Foto: Augusto Dauster/Ibama

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Na newsletter: “Agora só podemos esperar limitar os danos”, dizem cientistas

21.10.2024 - Atualizado 21.10.2024 às 14:35 |

Falta menos de um mês para a COP29, a conferência do clima da ONU, no Azerbaijão, e apenas dois dias para a COP16, a conferência da biodiversidade, na Colômbia. Ambientalistas que se preparam para ir às duas conferências têm um mesmo recado: para atacar as crises gêmeas do clima e das extinções, os combustíveis fósseis precisam ir embora. Como a tragédia da Amazônia e do Pantanal em 2024 deixa claro, combater o desmatamento pode não ser o suficiente para manter esses ecossistemas, arrasados por incêndios florestais na esteira da pior seca já medida no Brasil. Em Cali, na COP16, a pressão é para que regiões como a amazônica sejam declaradas zonas livres de fósseis; em Baku, na COP29, para que os países ricos liberem recursos para financiar a eliminação gradual de petróleo, gás e carvão dos sistemas energéticos.

Falta, claro, combinar com a indústria. Como mostrou a Agência Internacional de Energia em seu relatório anual World Energy Outlook, petróleo, gás e carvão seguem barbarizando pelo mundo. Mesmo com o crescimento vertiginoso das fontes renováveis, a participação dos fósseis no setor de energia em 2023 seguiu na casa dos 80%, como no ano anterior. Dois terços do aumento na demanda global por energia em 2023 foram atendidos por combustíveis fósseis. E, com o Oriente Médio e a Rússia em conflagração e os preços em alta, há pouco incentivo para a indústria mudar.

Com efeito, o oposto parece estar acontecendo: a britânica BP recentemente anunciou sua decisão de desistir do próprio plano de descarbonização em favor de novas descobertas de hidrocarbonetos no Iraque e no Kuwait, e a Petrobras publicará no mês que vem um planejamento estratégico para 2025-2029 com o mesmo foco em expandir a produção. Seja metendo a broca no subsolo, seja cooptando agentes públicos e celebridades, a indústria trabalha como se não houvesse amanhã – ou, mais precisamente, trabalha para que não haja amanhã: como você lerá abaixo, o mundo caminha para um aquecimento de 2,4ºC acima dos níveis pré-industriais na melhor hipótese, e cientistas acabam de decretar que um clima como o atual jamais foi experimentado em nenhum momento em mais de 2 milhões de anos de existência do gênero Homo.

A “boa” notícia, segundo a IEA, é que até 2030 o consumo de fósseis deve finalmente atingir seu pico, e quem investir muito em nova infraestrutura de produção agora pode micar com esses ativos em breve. Alô, Brasil.

Boa leitura.

“Agora só podemos esperar limitar os danos”

A gente ia escrever uma nota sobre o estudo anual Estado do Clima, publicado por um grupo internacional de cientistas que monitora 35 sinais de colapso planeta e concluiu neste ano que 25 deles bateram recorde histórico.

Mas nada do que disséssemos aqui faria justiça ao pânico expresso no próprio relatório, então vamos apenas traduzir sua introdução:

“Estamos à beira de um desastre climático irreversível. Esta é uma emergência global, sem qualquer dúvida. Grande parte do tecido da vida na Terra está ameaçada. Estamos entrando em uma nova fase crítica e imprevisível da crise climática.

Por muitos anos, cientistas, incluindo um grupo de mais de 15 mil, têm soado o alarme sobre os perigos iminentes das mudanças climáticas, impulsionadas pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa e pela mudança nos ecossistemas. Por meio século, o aquecimento global tem sido corretamente previsto, mesmo antes de ser observado — e não apenas por cientistas acadêmicos independentes, mas também por empresas de combustíveis fósseis.

Apesar desses alertas, ainda estamos indo na direção errada; as emissões de combustíveis fósseis aumentaram para um nível recorde, os três dias mais quentes da história ocorreram em julho de 2024, e as políticas atuais nos colocam no caminho para um aquecimento máximo de aproximadamente 2,7 graus Celsius (°C) até 2100.

Tragicamente, estamos falhando em evitar impactos graves e agora só podemos esperar limitar a extensão dos danos. Estamos testemunhando a dura realidade das previsões, à medida que os impactos climáticos se intensificam, trazendo cenas de desastres sem precedentes ao redor do mundo, além de sofrimento humano e não humano. Encontramo-nos em meio a uma abrupta convulsão climática, uma situação terrível jamais encontrada nos anais da existência humana. Trouxemos o planeta para condições climáticas nunca antes vistas por nós ou por nossos parentes pré-históricos dentro do nosso gênero, Homo. Leia o relatório, em inglês, aqui.

Agência vê pico de demanda por petróleo até o final da década

Não vai ser por falta de aviso. A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla e inglês) confirmou, em seu relatório anual World Energy Outlook, a tendência de que a demanda por energia de fontes fósseis atinja o pico até o final desta década. Quem está, como o Brasil, apostando todas as fichas em novos empreendimentos de petróleo e gás pode dar com os burros n’água e terminar com ativos encalhados.

