MPF pressiona e ANP adia leilão de petróleo por razões ambientais
Objetivo é excluir áreas de preservação ambiental e sobrepostas a terras indígenas
DO OC – A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deve adiar o próximo leilão de blocos de petróleo para 2025. A justificativa é que a agência está revendo alguns blocos para retirar das rodadas os que estejam sobrepostos a territórios indígenas e em áreas de preservação ambiental em terra e mar. “É quase certo que não haverá leilão neste ano”, disse Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP, em uma conversa com jornalistas na segunda-feira (6) durante a Conferência de Tecnologia Offshore, em Houston, nos Estados Unidos. O discurso foi feito alguns dias após o Ministério Público Federal (MPF) determinar que sejam anuladas as concessões de blocos da Bacia Sedimentar do Amazonas leiloados em 13 de dezembro do ano passado.
“Estamos revendo alguns blocos que eventualmente trazem muito mais ruído do que atratividade. São blocos que foram incluídos no estoque a partir de um critério mais antigo da lei, que não impunha certas restrições de caráter ambiental e social. Eles só estavam válidos por terem sido incluídos numa fase em que essas restrições eram menores. Por isso estamos fazendo um pente fino para retirá-los”, disse.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma ação civil pública para anular a concessão de quatro blocos e uma Área de Acumulação Marginal – área inativa onde a produção foi interrompida ou nem iniciada – presentes na Bacia Sedimentar do Amazonas. A ação é contra a ANP, que realizou o 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC) no ano passado, e as empresas Atem Distribuidora e Eneva SA, que arremataram as áreas. Os blocos citados, inclusive, foram homologados no dia 26 de março, o que significa que as empresas já poderiam assinar o contrato de concessão.
A decisão publicada em 3 maio determina que a concessão dos blocos AM-T-63, AM-T- 64, AM-T-107 e da Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim seja anulada ou suspendida enquanto não for realizada a consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Já em relação ao bloco AM-T-133, além da consulta, a anulação foi determinada por causa de sobreposição à Terra Indígena Maraguá.
Segundo o MPF, os laudos avaliados apontam que a exploração dos blocos tem o potencial de impactar seis terras indígenas e ao menos 11 unidades de conservação. O órgão ressalta que em 2015 havia recomendado à ANP para que retirasse dos leilões blocos da bacia amazônica que a exploração tivesse o potencial de prejudicar o meio ambiente e as comunidades locais.
O que não faltou foram avisos para que a ANP excluísse áreas sensíveis do leilão. Antes do megaevento que ofereceu 603 áreas para exploração, o Instituto Arayara publicou um estudo que mostrava que ao menos 77 blocos violavam as diretrizes ambientais. O documento foi apresentado à ANP em uma tentativa de excluir os blocos problemáticos do leilão, o que não ocorreu. A organização também moveu ações judiciais. “A litigância ambiental reflete a falta de diálogo entre governo e sociedade civil já que o Arayara preparou estudos para alertar a ANP sobre os impactos socioeconômicos e de biodiversidades relacionados às explorações, mas a agência não realizou alterações no edital para refletir os pontos”, comenta Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara. No fim de dezembro, a Justiça do Amazonas aceitou parcialmente uma ação do Arayara e determinou que a ANP divulgasse na página do leilão a sobreposição parcial dos blocos AM-T-64, AM-T-107 e AM-T-133 a unidades de conservação.
“A ANP deve ter sentido o peso de leiloar blocos em áreas ambientalmente sensíveis. Se ela de fato excluir áreas do próximo leilão, será uma vitória para a sociedade civil, que vem reivindicando isso há anos. Por outro lado, é preocupante que o país ainda insista em oferecer novas áreas de exploração de combustíveis fósseis enquanto as mudanças climáticas estão piorando”, comenta Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
O Observatório do Clima pediu à ANP mais informações sobre a revisão e os nomes das áreas que podem ser retiradas dos ciclos de ofertas permanentes, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. As declarações de Saboia destacadas pela imprensa não aparecem nas publicações que a agência fez no X (antigo Twitter) sobre a viagem a Houston. No perfil, foi destacada a visita do presidente da ANP Daniel Maia Vieira à sede da petroleira ExxonMobil e uma apresentação feita por Saboia durante a conferência para exaltar o Brasil como uma potência na matriz energética limpa e descarbonizada, apesar de o país ainda não ter apresentado um plano de transição energética.
Na tarde de sexta-feira (10), após a publicação da reportagem, a ANP confirmou que não há expectativa de um leilão ainda em 2024, pois o processo para a publicação de novos documentos possui ações que demandam tempo, como a obrigatoriedade de consulta pública por 45 dias e a revisão dos editais e contratos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de no mínimo 90 dias. (PRISCILA PACHECO)