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Metas de Glasgow limitariam aquecimento a 2°C, diz estudo

Pesquisadores fazem primeiro cálculo de potencial dos compromissos adotados na última conferência do clima

13.04.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Ainda existe uma chance concreta de limitar o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século, cumprindo a meta menos ambiciosa do acordo do clima de Paris. A conclusão é de um estudo publicado nesta quarta-feira (13) no periódico científico Nature, que calculou a soma dos compromissos adotados no ano passado na COP26, a conferência do clima de Glasgow. Segundo o novo trabalho, se todas as promessas feitas na reunião da Escócia forem cumpridas à risca, a humanidade conseguirá limitar o aumento da temperatura global em 1,9°C até 2100.

Infelizmente, com as promessas de mitigação atuais, os países terão apenas algo em torno de 6% a 10% de chance de cumprir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, que seria evitar um aumento de temperatura superior a 1,5°C.

“Podemos dizer que o artigo traz boas e más notícias. A boa é que pela primeira vez projetamos que é possível manter o aquecimento abaixo da simbólica marca dos 2°C com as promessas que já estão postas na mesa. Isso implica, é claro, que os países cumpram todos os objetivos que estabeleceram e que deem o suporte necessário para que os mais vulneráveis consigam cumprir suas metas no tempo determinado. A má notícia é que nosso estudo mostra claramente que, se quisermos chegar perto do objetivo de limitar o aumento a 1,5°C, temos de aumentar as ambições imediatamente e começar a implementar políticas efetivas de mitigação até 2030”, afirmou em coletiva de imprensa o alemão Malte Meinshausen, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Melbourne, na Austrália.

O cenário apresentado no estudo é muito diferente daquele projetado há uma década, quando pesquisadores estimavam que, se o mundo continuasse emitindo gases de efeito estufa no mesmo ritmo, chegaríamos ao fim do século com um acréscimo de 4oC a 5°C em relação aos níveis pré-industriais. Na semana passada, o próprio IPCC, o painel do clima da ONU, lançou seu relatório sobre corte de emissões alertando que a soma dos compromissos dos países deixava o mundo na direção dos 3,2oC. O IPCC avisava, porém, que sua avaliação não havia considerado os novos compromissos apresentados na COP26.

Meinshausen e colegas fizeram projeções de cenários de aquecimento a partir das primeiras NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) submetidas em 2015 e daquelas atualizadas em 2021, na COP26. Eles mostraram que, até 2016, 153 países haviam apresentado metas de mitigação climática atualizadas para 2030 e 75 nações haviam submetido metas de longo prazo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. As análises dessas promessas indicaram que os planos eram insuficientes, ou seja, que ainda havia uma chance superior a 50% de que o planeta aquecer mais do que 2°C até 2100.

No entanto, os pesquisadores explicam que ao longo dos últimos dois anos houve um número significativo de atualizações das NDCs com promessas mais ambiciosas de longo prazo por parte de diversos países para zerar as emissões liquidas até 2050, 2060 ou 2070. Eles estimaram que, se todas as promessas forem implementadas integralmente e dentro do prazo, o pico de aquecimento poderia ser limitado a 1,9oC–2,0°C. A previsão dos pesquisadores é que seria possível, com o cumprimento dessas metas, reduzir em até 34% as emissões até 2050 em relação a 2010. No mais recente relatório do IPCC, divulgado na semana passada, cientistas haviam alertado que, para uma chance de 50% ou mais de limitar o aquecimento a 1,5°C, seria necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% em comparação com os níveis de 2010 até 2030, algo que está longe das metas dos países.

Um mundo 2°C mais quente, apesar de ser menos catastrófico do que os cenários previstos há uma década, ainda traz riscos imensos para a humanidade. Se hoje (em que o planeta registra uma temperatura cerca de 1,09ºC maior do que a observada no período de 1850 a 1900) eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes, a tendência é de uma piora significativa. No seu relatório mais recente, o IPCC indicou, por exemplo, que com 2°C acima dos níveis pré-industriais, a população ficará até 37% mais exposta a eventos de calor extremo, o nível do mar pode aumentar em até 0,46 metros e pelo menos 6,6 milhões de km2 de gelo devem derreter. Em 2018, o painel do clima mostrou que a diferença entre os impactos de um mundo 2oC mais quente e 1,5oC mais quente é grande o suficiente a ponto de justificar o esforço para manter viva a meta mais robusta. A 2oC, países insulares do Pacífico devem ser riscados do mapa.

Por isso, e pela incerteza sobre a capacidade dos países de cumprir as metas estabelecidas em Glasgow, os autores do estudo alertam que é preciso olhar para o um futuro de 2°C mais quente com ceticismo. “Não podemos dar como certo que os países irão implementar as promessas na íntegra e no tempo determinado”, disse Christophe McGlade, pesquisador da International Energy Agency (IEA) e um dos autores do recente estudo, em entrevista coletiva.

De fato, um relatório publicado no ano passado pela Organização das Nações Unidas (ONU) indicou que os países membros do G20, que respondem por cerca de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa, já estava falhando em cumprir as metas e objetivos estabelecidos em suas primeiras NDCs para reduzir as emissões até 2030. No artigo, os autores apontam que ainda há uma série de desafios e incertezas a serem superados, e que qualquer otimismo “deve ser contido até que as promessas de reduzir as emissões no futuro sejam apoiadas por ações mais fortes de curto prazo”.

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