A IEA vê um novo contexto energético a partir de 2025, em que os novos projetos de gás natural (sobretudo do Catar) e de petróleo (de Brasil, Canadá, Estados Unidos e Guiana, o chamado “quarteto americano”) conduzirão a um crescimento significativo na oferta, enquanto o crescimento na demanda por energia de fontes fósseis se encerrará antes de 2030. Repita conosco: ativos encalhados para quem for com muita sede ao pote (no caso, ao poço).

O resto é o de sempre: o crescimento das renováveis segue insuficiente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa pelo setor energético. A participação dos fósseis no setor de energia em 2023 seguiu na casa dos 80%, como no ano anterior. Dois terços do aumento na demanda global de energia em 2023 foram atendidos por combustíveis fósseis. Com as políticas atuais, o mundo caminha para um aquecimento de 2,4ºC acima dos níveis pré-industriais. Mais aqui.

Reunião em Baku termina em impasse sobre financiamento

A presidência azeri da COP29 tentou, mas não foi desta vez: uma reunião ministerial realizada em Baku na semana passada para tentar avançar na negociação da nova meta global de financiamento climático terminou em impasse. A ideia era levar ministros e chefes de delegação à cidade-sede para tentar começar a discutir os valores do aporte a ser feito pelos países ricos para substituir a pífia quantia (jamais entregue) de US$ 100 bilhões ao ano. Países em desenvolvimento e ONGs falam de subvenções na casa do US$ 1 trilhão por ano. Mas a conversa sobre o chamado quantum azedou, bem como a tentativa dos desenvolvidos de aumentar a base de países que contribuem com financiamento para os mais pobres (tentando incluir China e árabes). Não há sombra de acordo sobre quanto do quantum deve ser na forma de “provisão” de recursos, ou seja, doações, e quanto deve ser de “mobilização” de várias fontes, inclusive capital privado. O Brasil fez uma proposta de parcelar a própria negociação: propôs que as conversas na COP29 foquem exclusivamente na provisão de dinheiro do Norte para o Sul global, e que a conversa sobre outras fontes seja feita no ano que vem em Belém, na COP30. Os ricos não engoliram o “na volta a gente compra”.

Símbolo antinegacionismo, biólogo faz propaganda para a Shell e apanha nas redes

Ele virou herói da pátria. Salvou vidas ao tornar-se o rosto mais conhecido do país na luta contra o negacionismo do governo Bolsonaro na pandemia. Enfrentou o ódio dos fascistas e virou até tema de desenho animado. Agora, o virologista e influenciador Atila Iamarino apanha nas redes sociais justamente por se unir ao obscurantismo que foi celebrizado por combater. O biólogo paulista publicou conteúdos patrocinados pela petroleira Shell em seu Instagram. Foram três vídeos divulgados entre 25 de setembro e 17 de outubro. O primeiro promove o etanol aditivado da gigante. O segundo aborda a transição energética e destaca que o Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, embora ressalte que o petróleo “se tornou central em nossa vida moderna”. O último vídeo explica de onde vem o petróleo e como ele influencia nossas vidas, afirmando que a Shell possui tecnologia para explorar e produzir no Brasil de forma segura e confiável, “oferecendo energia vital e ajudando a impulsionar vidas”. Resposta aqui.

A Shell é uma das empresas que estão na própria origem do negacionismo climático. Pelo menos desde 1988 a petroleira tem conhecimento de sua responsabilidade nas mudanças climáticas, pois seus próprios especialistas apresentaram evidências disso. Optou por esconder as evidências e bancar grupos de lobby para impedir regulações pró-clima. Hoje é campeã da defesa vaga da “transição energética”, a nova roupa do negacionismo, declarando em público sua preocupação com o clima e operando em privado pela expansão infinita de projetos fósseis.

Helene e Milton foram intensificados pelas mudanças climáticas

Dois estudos publicados pela Rede Mundial de Atribuição (WWA, na sigla em inglês) apontam que as mudanças climáticas tornaram furacões intensos, como Helene e Milton, aproximadamente duas vezes mais prováveis. Helene atingiu os Estados Unidos no final de setembro. No início de outubro, enquanto equipes ainda trabalhavam nos estragos causados por Helene, Milton também chegou ao país. Os dois furacões provocaram a morte de quase 300 pessoas – número que pode aumentar, pois ainda há desaparecidos –, sendo a maior parte das mortes causada por Helene.

Rio Paraguai atinge menor nível da história

Após o Rio Negro, na Amazônia, atingir o menor nível em 122 anos de monitoramento no início de outubro, o recorde negativo agora pertence ao Rio Paraguai, no Pantanal. Um boletim publicado na quarta-feira (16) pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) mostrou que, em Ladário (MS), o rio registrou 68 centímetros negativos na régua de medição, a menor marca em 124 anos.

“Com base no prognóstico e nas informações disponíveis, é provável que o nível do rio em Ladário continue baixo. Considerando os anos mais críticos, pode permanecer abaixo de 10 centímetros até a primeira quinzena de dezembro, o que sugere que o rio pode baixar ainda mais ou se manter nesse patamar crítico por algumas semanas”, informou o SGB.

Em Porto Murtinho, próximo ao trecho em que o Rio Paraguai deixa o Brasil, a cota também atingiu o mínimo registrado, com 60 centímetros. Esse número é 13 centímetros menor do que o recorde anterior, registrado há mais de 50 anos.

Na Playlist

Emergency on Planet Earth, do Jamiroquai. Não tem a ver, mas tem tudo a ver.

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