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Os “fatos alternativos” do discurso de Trump

Desmontamos algumas das principais mentiras ditas pelo presidente ao anunciar a saída dos Estados Unidos do acordo do clima de Paris. O problema é que elas foram muitas

02.06.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

DO OC

A fala de Donald Trump ao rejeitar o Acordo de Paris nesta quinta-feira (01) foi um festival de mentiras espantoso até para um mitômano contumaz como ele. O OC selecionou alguns pontos mais dramáticos do discurso para desmentir o presidente. Esta não é uma análise exaustiva.

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Os Estados Unidos vão se retirar do Acordo do Clima de Paris (…) mas começar negociações para reentrar o Acordo de Paris ou uma transação inteiramente nova em termos que sejam justos para os Estados Unidos (…) e vamos ver se conseguimos um trato justo. Se conseguirmos, ótimo. Senão, tudo bem.

É mentira que os termos do Acordo de Paris não sejam “justos com os Estados Unidos”. Durante os quatro anos em que o tratado foi negociado, todo o esforço foi feito justamente para acomodar as necessidades dos Estados Unidos. As metas voluntárias e nacionalmente determinadas (NDCs) foram uma exigência dos americanos – outros países queriam metas obrigatórias. Questões de linguagem do acordo, flexibilidade na discussão de financiamento e o enfraquecimento da menção a perdas e danos também foram encomendas americanas.

A ideia de “sair e renegociar” pegou toda a comunidade diplomática de surpresa. Não há nenhuma previsão de que isso seja possível e líderes de outros países já avisaram que não vão renegociar nada. Mesmo se fosse, o tempo necessário para efetivar a saída é tão grande que um eventual retorno só aconteceria após o mandato de Trump.

A partir de hoje, os Estados Unidos vão suspender a implementação do Acordo de Paris e dos ônus financeiros e econômicos draconianos que ele impõe ao nosso país. Isso inclui acabar com a implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada e, muito importante, o Fundo Verde do Clima, que está custando aos Estados Unidos uma vasta fortuna.

Os Estados Unidos pagaram até agora para o Fundo Verde do Clima US$ 1 bilhão. Considerando os US$ 3 bilhões prometidos pelo país, trata-se de uma contribuição per capita de US$ 9,41 – metade do desembolso per capita do Reino Unido e um sexto do de Luxemburgo, ou seja, nada que possa ser considerado exatamente “uma vasta fortuna”. Para pôr em perspectiva, US$ 3 bilhões são o que a guerra no Afeganistão custa em um mês ao contribuinte americano. O infame muro de Trump na fronteira com o México custaria quase sete vezes esse valor.

Cumprir o Acordo de Paris (…) poderia custar à América até 2,7 milhões de empregos até 2025, de acordo com a National Economic Research Associates. Isso inclui (…) a dizimação de indústrias americanas vitais das quais dependem nossas comunidades.

Trump cita um único estudo de custos do Acordo de Paris, feitos por uma fonte de imparcialidade duvidosa. A National Economic Research Associates (Nera) é uma firma privada de consultoria com histórico de trabalhos a serviço da indústria do carvão, segundo o SourceWatch. Em 2011 e 2012, produziu relatórios contra o plano de redução das emissões por termelétricas de Obama e contra os limites da EPA para poluição por mercúrio. A Nera também é autora de um estudo de 2015 que mostrou que o Plano de Energia Limpa de Obama aumentaria a conta de luz dos americanos – esse estudo foi pago pela Coalizão Americana para a Energia de Carvão Limpo, um grupo de lobby da indústria que também pagou o estudo de 2011. O World Resources Institute analisou o estudo de 2015 e encontrou nele uma falha fatal: a Nera assumia que os avanços tecnológicos nas energias renováveis não continuariam no futuro.

Segundo esse mesmo estudo, em 2040 o cumprimento das metas estabelecidas pela administração anterior cortaria a produção nos seguintes setores: (…) O custo para a economia seria de US$ 3 trilhões perdidos no PIB e 6,5 milhões de empregos industriais, enquanto os lares teriam US$ 7.000 menos renda, e, em alguns casos, menos do que isso.

