Não é possível simplesmente se ‘adaptar’ ao furacão Irma
Se a Flórida, com toda a sua musculatura infraestrutural e financeira, cedeu sob a pressão do furacão Irma, imagine as pequenas ilhas do Caribe
*POR MOHAMED ADOW
O furacão Irma, o mais poderoso furacão atlântico da história registrada, gerou um caos no Caribe e deixou partes da Flórida submersas. O tamanho do abalo causado às nações mais ricas do mundo nos mostra o quão difícil nós julgamos que seja a adaptação a tempestades dessa magnitude.
Infelizmente, esse é apenas um sinal do que está por vir. Um relatório da da Christian Aid publicado no ano passado mostrou que Miami seria a cidade mais afetada financeiramente por inundações costeiras nos próximos 50 anos, com 35 trilhões de dólares em recursos em risco até 2070. Mas se a Flórida, com a força financeira e infraestrutural de uma superpotência econômica cedeu sob a pressão do furacão Irma, pense um pouco acerca das pequenas ilhas do Caribe que sofreram as consequências da fúria do Irma e que não têm praticamente nenhum recurso para garantir um padrão de vida decente para a sua população, isso sem mencionar o investimento necessário para se protegerem de furacões de magnitudes recorde.
Como o Primeiro Ministro de Barbuda, Gaston Browne, disse à CNN, o Irma devastou 95% das propriedades da ilha e deixou Barbuda “praticamente inabitável”. “Estamos vivendo as consequências da mudança do clima”, ele concluiu.
A boa notícia é que esses pequenos estados insulares vulneráveis terão mais voz na ‘COP23’, a próxima conferência anual da ONU sobre o clima que vai ocorrer em novembro em Bonn, na Alemanha. Será a primeira vez que a presidência dos debates será comandada por um pequeno estado insular em desenvolvimento, Fiji, um país particularmente vulnerável aos impactos climáticos.
Os vizinhos assentados mais abaixo de Fiji no Pacífico, encaram uma ameaça existencial em função da elevação do nível do mar e há muito tempo tempo não têm voz nos debates globais. Agora eles vão ser capazes de trazer a sua perspectiva da linha de frente do colapso climático para a mais importante mesa de discussão do mundo.
O tópico principal da lista de prioridades deve ser o tema de perdas e danos, o reconhecimento de que, para as populações mais vulneráveis, se ‘adaptar’ aos níveis futuros das mudanças climáticas é simplesmente impossível. Por exemplo, alguns pequenos países insulares terão que ser realocados a terras mais altas. Barreiras marítimas e defesas contra inundações são praticamente inúteis quando suas ilhas já estão submersas.
Da mesma maneira, as nações mais pobres que possuem 95% de suas construções assentadas não podem se ‘adaptar’ a furacões como o Irma, nem as comunidades pastorais, como aquelas da minha região materna, no leste Africano, que têm seus rebanhos e sua subsistência destruídos por secas letais.
Essa situação foi formalmente reconhecida em 2013, quando as nações mais ricas assinaram o astuciosamente intitulado ‘Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos’. O mecanismo foi mais fortalecido quando as perdas e danos foram transformados em um terceiro pilar do Acordo de Paris, juntamente com mitigação e adaptação. Mas, até agora, o progresso foi lento em transformá-lo em realidade.
Portanto, em Bonn, os fijianos podem ajudar a trazer a realidade da mudança do clima para o cerne das negociações e fazer com esse tema crítico progrida.
Organizações mundiais da sociedade civil estão clamando a que as nações ricas demostrem solidariedade às comunidades e aos países mais vulneráveis, e coloquem à sua disposição os recursos para a adaptação à mudança do clima e para a luta contra seus inevitáveis e crescente impactos.
Claramente, precisamos fazer isso primeiro prevenindo que mais perdas e danos ocorram em função da mudança do clima por reduzir a poluição causada pelos combustíveis fósseis. Em segundo lugar, não podemos simplesmente continuar a ignorar as necessidades de adaptação dos mais pobres.
Toda assistência necessária para ajudar os mais pobres deve ser providenciada para garantir a adequada proteção climática – tais como a construção de barreiras marítimas e a plantação de cultivos mais resistentes à seca, e executando atividades de redução de risco de desastres.
Infelizmente, a procrastinação dos países ricos em relação aos corte das emissões nos levaram a um nível perigoso de aquecimento.
A necessidade agora é de que a primeira Presidência do Pacífico de uma COP garanta que perdas e danos sejam tratados com a mesma importância que os outros elementos do Acordo de Paris. Para além de apenas retórica, o tema deve ser levado a sério e endereçado.
Portanto, os fijianos na COP23 devem fazer um progresso no tema perdas e danos e criar um caminho para um ‘Fundo Internacional de Fiji para Perdas e Danos’ que possa efetivamente começar a coletar e distribuir fundos para as nações que o necessitem.
Tal passo seria um resultado positivo da primeira ‘COP do Pacífico’ e uma resposta adequada ao rastro de destruição causado pelo furacão Irma, cujas vítimas ainda estarão tentando reconstruir as suas vidas durante a conferência de novembro, apesar dos olhos da mídia já deverem ter mudado de foco então.
*Mohamed Adow é Presidente Internacional de Clima da Christian Aid.