Na newsletter: Apesar da propaganda, lixões aumentaram sob Bolsonaro
Edição de 10 de fevereiro traz novos dados sobre destinação do lixo, anúncio da UE sobre emissões e agro afetado pela crise do clima
Todo brasileiro que se importa com a democracia, a liberdade, os direitos humanos e padrões mínimos de civilização termina esta semana com um misto de alívio e horror. A operação da Polícia Federal que começou a desbaratar a conspirata do bolsonarismo para dar um golpe de Estado escancarou papéis, inclusive o das Forças Armadas, prendeu militares e deu ao país uma esperança de punição aos golpistas – especialmente os de farda. Ao mesmo tempo, mostrou quão perto estivemos da instauração de uma ditadura.
Algo que apareceu lateralmente no noticiário sobre a operação Tempus Veritatis e que ainda precisa ser mais esclarecido é a influência de agentes ligados à economia extrativa e ao crime ambiental no complô verde-oliva. A decisão de Alexandre de Moraes que autorizou a ação da PF traz, por exemplo, a confirmação, da boca do ex-ajudante-de-ordens Mauro Cid, que “empresários do agro” financiaram as manifestações golpistas que, agora se sabe, foram desenhadas e estimuladas pela alta cúpula do governo federal. Num outro lance, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, foi preso em flagrante com uma pepita de ouro de garimpo – ilegal – no hotel onde mora em Brasília.
Esses dois casos são reveladores de uma simbiose conhecida, mas cuja extensão apenas imaginamos, entre as forças antiambientais, anti-indígenas e a extrema-direita. Entre desmatadores, grileiros, garimpeiros ilegais e negacionistas climáticos e a almôndega fundamentalista-militar que ocupou o poder de 2019 a 2022 e não tinha nenhuma intenção de entregá-lo pacificamente. Entre o boi, a bala e a bíblia. Aliados de primeira hora do Jair, os ruralistas se mantiveram fiéis ao capitão até o final – de fato, até depois do final. E se mantêm fortes no Congresso, prorrogando pela via legislativa o projeto ecocida e racista derrotado por muito pouco nas eleições do ano retrasado.
Passa da hora de o tal “agro moderno” se distanciar da turma que prefere passar a boiada, sob pena de naufragar junto com o “ogro”, seja sob a fúria de eventos climáticos extremos, como veremos nesta newsletter, seja sob o peso da Justiça.
Bom Carnaval.
Novos dados confirmam que governo Bolsonaro mentiu sobre o fechamento de lixões
Há quase dois anos, o Fakebook.eco mostrou que o principal resultado da chamada “agenda ambiental urbana” do governo Jair Bolsonaro só existia na propaganda. O governo anunciava ter fechado, à época, 645 lixões – mas dados públicos compilados pela reportagem comprovaram que, no mínimo, 195 desses lixões já estavam fechados desde 2018. Novos dados confirmam que o governo Bolsonaro não melhorou a situação da destinação do lixo no Brasil e mais: mostram que entregou um cenário pior do que o encontrado no início da gestão.
Produzido pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis, unidade do Ministério das Cidades), o Diagnóstico Temático Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos foi atualizado na última quinta-feira (8) e consolida dados de 2022, último ano da gestão Bolsonaro.
Naquele ano, 26,2% da massa total de lixo contabilizada foi destinada inadequadamente (em lixões ou aterros controlados, segundo definição do Snis), sendo 14,3% em lixões e 11,9% em aterros controlados. Em 2018, último ano do governo Temer, o percentual fora de 24,4% (13% em lixões e 11,4% em aterros controlados).
Os percentuais também pioraram quando considerado o número total de estabelecimentos para destinação do lixo. Em 2018, 72,2% do total de estabelecimentos correspondia a lixões e aterros controlados. Os aterros sanitários, que respondem pela destinação adequada, eram 27,8%. Em 2022, os estabelecimentos inadequados saltaram para 77,6% do total. O número absoluto de lixões e aterros controlados no Brasil passou de 1.577 em 2018 para 2.170 em 2022.
Leia reportagem de Leila Salim no Fakebook.eco.