De novo, as modelagens econômicas dependem muito dos pressupostos, e obviamente uma modelagem feita a soldo da indústria do carvão terá um viés de perda para a ação climática, pelos motivos expostos acima. A Agência Internacional de Energias Renováveis estima que 777 mil americanos já estejam empregados hoje no setor de energia renovável, que gera empregos 12 vezes mais rápido que o restante da economia. O Departamento de Energia dos EUA estima que hoje haja 2,2 milhões de americanos trabalhando em eficiência energética e que a profissão de maior crescimento nos EUA entre 2014 e 2024 seja a de técnico de turbina eólica. Sobre impacto no PIB, os resultados variam imensamente, mas um estudo da Agência de Proteção Ambiental estima em US$ 5 trilhões até o fim do século apenas o prejuízo em infraestrutura decorrente de aumento do nível do mar nos EUA. Até 2050, o benefício econômico líquido das ações de redução de emissões seria de US$ 160 bilhões apenas em mortes evitadas.

Eu não posso em sã consciência apoiar um acordo que pune os Estados Unidos (…), o líder mundial em proteção ambiental, e não impõe nenhuma obrigação significativa aos maiores poluidores do mundo.

É fato que o Acordo de Paris não impõe “obrigações significativas” aos maiores poluidores. Só que isso inclui os EUA. Quando assinaram o Protocolo de Kyoto, em 1998, os EUA se comprometeram a cortar suas emissões em 7% até 2012 em relação a 1990. Em vez disso, aumentaram suas emissões em 7% até 2014 – e isso após a queda gerada pela crise de 2008 e pela entrada maciça do gás natural, mais barato que o carvão, na geração de eletricidade. Mesmo assim, foram premiados com uma meta de Paris que lhes permitia fixar o ano-base de redução para 2005 – o pico histórico de emissões americanas, quase 15% acima do nível de 1990 – e que estabelecia um corte modesto de 26% a 28%. Para comparação, a Europa se comprometeu com 30% em relação aos níveis de 1990. Como as metas de Paris, por pressão dos Estados Unidos, são voluntárias, nenhum país fez o seu melhor e a ambição coletiva global está bem longe do objetivo de estabilizar o aquecimento abaixo de 2oC.

Por exemplo, sob o acordo, a China poderá aumentar essas emissões por um número incrível de anos – 13. Eles podem fazer o que quiserem por 13 anos. A gente não. A Índia torna sua participação condicionada a receber bilhões e bilhões de dólares em ajuda dos países desenvolvidos. Há muitos outros exemplos. O resumo é que o Acordo de Paris é muito injusto, no mais elevado grau, com os Estados Unidos.

Essa afirmação é uma asneira tão grande que é difícil achar que Trump tenha dito isso de boa fé, apenas por ignorância. Mas vamos lá. A Convenção do Clima das Nações Unidas, da qual os EUA ainda são signatários, tem como princípio basilar as chamadas responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Esse princípio reconhece um fato da vida: a maior parte do carbono acumulado na atmosfera foi emitida por países desenvolvidos no curso de sua industrialização. Portanto, a eles cabe a maior parte da redução das emissões.

Mesmo que nos últimos dez a 15 anos a China tenha nominalmente ultrapassado os EUA como maior emissor do mundo, as emissões de gases-estufa por habitante dos EUA são seis vezes maiores que as chinesas e 12 vezes maiores que as indianas. Os EUA ainda são o maior responsável pelo aquecimento observado na Terra – então a eles caberia o maior esforço de corte, por uma questão elementar de justiça, palavra que Trump adora repetir, mas cujo significado parece desconhecer.

Por isso, no Acordo de Paris, os países emergentes ganharam o direito de ter metas relativas de emissão. No caso da China, o compromisso foi o de atingir o pico de emissões em 2030 e o de reduzir em 60% a intensidade de carbono por unidade de PIB até 2030. Ou seja, é mentira que eles possam “fazer o que quiserem”.

