas visam a retirada de incentivos fiscais para empresas que adotem critérios de compra adicionais ao Código Florestal, e, são prejudiciais à toda sociedade por incentivarem o desmatamento.
Assinaram o manifesto organizações como CNS – Conselho Nacional das Populações Extrativistas, IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), ISA (Instituto Socioambiental), Greenpeace Brasil, Observatório do Clima, WWF-Brasil, SOS Amazônia, SoS Mata atlântica, entre outras.
Angela Mendes, Presidente Executiva do Comitê Chico Mendes, diz:
“Há pouco tempo nossa preocupação ambiental aqui no Acre era com o desmatamento para transformar a floresta em pasto de boi, mas nos últimos anos a soja vem dominando a paisagem, sobretudo no Vale do Acre, de Rio Branco à Assis Brasil ela tá presente. A soja é concentradora de terra e acelera ainda mais o aumento das desigualdades sociais e a violência contra populações no entorno. A Reserva Extrativista Chico Mendes está distribuída entre os 7 municípios do Acre com maior concentração do agronegócio, justamente o vale do Acre que citei acima. A resex representa o único foco de resistência aos desmatamentos e queimadas nessa região e foi fruto da intensa luta, resistência e mobilização de Chico Mendes, mas corre um sério risco de que as invasões que já são muitas possam ser impulsionadas com a presença da soja. Um outro perigo, que inclusive já é vivenciado em algumas áreas da resex e adjacências é o uso extensivo de agrotóxicos, através de pulverização aérea que está destruindo as plantações de produtos de subsistência como feijão e milho e intoxicando a população. Isso não pode continuar acontecendo, o poder público não consegue combater esses problemas de forma estrutural e o único instrumento que se tem para tratar essa situação com cuidado e atenção é a moratória da soja, mas as forças do agronegócio estão num esforço de destruir esse mecanismo e não podemos permitir de jeito nenhum que isso aconteça, aí sim, o fim da Amazônia estará decretado de vez.”
Cristiane Mazzetti, coordenadora da frente de Florestas do Greenpeace Brasil, afirma:
“Existe uma forte pressão vinda das alas mais retrógradas do agronegócio para eliminar toda e qualquer restrição à agricultura predatória. A Moratória da Soja é a bola da vez e o ataque não vai cessar. Demandamos que as empresas participantes não se curvem a essas pressões e joguem fora 18 anos de resultados da Moratória, que elas ajudaram a construir. Isso significa que precisam permanecer no acordo, sem promover flexibilizações, já que seu formato atual reduziu amplamente a participação da soja no desmatamento da Amazônia. O desmatamento zero é uma exigência crescente de mercado, sendo a Moratória uma medida fundamental neste sentido, somando no esforço global de manter o aquecimento do planeta em 1.5ªC”
Edilene Fernandes, Consultora Jurídica do Observa-MT, comenta:
“A Moratória da Soja tem o objetivo de eliminar o desmatamento na cadeia de produção de soja no bioma amazônico e diversos estudos científicos têm comprovado o sucesso dessa iniciativa. No entanto, o acordo é constantemente atacado e vem sofrendo uma coibição a nível nacional, a exemplo do Governo de Mato Grosso que recentemente sancionou a Lei n. 12.709/2024, que retira o incentivos fiscais a empresas que tenham aderidos a acordos comerciais para a redução do desmatamento nas suas cadeias de suprimentos. Com a Moratória houve uma queda de 30% para 1% da área de expansão de soja em vegetação nativa somente em Mato Grosso. Precisamos defender esse importante instrumento de incentivo ao desenvolvimento sustentável, por isso o Observa-MT assina o manifesto, ciente que todos os esforços são necessários para o enfrentamento do desmonte da Moratória da Soja, que está em curso no nosso país.”
Alice Thuault, Diretora Executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), afirma:
“A aprovação desses projetos de leis pelas assembleias legislativas e executivo estaduais, com o objetivo de descontruir esse instrumento fundamental para a redução do desmatamento, é uma manifesta falta de comprometimento com a crise climática”.
Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, destaca:
“A preservação da Amazônia deveria estar no topo das prioridades dos produtores rurais, que já sentem os efeitos da mudança do clima e da alteração no regime de chuvas que o desmatamento do bioma já provoca. A ciência já provou a importância da Amazônia para o clima mundial e para o regime de chuvas no centro-sul da América do Sul, do qual dependem a segurança elétrica e hídrica das milhões de pessoas que vivem na região. Nesse sentido, a Moratória da Soja tem se provado uma iniciativa muito bem-sucedida, pois não impediu a expansão da soja no bioma mas sim o desmatamento provocado por sua expansão. Embora firmado há quase duas décadas, é um acerto multissetorial em linha com acordos globais de clima, biodiversidade e até comerciais, como o recente pacto entre a União Europeia e o Mercosul, que prevê salvaguardas ambientais. Hoje ela é uma garantia para consumidores de todo o mundo que não estão consumindo soja oriunda do desmatamento da maior floresta tropical do planeta. Por isso, é também uma garantia para os exportadores que geram divisas para o país. E falando em Brasil, a Moratória da Soja é também um elemento de credibilidade para quem vai sediar a próxima conferência do clima, uma vez que o desmatamento da Amazônia é uma das mais graves ameaças à estabilidade climática no planeta.”
Exemplo bem-sucedido de redução de desmatamento em cadeias produtivas
A Moratória da Soja é liderada pelo setor industrial da soja e o compromisso foi adotado e implementado pelas traders (grandes exportadoras) como resposta à pressão de compradores europeus do grão brasileiro. A sua governança e operação são de responsabilidade do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), constituído pelas empresas associadas à ABIOVE e à ANEC, por cooperativas, cerealistas e revendas, representantes do governo e por organizações da sociedade (aqui representadas pelo Greenpeace e WWF).
Além da União Europeia e Inglaterra, outros mercados como Tailândia, Indonésia, Vietnã, Israel e China levam em consideração a declaração da Moratória, que confirma que a produção de soja não seja de áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008. A declaração é emitida pelo GTS.
A iniciativa é o exemplo mais bem sucedido do mundo de conciliação do desenvolvimento da produção agrícola de larga escala com a responsabilidade ambiental, em seu quesito mais crítico: desmatamento zero.