UE PROMETE REDUZIR EMISSÕES EM 90%, MAS…
A notícia parece espetacular: a União Europeia anunciou no começo da semana que adotará uma meta de corte de 90% de suas emissões de gases de efeito estufa até 2040. O anúncio foi feito quase cinco meses antes do fim do prazo legal e abre de maneira auspiciosa a fila das novas NDCs, as metas nacionais no Acordo de Paris, que precisarão ser melhoradas até a COP30, em Belém. Mas há alguns detalhes chatos que tiram o brilho da sinalização de virtude do bloco: primeiro, fala-se em “emissões líquidas”, e o comunicado da Comissão Europeia explica que na receita desse bolo entra muita captura de carbono, por tecnologias diversas, além de energia nuclear e outras coisas que os ambientalistas chamam de soluções falsas. Depois, a UE insiste em neutralizar emissões em 2050, quando até as ovelhas do Azerbaijão sabem que países ricos terão de chegar lá bem antes, para que nações como Índia e Filipinas possam neutralizar mais tarde. Por fim, é eloquente o silêncio dos heróis da mitigação em relação ao financiamento climático que eles devem e que estará na ordem do dia na COP29, no fim deste ano.
AFETADO POR EXTREMOS CLIMÁTICOS, AGRO PEDE RESGATE AO GOVERNO
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária levou ao ministro Carlos Fávaro (Agricultura) no fim de janeiro um pedido de socorro. O calor extremo e as chuvas irregulares dos últimos meses já causaram uma previsão de quebra de safra de grãos de 13 milhões de toneladas neste ano, e os nossos pujantes e independentes produtores rurais querem auxílio financeiro para lidar com as “adversidades climáticas” e com o “El Niño”. Bons negacionistas que são, recusam-se a chamar a crise climática pelo nome. E não é para menos: nas últimas décadas, parte expressiva do agro brasileiro se dedicou com afinco a torpedear toda e qualquer política de combate à crise do clima e a espalhar desinformação a respeito.
DESMATAMENTO REDUZ SAFRAS NA AMAZÔNIA
pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais publicaram mais um estudo que mostra a relação negativa entre desmatamento e produtividade agrícola. Analisando dados climáticos de 1999 a 2019 na Amazônia, eles viram que o desmatamento atrasou o início da safra em 76 dias em algumas regiões, além de derrubar a quantidade de chuvas necessária para as safras de grãos. A combinação entre perturbações locais, por eliminação de florestas, e globais, pela crise do clima, só não é menos auspiciosa para a produção rural na região do que a insistência dos produtores em negar o segundo problema e investir no primeiro.
JANEIRO DE 24 FOI O MAIS QUENTE DA HISTÓRIA
O ano começou fervendo e os números provam. Na quinta-feira (8), o Copernicus, serviço climático europeu, divulgou que o mês passado foi o janeiro mais quente já registrado globalmente. Segundo as análises, a temperatura média do ar alcançou 13,14°C, 0,70°C acima da média de 1991-2020 para o mês e 0,12°C a mais em comparação com janeiro de 2020, recordista anterior. Em comparação com a era pré-industrial (1850-1900), os primeiros 31 dias do ano foram 1,66°C mais quentes. A temperatura média global nos últimos 12 meses, de fevereiro de 2023 a janeiro de 2024, também é a mais alta já registrada. Foi 0,64°C acima da média de 1991-2020 e 1,52°C superior à média de 1850-1900. Foi a primeira vez que ultrapassamos 1,5ºC, a meta do Acordo de Paris, num período de um ano. Não será a última. Leia mais aqui.
130 MORTOS NO CHILE E NOVA ONDA DE CALOR NO BRASIL
Os termômetros não têm nem tempo para diminuir. Uma segunda onda de calor na Argentina em menos de um mês está se movimentando rumo ao Brasil. Segundo monitoramento do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná estão sob alerta de perigo potencial para onda de calor neste momento. O Sul também pode enfrentar tempestades. O tempo seco e as temperaturas altas contribuíram para o alastramento de incêndios florestais catastróficos no Chile. Mais de 130 mortes já foram confirmadas. Nos Estados Unidos, tempestades atingiram a Califórnia e causaram mortes. Assim como no Brasil, milhares de pessoas ficaram sem energia elétrica.
CALOR ANORMAL FAZ DENGUE EXPLODIR NO BRASIL
Ainda não há uma epidemia no Brasil, mas as transmissões de dengue pelo mosquito Aedes aegypti estão assustando. Até sexta-feira (9), Acre, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal haviam decretado emergência. Cidades como Angra dos Reis (RJ), Rio de Janeiro e pelo menos seis em São Paulo seguiram o mesmo caminho. Já são 408,3 mil casos prováveis, 62 duas mortes confirmadas e 279 ainda em investigação. Série histórica do Ministério da Saúde iniciada no ano 2000 mostra um aumento de fatalidades nos últimos anos. Em 2022, pela primeira vez, o número de óbitos causados pela doença chegou à casa do milhar. Foram 1.053 registros. No ano passado, foram 1.094. Já existem evidências de que o aumento da temperatura e o desequilíbrio nas chuvas contribuem para a proliferação do Aedes aegypti. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Fiocruz já haviam alertado sobre isso. Estudos antigos e atuais também.
ESPONJAS CENTENÁRIAS GERAM CONTROVÉRSIA SOBRE AQUECIMENTO
Um estudo publicado nesta semana no periódico Nature Climate Change sugere que o 1,5°C, limite de aquecimento estabelecido pelo Acordo de Paris, já ficou para trás. Segundo a análise química de esponjas de 300 anos de idade no mar do Caribe, o planeta já estaria 1,7°C mais quente do que na era pré-industrial e dizem que em breve deve bater 2°C. O artigo causou polêmica entre a comunidade científica e comunicadores. Explicamos aqui a confusão.
MESMO APÓS COP28, PAÍSES SEGUEM MERGULHADOS EM COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS
Os grandes produtores de combustíveis fósseis são o exemplo perfeito do duplipensamento orwelliano, no qual se diz uma coisa e se faz o oposto. Toparam a eliminação dessas matérias-primas no texto do GST (Balanço Global do Acordo de Paris) na COP28, em Dubai, mas não largam grandes projetos de exploração. Os EUA até pausaram licenças para exportações de gás natural liquefeito, mas vão abrir novos poços de petróleo no Alasca. Canadá, Noruega e Austrália são outros ricaços contraditórios. É fato que os ricos precisam parar primeiro, mas isso não significa que vale tudo para grandes produtores do Sul global, caso do Brasil. Jean-Paul Prates, presidente da Petrobras, por exemplo, quer investir mais de US$ 100 bilhões (aproximadamente R$ 496 bi) na exploração de petróleo no mar. “Queremos ter condições de estar lá no final do declínio do petróleo. E, para isso, precisamos ter novas fronteiras abertas ou pelo menos acessíveis”, disse Prates. O problema dessa aposta de Prates é que todos os CEOs do petróleo querem a mesma coisa. E isso não cabe nem num planeta de 2ºC, que dirá num de 1,5ºC.
AZERBAIJÃO CONGELA HOTÉIS EM BAKU PARA SUBIR PREÇOS
Quem já tentou ser previdente e reservar hotel para a COP29, que acontece em novembro no Azerbaijão, provavelmente recebeu um email cordial dizendo que não seria possível efetuar a reserva porque o governo mandou congelar todos os hotéis em Baku. O regime azeri aparentemente está se espelhando no Egito, que tabelou lá em cima os preços de acomodação em Sharm El-Sheikh e tornou a COP27 proibitiva para alguns representantes da sociedade civil, em especial de países pobres. O Climate Home reportou a palhaçada (em inglês).
NA PLAYLIST
Os sons desta edição são dedicados a todo mundo que não teve busca e apreensão em casa nesta semana e que não vai passar o Carnaval na cadeia por ter tramado golpe de Estado.
- Who can it be now?, do Men at Work.
- Acorda amor, de Chico Buarque
- “Toc, toc, toc”, piseiro de autor desconhecido, circulando por aí nas internetes. Aviso: gruda na cabeça.
- E, como é Carnaval, menção honrosa para essa paródia do Renato Terra.