A China vai poder construir centenas de usinas a carvão. Então nós não podemos construir as usinas, mas eles podem, segundo esse acordo. A Índia (…) pode dobrar sua produção de carvão. (…) Em resumo, o acordo não elimina os empregos no setor de carvão, mas transfere-os da América para países estrangeiros.

Trump insiste aqui na mentira de campanha que já foi desmontada inclusive por economistas de seu governo: a de que o carvão nos Estados Unidos foi ferido de morte por restrições ambientais impostas por Barack Obama. O que matou o carvão nos EUA foi a competição com o gás natural, que explodiu na década passada graças à invenção do fracking e caiu tanto de preço que começou a substituir o carvão na geração de energia. Foi a realidade de mercado que permitiu a Barack Obama limitar as emissões de termelétricas, e não o contrário. A tentativa de Trump de ressuscitar essa energia zumbi equivale a querer banir os automóveis para trazer de volta os empregos de cocheiro e fabricante de carruagens.

E a China e a Índia? Bem, apesar de serem autorizados a aumentar sua geração termelétrica, os dois gigantes asiáticos estão fazendo justamente o contrário: a China vem reduzindo seu consumo de carvão há três anos e a Índia disse que não há necessidade de novas usinas a carvão a partir de 2022. Juntos, os dois países deverão cumprir com folga de 3 bilhões de toneladas de CO2 suas metas de Paris, segundo uma análise recente.

Temos algumas das reservas de energia mais abundantes do planeta, suficientes para tirar milhões dos trabalhadores mais pobres da pobreza. No entanto, sob este acordo, estamos mantendo essas reservas sob sete chaves, tirando a riqueza da nossa nação (…) e deixando milhões e milhões de famílias aprisionadas na pobreza e no desemprego?

“Milhões e milhões de famílias”?

A taxa oficial de desemprego nos EUA é menos de 5%, o que significa cerca de 8 milhões de pessoas. Em 2009, ano da crise, ela chegou a 10%, ou mais de 16 milhões. Entre 2009 e 2016, os EUA reduziram suas emissões de carbono ao nível mais baixo desde os anos 1990, graças ao gás natural e às energias renováveis.

Mesmo se o Acordo de Paris fosse implementado completamente por todas as nações, estima-se que ele produziria apenas dois décimos de um grau [de aquecimento evitado?] em 2100. Uma quantidade pequenininha, pequenininha. De fato, 14 dias de emissões da China eliminariam completamente qualquer ganho da redução na América em 2030.

Aqui Trump faz malabarismo com números e conta uma mentira sutil. Segundo o relatório Emissions Gap, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a implementação do Acordo de Paris segundo as metas postas na mesa hoje (que, como vimos, são completamente inadequadas) são consistentes com uma temperatura global em 2100 menor que 3oC (de 2,7oC a 3,2oC). Apenas com as políticas atuais, chegaríamos a 2100 com 3,6oC de aquecimento em média (3,4oC a 3,7oC). Sem nenhum controle de emissões, poderíamos chegar a 4oC ou mais em relação à era pré-industrial – o IPCC, o painel do clima da ONU, não descarta aumento de 6oC. Então, a diferença entre ter e não ter o Acordo de Paris pode ser de meio grau ou mais. Os “dois décimos de grau” a que Trump se refere são a diferença entre cumprir as metas incondicionais (que não dependem de financiamento externo) e as condicionais (que os países pobres só cumprirão mediante apoio dos ricos): só com as metas incondicionais, o aumento de temperatura em 2100 seria de 3,2oC em média. Trump torna sua frase uma profecia autorrealizável, já que não vai mais dar dinheiro para os países pobres cumprirem suas metas condicionadas.

O OC ainda está tentando descobrir de onde ele tirou a informação dos 14 dias.

Em que ponto a América é diminuída? Em que ponto eles começam a rir de nós enquanto país?

Essa é fácil e já foi respondida por vários americanos no Twitter ontem: as pessoas começaram a rir dos EUA quando Donald Trump foi eleito presidente.

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