Registro feito durante sobrevoo no sul do Amazonas e no norte de Rondônia em julho de 2024 (Marizilda Cruppe / Greenpeace)

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Na newsletter: As emissões de CO₂ nas alturas e o Brasil ainda em chamas

23.09.2024 |

Respirar não tem sido fácil no Brasil. Afinal, o fogo que devasta a nossa vegetação não dá trégua. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que, em setembro, o número de focos de incêndio superou o mesmo período do ano passado em cinco dos nossos seis biomas.

Além de sufocar, as chamas mandam mais CO₂ para a atmosfera. É um feedback positivo daqueles. As mudanças climáticas, que chegaram com o pé na porta, provocam seca e aumento de temperatura — elementos “perfeitos” para espalhar os incêndios. Aí, as queimadas emitem mais gases, que pioram ainda mais o desequilíbrio do clima. E agora?

Mesmo assim, parece que a tragédia anunciada não entra na cabeça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de alguns de seus ministros. Lula, que quer transformar o Brasil em exemplo no combate à crise climática, prometeu concluir a pavimentação da BR-319. Sim, aquela que teve a Licença Prévia foi suspensa.

Enquanto isso, Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, e Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, enviaram uma carta à União Europeia pedindo o adiamento da implementação da regulação europeia sobre commodities livres de desmatamento. Faz sentido?

Outro ponto curioso: as petroleiras receberam R$ 260 bilhões em renúncias fiscais no Brasil entre 2015 e 2023. Ok, essa conta não é só da gestão Lula, mas é difícil entender como o país pretende liderar uma agenda climática investindo tanto em petróleo.

Mas nem tudo são más notícias. Nesta edição, você também vai ler sobre o aumento dos processos climáticos contra empresas produtoras de combustíveis fósseis desde 2015 em outros países. A maioria desses casos aborda a responsabilidade das empresas pelos danos climáticos e pela publicidade enganosa.

Boa leitura!

EMISSÕES DE CO2 POR INCÊNDIOS NA AMAZÔNIA AUMENTAM

Foram 31,5 milhões de toneladas de CO₂ emitidos

Os incêndios que queimaram 2,4 milhões de hectares de florestas, campos e pastagens na Amazônia entre junho e agosto de 2024 emitiram 31,5 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, representando um aumento de 60% em comparação com o que foi emitido no mesmo período do ano passado. A análise foi realizada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), instituição integrante do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).

Considerando apenas a vegetação florestal, com 700 mil hectares queimados, a estimativa aponta emissões de 12,7 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, mais do que o dobro do registrado no mesmo período de 2023. O Brasil não contabiliza as emissões oriundas de incêndios no inventário nacional, que inclui apenas o carbono emitido por queimadas ligadas ao desmatamento. No entanto, o SEEG registra todas as emissões em seus relatórios. A análise do Ipam também destaca que as emissões continuam após o fim do fogo devido à decomposição da vegetação atingida. Estima-se que, nos próximos 5 a 10 anos, mais de 2 a 4 milhões de toneladas de CO₂ equivalente poderão ser emitidas por essa razão. 

Os incêndios continuam intensos no Brasil. Dados do INPE mostram que a Amazônia registrou 33.294 focos entre 1 e 20 de setembro, um aumento de 79% em comparação com o mesmo período do ano passado. No Pantanal, na Mata Atlântica e no Cerrado, o número de focos cresceu 11,8, 4,7 e 2,4 vezes, respectivamente. O Pampa registrou 56 focos de incêndio; no mesmo período do ano passado, foram apenas seis.

Outros países também estão enfrentando incêndios florestais. Um exemplo é Portugal, onde mais de 146,6 mil hectares foram queimados neste ano. Nesta quinta-feira (19), o observatório climático europeu Copernicus divulgou que os incêndios que devastam o norte do país desde 14 de setembro resultaram na maior emissão de carbono e poluentes nocivos para o mês, em 22 anos de registros. Foram 1,9 milhão de toneladas de carbono até 18 de setembro. O recorde anterior para o mês era de 2003, quando o fogo em Portugal lançou 1 milhão de toneladas de carbono na atmosfera. O intenso fogo dos últimos dias provocou a morte de ao menos sete pessoas, incluindo um brasileiro. Países como Espanha, Itália, França e Marrocos já enviaram ajuda a Portugal.

É isso mesmo, presidente?

