Protagonistas da solução
Mulheres precisam estar cada vez mais nos centros de decisão das metas climáticas
JOCI AGUAR
ESPECIAL PARA O OC
A mudança climática não é neutra. Ela tem gênero, cor, idade, classe social e nacionalidade. Essa diferença está cravada nos números das tragédias ambientais, e exposta em relatórios da ONU. Nós, mulheres, somos quase 70% do contingente de 1,3 bilhão de pessoas vivendo em condições de pobreza no mundo. Temos menos acesso a informações e aos centros de debate político e tomada de decisões. É natural, portanto, que sejamos mais afetadas neste quadro de urgência do clima.
Sou acreana, ribeirinha, filha de pai e mãe seringueiros, e neta de avôs e avós que também sobreviveram do seringal (dois dos meus avós vieram de estados do Nordeste, ainda nos anos 1940, quando os governos começaram a incentivar a ocupação da Amazônia). Talvez o seringal fosse também o meu caminho, não houvessem meus pais se mudado para Feijó, uma cidade a 360 quilômetros de Rio Branco, quando eu tinha sete anos de idade. A ideia era que eu e meus três irmãos pudéssemos estudar. Formei-me em Economia, hoje sou coordenadora-executiva do GTA, o Grupo de Trabalho Amazônico, entidade que reúne mais de 200 organizações socioambientais. Fora isso, estou terminando um mestrado em Rio Branco, onde moro. Minha pesquisa é sobre a participação das mulheres na construção das políticas públicas no Acre.
Trabalho com movimentos ambientais, rurais e de mulheres há mais de 20 anos. Foi coordenando uma entidade feminista, a Rede Acreana de Mulheres e Homens, que passei a debater a nossa participação em espaços de tomada de decisão na política do desenvolvimento sustentável. Em 2018 fiz parte do time fundador do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima do Observatório do Clima, que conta com 160 mulheres de diversas entidades.
As mulheres são as principais vítimas do aquecimento global – disso sabemos -, mas podem ser as protagonistas nessa mudança de comportamento. Por quê? Porque realizamos atividades de baixo impacto ambiental e pensamos com mais naturalidade no coletivo, até porque, historicamente, foi dado a nós o papel do cuidado familiar. Gosto de dizer que temos uma relação de irmandade com a natureza – e o equilíbrio que a humanidade busca é de irmandade, não individual.
O caminho a ser trilhado é longo, e tempo, curto: 2030 está logo ali, com suas metas de redução de carbono e de temperatura ainda por serem cumpridas. Mas os avanços acontecem, aqui e acolá. O próximo relatório-síntese do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU, a ser lançado neste mês de março, terá 40% de autoras mulheres. Não é um avanço apenas simbólico. É um avanço na visão que passaremos a ter dos problemas e das soluções ambientais.
Acho que sou ambientalista desde criança, sem nem entender o que era isso. Lembro da tristeza que eu sentia vendo as árvores serem derrubadas para dar lugar aos varadouros – os caminhos de terra por onde passam os burros, carregados de borracha, no meio do seringal. Uma árvore que cai tem um dos sons mais tristes da natureza, porque ela não cai só, ela leva outras árvores consigo. Aliás, isso é uma regra que vale para a vida: o exemplo arrasta, seja na tragédia, ou na esperança de um futuro mais justo.
E o futuro é feminino. Feminista. Coletivo. E ancestral. Feliz 8 de março.