O Chamber Hall, plenária onde acontecem as reuniões intersessionais da Convenção do Clima em Bonn (Foto: Claudio Angelo/OC)

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Países se reúnem para 1ª batalha da guerra do financiamento climático

Com planeta chacoalhado por guerras e eventos extremos, conferência de Bonn começa com a missão de preparar terreno para nova meta de finança na COP29

02.06.2024 - Atualizado 11.06.2024 às 16:13 |

DO OC, EM BONN – Quando os brasileiros despertarem nesta segunda-feira (3), terá começado em Bonn, na Alemanha, a SB60, a conferência do clima da ONU. Representantes de mais de 190 países se reúnem até dia 13 na antiga capital da Alemanha Ocidental para o primeiro round de uma luta que promete ser sangrenta em torno de quem, como e com quanto deverá financiar o combate à crise climática a partir de 2025.

Espera-se que em Bonn os países-membros da UNFCCC, a Convenção do Clima das Nações Unidas, comecem a dar forma à chamada NCQG, sigla em inglês para Nova Meta Quantificada Global de finanças, que substitua os horrivelmente insuficientes (e jamais totalmente entregues) US$ 600 bilhões que os países ricos prometeram para 2020-2025.

A NCQG precisa ser acordada no fim deste ano em Baku, Azerbaijão, durante a COP29. Para isso é necessário que os diplomatas reunidos em sessões técnicas que se estendem até o dia 13 façam progresso em Bonn. Eles precisam sair da Alemanha com uma proposta de texto que possa ser negociada na COP, em novembro, quando a definição mais sensível – e explosiva – precisará ser tomada: de quanto dinheiro se está falando para os países ricos entregarem por ano?

As cifras ventiladas nos bastidores da negociação variam de US$ 1 trilhão anual, número calculado com base nos US$ 6 trilhões estimados até 2030 para os países em desenvolvimento cumprirem metade de suas metas, a US$ 2 trilhões (valor dos gastos militares do mundo por ano). Um estudo estimou a dívida climática dos países ricos em US$ 100 trilhões.

Dificilmente poderia haver contexto menos propício a esse debate do que o atual. O mundo industrializado enfrenta duas guerras (na Ucrânia e na Palestina, com ameaças de conflito recrudescendo na fronteira do Azerbaijão com a Armênia) e eleições que mudarão o comando da União Europeia e dos Estados Unidos. A UE vê sua liderança climática refluir na esteira da ascensão da extrema-direita e dos protestos de agricultores contra suas políticas ambientais, que devem ter influência eleitoral. Os EUA podem eleger em novembro um negacionista do clima condenado pela Justiça que já ameaçou iniciar seu governo com uma “ditadura de um dia”.

Nesse clima, há pouco apetite dos países para se moverem além de suas posições tradicionais – os desenvolvidos dizendo que só pensarão em aumentar suas contribuições se a “base de doadores” for ampliada para incluir países emergentes como China e árabes, e os países em desenvolvimento dizendo que sem dinheiro na mesa nada mais avança. Não está descartada a repetição do pastelão visto na sessão de Bonn do ano passado, quando não houve sequer consenso sobre a agenda da conferência durante nove dias.

Há, porém, diferenças importantes entre a reunião de 2023 e a de 2024. A primeira é que a escala dos impactos de eventos extremos em 2023 e 2024 aumentou a pressão para entregar resultados. Quando a conferência de Bonn começou em 2023, o El Niño já causava a pior temporada de incêndios da história do Canadá. De lá para cá não houve parte do mundo que não tenha registrado catástrofes climáticas – de derretimento do gelo marinho na Antártida a calor recorde no mundo todo à pandemia de branqueamento de corais à seca sem precedentes na Amazônia às enchentes gaúchas. Uma das expectativas é que a NCQG faça um aceno às perdas e danos climáticos, reconhecendo-os como merecedores de uma meta específica de financiamento.

Ainda mais importante para os delegados em Bonn que o choque de realidade dos eventos extremos é o resultado da COP28, em Dubai. No mundo perverso da diplomacia climática, o Balanço Global acordado nos Emirados Árabes é um “avanço significativo” – em especial nos parágrafos em que reconhece a necessidade de eliminar progressivamente os combustíveis fósseis, triplicar as energias renováveis e duplicar a eficiência energética.

Há a expectativa de que, em Bonn, as determinações do Balanço Global comecem a ser traduzidas nas NDCs, as metas nacionais de cada país. Nesse quesito, muita pressão deve recair sobre o Brasil, por dois motivos. Primeiro, por ser o anfitrião da COP30, na qual as novas metas nacionais para 2035 precisarão ser sacramentadas. Segundo, por ser autor da proposta da “missão 1.5”, apresentada em Dubai, que uniu as presidências das COPs 28, 29 e 30 numa agenda de trabalho para tentar orientar os países a construir NDCs capazes de manter ao alcance a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC em relação à era pré-industrial.

Com os líderes tradicionais da negociação perdidos em suas agendas domésticas e sem capacidade de agir, o mundo olha para o Brasil como candidato a preencher o vácuo de liderança já a partir da SB60. Resta saber se a nação que planeja explorar até a última gota de petróleo na Margem Equatorial e que tem a agenda ambiental rifada no Congresso está à altura da tarefa.

 

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