Ricardo Salles fala em aproveitar distração da imprensa para "passar a boiada", durante reunião ministerial em 22/04/2020. Foto: Reprodução vídeo

#PRESS RELEASE

Partidos vão ao STF contra projeto “Punição Zero” a crime ambiental

Decreto de Bolsonaro que criou “conciliação” ambiental parou cobrança de multas do Ibama e do ICMBio há um ano, incentivando o crime

22.10.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

Quatro partidos políticos impetraram nesta quarta-feira (21) no STF uma ação contra o decreto do presidente Jair Bolsonaro que suspendeu a cobrança de multas ambientais, criando uma espécie de projeto “Punição Zero”.

Leia a íntegra da ação.

Na ação, PT, PSB, PSOL e Rede pedem que seja liminarmente suspenso — e, após o julgamento, anulado — o decreto 9.760, de abril de 2019, que criou a chamada “conciliação” de multas ambientais. A peça jurídica se baseou em documentos técnicos compilados pelo Observatório do Clima, rede composta por 50 organizações da sociedade civil.

Inventada pelo ministro do Meio Ambiente, a conciliação é uma instância a mais no já demorado processo de pagamento de multas do Ibama e do ICMBio. A justificativa para sua criação foi a possibilidade de fazer audiências entre os órgãos fiscalizadores e os autuados, que levassem ao pagamento da multa sem a necessidade de contestação judicial.

Na prática o que aconteceu foi que os infratores ganharam um presentão. Isso porque o decreto suspende a cobrança da multa até que seja realizada a audiência de conciliação. Desde abril do ano passado, o Ibama realizou apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas. O ICMBio não fez nenhuma. Ou seja, as multas ambientais no Brasil, que antes não eram pagas em sua maioria — porque os grandes infratores sempre recorriam —, nem sequer estão sendo cobradas.

No entanto, os crimes e as infrações não tiveram seu prazo de prescrição suspenso. Segundo os partidos, as autuações correm o risco de ser extintas sem que os infratores sofram qualquer punição.

“Na realidade, a etapa da conciliação veio para travar completamente o prosseguimento do processo sancionador ambiental, e não para acelerá-lo, premiando o infrator, garantindo a impunidade e abrindo caminho para um aumento exponencial da degradação ambiental”, afirma o texto da ação. “O objetivo parece ser gerar uma indefinição capaz de paralisar e impedir o funcionamento do processo sancionador, alcançando o objetivo maior da presente administração que é desorganizar e desmantelar o sistema de proteção ambiental. Nas palavras do ministro: ‘passar a boiada’.”

As multas do Ibama têm um histórico baixíssimo de arrecadação: em média são aplicados cerca de R$ 3 bilhões por ano (o número caiu no governo Bolsonaro), mas menos de 5% são efetivamente cobradas. Mesmo assim, elas têm um forte poder de dissuasão — a atuação sancionadora do órgão, que ajudou a derrubar as taxas de desmatamento na Amazônia entre 2005 e 2012. Com a garantia de que não precisará pagar multa nem recorrer a advogados, o criminoso se sente à vontade para delinquir. Prova disso é a explosão no desmatamento verificada em 2019 e 2020, bem como das invasões de terras indígenas e de outros delitos.

“As alterações nas regras do processo de julgamento das infrações ambientais realizadas em 2019, especialmente a criação da etapa de conciliação — construída sob frágeis bases jurídicas —, levaram à paralisação das decisões”, diz Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Não estão ocorrendo reuniões de conciliação nem no Ibama, nem no ICMBio. Zero. A desculpa não pode estar na pandemia, uma vez que o próprio decreto presidencial admite reuniões remotas. Lavram-se os autos de infração e o processo não tem sequência, o que esvazia completamente o poder de dissuasão das sanções ambientais”, afirma. “É a antipolítica ambiental em curso.”

A conciliação não foi o único ato de desmonte do processo sancionador dos órgãos ambientais federais praticado no ano passado. Também está parada a conversão de multas, retomada no governo Temer, pela qual infratores poderiam ter descontos de 60% nas multas se depositassem os 40% restantes em contas de projetos de recuperação ambiental. O ministro do Meio Ambiente tentou transformar a conversão num fundo que ele poderia gerir como bem quisesse, mas o Congresso não topou, então todo o processo foi suspenso.

Barrada a ação centralizadora, o governo cancelou o primeiro chamamento de projetos de recuperação nas bacias do São Francisco e Parnaíba, que seriam executados por entidades sem fins lucrativos — beneficiando justamente a região Nordeste, em que o Presidente da República diz, falsamente, não haver ação de ONGs. Deixou-se de aplicar cerca de R$ 1,1 bilhão em projetos ambientais importantes somente com essa decisão. “As tentativas do governo Bolsonaro de enfraquecer a legislação e a governança ambiental no país precisam ser interrompidas. Não iremos assistir passivamente à destruição de nossas florestas e biodiversidade. Esperamos que a Justiça ajude a sociedade a proteger o meio ambiente no Brasil”, salienta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Declarações

“O decreto de Bolsonaro/Salles que criou a ‘câmara de compensação’ é, na verdade, um papo para boi dormir. Ao mesmo tempo em que o governo federal incentiva o crime ambiental com discursos, recebendo criminosos e criminalizando os servidores, também se utiliza de expedientes administrativos para levar a cabo a impunidade e assim incentivar mais ainda o crime.” Nilto Tatto, deputado federal, PT-SP

“Ao criar uma nova fase para conciliação de multas ambientais sem mexer nos prazos de prescrição, o governo dá de presente a ferramenta que faltava para os infratores ambientais se verem livres de pagar pelos danos causados ao meio ambiente. Uma iniciativa que, sem a necessária intervenção do Poder Judiciário, pode causar danos irreparáveis a todos os ecossistemas brasileiros.” Alessandro Molon, deputado federal, PSB – RJ

“Implodir a legislação ambiental é um dos principais objetivos do governo federal. O ministro Ricardo Salles trabalha assumidamente a favor de grileiros, garimpeiros e desmatadores. É nesse contexto que se insere o decreto presidencial que, na prática, suspende a cobrança de multas ambientais. O PSOL assina a ação apresentada ao STF para derrubar essa medida trágica. É preciso que o Brasil dê um basta nesse governo que atua deliberadamente a favor da destruição de nossa natureza e povos originários.” Sâmia Bomfim, deputada federal, PSOL-SP

“O presidente Bolsonaro e seu antiministro do Meio Ambiente têm promovido uma onda de retrocessos socioambientais jamais vista no país. É toda sorte de maldades contra os órgãos de proteção ambiental, desmonte de fundos públicos, ataque à proteção dos biomas e às comunidades indígenas e tradicionais, além de inoperância em relação ao desmatamento, incêndios e queimadas. Atitude criminosa contra o patrimônio natural do Brasil e desmoralização de nosso país em nível mundial nos grandes temas ambientais em que já fomos protagonistas, como nas questões climáticas. Se não bastasse tudo isso, agora prevarica e negligencia, suspendendo as multas de infratores ambientais. Essa é mais uma ação que fazemos para barrar esse desgoverno.” Pedro Ivo Batista, porta voz nacional da Rede Sustentabilidade

Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 50 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.observatoriodoclima.eco.br.

Informações para imprensa:

Solange A. Barreira – P&B Comunicação

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