LULA PROMETE PAVIMENTAR BR-319

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer concluir a pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Segundo o presidente, a obra é necessária devido à seca nos rios amazônicos. Ele também prometeu retomar a pavimentação de forma responsável, para evitar desmatamento e grilagem de terras nas áreas próximas à estrada. No entanto, a defesa de Lula gera preocupação, pois as rodovias são conhecidas como vetores de destruição da Amazônia, que agrava a crise climática e, consequentemente, as secas.

Durante seu primeiro mandato, iniciado em 2003, Lula incluiu a pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém) em um plano de desenvolvimento sustentável. No entanto, essa “boa intenção” não se sustentou, e a BR-163 acabou se tornando um dos exemplos de como uma rodovia pode contribuir para a devastação da floresta amazônica. Como acreditar que será diferente agora, com a BR-319?

“A pavimentação da seção central da BR-319, sem garantir a governança ambiental e a presença do governo na região, levará a um desmatamento histórico, como apontado por muitos especialistas e pela agência ambiental federal do Brasil no processo de licenciamento”, disse à agência AP Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “Sem a floresta, não há água; está tudo interconectado”, reforçou Suely.

Em agosto, a Justiça manteve a suspensão da Licença Prévia (LP) para a pavimentação da BR-319. O Observatório do Clima havia ajuizado uma ação civil pública contra a LP, alegando que a licença desconsiderava dados técnicos, análises científicas e uma série de pareceres elaborados pelo Ibama durante o processo de licenciamento ambiental. Ao que parece, Lula quer adicionar mais capítulos à longa novela da estrada, cuja construção começou durante a ditadura militar, na década de 1970.

Aiaiai!

CARTA DE MINISTROS À UE BALANÇA A LIDERANÇA CLIMÁTICA BRASILEIRA

Nesta semana, o Observatório do Clima enviou à Comissão Europeia uma nota em resposta ao comunicado dos ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Mauro Vieira (Relações Exteriores). Os ministros solicitaram o adiamento da implementação da EUDR, a regulação europeia sobre commodities livres de desmatamento. Na nota, a rede de organizações afirma que a carta dos ministros “sabota a liderança climática do Brasil”.

“É inadmissível que, com o país inteiro em chamas e às portas da COP30, autoridades do governo brasileiro se comportem como porta-vozes de parte de um setor da economia bastante implicado na perda de biodiversidade e nas mudanças climáticas para defender que a UE atrase a implementação da legislação, o que, em última análise, prejudica o próprio agronegócio brasileiro”, diz a nota do Observatório do Clima.

Leia mais aqui.

Rios de dinheiro

PETROLEIRAS RECEBERAM R$ 260 BILHÕES EM RENÚNCIAS FISCAIS NO BRASIL ENTRE 2015 E 2023

Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que a indústria de petróleo e gás recebeu R$ 260 bilhões em renúncias fiscais no Brasil entre 2015 e 2023. O montante foi direcionado a 267 empresas do setor, impactando diretamente a arrecadação do governo federal. Em 2020, foram registrados os maiores valores de renúncias em um ano, totalizando R$ 56 bilhões.

Os dados foram obtidos via Receita Federal, que, em 2023, passou a divulgar informações detalhadas por pessoa jurídica beneficiada, conforme estabelecido pela portaria nº 319 do mesmo ano. Segundo o Inesc, apesar do avanço proporcionado por essa portaria, ainda é necessária maior transparência, especialmente no que diz respeito à mensuração oficial da composição e do tamanho dos subsídios concedidos à indústria fóssil.

Leia a nota técnica completa aqui.

Nos tribunais

PROCESSOS CONTRA PETROLEIRAS QUASE TRIPLICARAM DESDE O ACORDO DE PARIS

Uma análise publicada pelas organizações Oil Change International e Zero Carbon Analytics aponta que os processos judiciais climáticos contra empresas produtoras de combustíveis fósseis aumentaram desde a implementação do Acordo de Paris, em 2015. No ano da assinatura do tratado, apenas cinco novas ações foram iniciadas contra essas empresas. Em 2023, 14 novos casos foram abertos, quase três vezes mais do que o registrado em 2015.

A análise, que abrange processos entre 1998 e julho de 2024, contabilizou 86 casos. A maioria, 38% do total, está relacionada à responsabilidade das empresas pelos danos causados pelos impactos das mudanças climáticas, como eventos extremos. A segunda maior categoria são os casos de publicidade enganosa, que representam 16%.

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