Onde houver ameaça, seremos a resistência
Nota do Observatório do Clima sobre a vitória de Jair Bolsonaro
Presidentes recém-eleitos em geral são saudados com uma saudável cobrança para que cumpram o que prometeram em campanha. Mas não no Brasil de 2018: após esta eleição incomum, o Observatório do Clima trabalhará para que o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, faça o oposto do que prometeu.
O retrocesso civilizatório anunciado e reafirmado por Bolsonaro e vários de seus auxiliares não pode se tornar política de Estado. O presidente eleito deve ser guardião incansável das instituições democráticas e dos direitos humanos. Deve governar para todos os brasileiros. Não vamos, em nenhuma hipótese, normalizar a erosão dos valores da nossa democracia, da nossa cidadania e dos direitos da nossa geração e das futuras. Onde houver ameaça, nós seremos a resistência.
Na área ambiental, lutaremos para que as instâncias de governança sejam fortalecidas, em especial o Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos vinculados, bem como para que seja ampliada a política de áreas protegidas, que inclui a criação de unidades de conservação e a demarcação e homologação de terras indígenas.
O Brasil percorreu um longo caminho até a consolidação de um conjunto de instituições e políticas públicas que guardam um patrimônio natural único, base sobre a qual se assenta não apenas a qualidade de vida, mas o próprio desenvolvimento econômico do país. Não nos calaremos diante do desmonte dessas instituições e políticas.
Da mesma forma, perseguiremos de forma incansável o cumprimento das metas do Brasil contra as mudanças climáticas e a ampliação da ambição dessas metas, em linha com os objetivos do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC. Dar as costas ao acordo do clima e a medidas de adaptação a extremos climáticos seria desastroso para o país: do ponto de vista geopolítico, comercial, de desenvolvimento e, sobretudo, da segurança dos cidadãos brasileiros, que o presidente eleito jurou priorizar.
Por fim, resistiremos a qualquer investida contra os povos e comunidades tradicionais, protegidos pela Constituição, bem como a qualquer violência contra ativistas ambientais. O Brasil é o país que mais mata defensores do meio ambiente no mundo – 57 apenas no ano passado – e o clima instaurado na campanha eleitoral, com atentados a agentes do Ibama e ao ICMBio, apenas aumentou o perigo. É tarefa do presidente eleito desarmar essa bomba.
DECLARAÇÕES DE MEMBROS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA
“As mudanças climáticas afetam principalmente as mulheres, provedoras e cuidadoras do lar. A Amazônia e seu povo precisam ser preservados. Estaremos na luta e na resistência sem cair, sem recuar e sem temer.”
Joci Aguiar, presidente da rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico)
“As propostas feitas por Bolsonaro durante a campanha são graves e estimulam o desmatamento e a violência no campo. Lutaremos incansavelmente para que não seja implementada no país uma agenda destruição ambiental.”
Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace
“O Brasil tem um histórico de combate às mudanças climáticas desde antes de isso ser uma emergência global. Adotou um programa pioneiro de biocombustíveis já nos anos 1970; nos anos 1990, teve papel fundamental nos acordos internacionais contra a crise do clima e, nos anos 2000, deu uma das maiores contribuições do mundo à mitigação das emissões ao reduzir o desmatamento na Amazônia. Desperdiçar essa liderança seria, além de burrice, um ato antipatriótico.”
André Ferretti, gerente de Estratégias da Conservação da Fundação Grupo Boticário e coordenador-geral do Observatório do Clima
“O diferencial da agropecuária brasileira está na valorização dos ativos florestais, na água, na biodiversidade e na riqueza cultural dos nossos povos. Somente quando essa percepção for amplamente incorporada no setor é que daremos um salto importante na direção do desenvolvimento sustentável.”
Marina Piatto, coordenadora de Clima e Agricultura do Imaflora.
“As declarações dadas durante a campanha sinalizando que um governo Bolsonaro não cumpriria a obrigação constitucional de demarcar as terras indígenas também têm implicações para a questão climática. A Amazônia brasileira comprova ao mundo o papel que as terras indígenas cumprem na regulação do clima, e é fundamental que o Brasil avance no reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas como parte de sua contribuição para o cumprimento do Acordo de Paris. Recuar no reconhecimento dos direitos territoriais desses povos e comunidades seria um retrocesso difícil de explicar ao mundo.”
Adriana Ramos, diretora de Políticas Públicas do Instituto Socioambiental
“Esperamos que o presidente eleito perceba muito rápido o tamanho de sua responsabilidade, que tem que ser infinitamente maior, no discurso e na prática, do que a de um candidato. Caso decida levar adiante aquilo que vem prometendo contra o meio ambiente, os povos indígenas e a agenda de clima, as maiores vítimas serão os brasileiros e o Brasil. Entre 2013 e 2017, mais de 2.700 municípios do país sofreram com secas severas, mais de 1.700 sofreram com alagamentos. Aumentar desmatamento e emissões de gases de efeito estufa é impor a cada um de nós um risco crescente de mais catástrofes climáticas.”
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima