Reunião preparatória para COP25 começa sob alerta de emergência climática
Principal tarefa de negociadores é finalizar discussão sobre mercados de carbono, que o Brasil bloqueou em 2018
DO OC, EM BONN – O SB50, a reunião preparatória para a conferência do clima de Santiago (COP25), começou nesta segunda-feira (17) em Bonn, Alemanha, com o tradicional descasamento entre a urgência em atacar a crise do clima e a modorra das discussões técnicas.
A urgência foi reforçada na última sexta-feira por uma das poucas lideranças ambientais que sobraram no planeta após a ascensão da extrema-direita: o papa Francisco. O chefe da Igreja Católica se reuniu com investidores da indústria fóssil em Roma e declarou que o mundo está numa “emergência climática” e que falhar em agir imediatamente seria “um brutal ato de injustiça com os pobres e as futuras gerações”.
A mensagem papal foi ecoada pela secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, a mexicana Patricia Espinosa. Numa entrevista coletiva após a abertura da reunião, ela voltou a usar a expressão “emergência climática” e disse que o mundo precisa começar a agir imediatamente para se tornar carbono neutro em 2050. “Nós estamos literalmente numa emergência climática e esta é a batalha das nossas vidas”, disse. “A única opção que temos hoje é caminhar para um futuro de baixas emissões.”
Espinosa também fez referência indireta ao movimento de estudantes iniciado pela adolescente sueca Greta Thunberg, e que já levou a duas greves globais pelo clima. Em maio, 1,5 milhão de crianças e jovens foram às ruas em 120 países, inclusive no Brasil, para repetir a mensagem que Thunberg deu a líderes globais no Fórum Econômico Mundial: “Nossa casa está pegando fogo e eu quero que vocês entrem em pânico”.
“Se seu filho chega na cozinha e diz que tem um incêndio na casa todo mundo vai tomar providências. É isso o que os jovens estão dizendo hoje”, afirmou Espinosa.
A primavera na antiga capital alemã se despede com forte calor: nesta terça-feira a previsão é de que a temperatura chegue a 30ºC. Dentro das salas de reunião onde os diplomatas conduzem as negociações técnicas, porém, o clima é morno, quase frio. A Arábia Saudita já começou o encontro querendo impedir que o relatório do IPCC sobre aquecimento global de 1,5ºC (aquele que diz que temos apenas 11 anos para evitar que a estabilização das emissões em 1,5ºC seja perdida) fosse discutido em Bonn.
Por pressão saudita, americana e venezuelana, o relatório acabou não sendo acolhido no livro de regras do Acordo de Paris, negociado no ano passado na Polônia. Há em Bonn a intenção de dar mais destaque ao alerta dos cientistas na implementação do acordo, que será objeto da COP25. Os árabes não querem. Mas Argentina, Brasil e Uruguai fizeram uma manifestação defendendo a discussão do documento e ganharam a parada.
Os debates em Bonn serão travados em torno de dois temas principais. Um é o financiamento ao combate à mudança do clima. O mundo está a um ano do prazo para os países desenvolvidos começarem a botar US$ 100 bilhões por anos em finança climática a partir de 2020. “Nem todos cumpriram a promessa, então precisamos lembrá-los do compromisso porque estamos a apenas um ano da meta”, disse Espinosa.
O segundo e mais conflituoso tema é o dos mercados de carbono, principal item do livro de regras do Acordo de Paris que ficou sem conclusão. No ano passado, na COP de Katowice (Polônia), esse item, previsto no artigo 6 do Acordo de Paris, foi bloqueado pelo Brasil, o que estendeu a COP24 em dois dias. Terminou em impasse e com o Brasil sendo visto como vilão nesse tema. O principal resultado esperado de Bonn é avançar na negociação técnica do artigo 6 para que ele possa ser adotado na COP de Santiago.
A briga está em torno do item 4 do artigo 6, que cria o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de um substituto para o MDL, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, acordo antecessor de Paris. Pelo MDS, qualquer país, governo local ou mesmo empresa que adote ações de redução de emissões pode vender esse resultado como crédito de carbono.
O Brasil diz que esses resultados devem ser adicionais, ou seja, avançar além, das metas nacionais (NDCs) submetidas à Convenção do Clima. Mas tem se recusado a admitir que compradores desses créditos façam os chamados “ajustes correspondentes” em suas metas para evitar dupla contagem. Alguns países têm acusado o Brasil de querer com isso empurrar créditos do MDL, de que o Brasil era um grande vendedor, para o MDS. Os negociadores brasileiros dizem que estão interessados apenas na integridade ambiental do mecanismo.
Falando nesta segunda-feira em nome do grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), o chefe da delegação brasileira, Leonardo Cleaver, disse que o grupo está interessado em concluir em Santiago a negociação do artigo 6, de forma a “mandar uma mensagem forte para o setor privado”. Ele afirmou, porém, que está faltando em Bonn um compromisso mais firme dos países desenvolvidos com o financiamento climático, conhecido no jargão diplomático pela expressão “meios de implementação”. “Falar de ambição sem prover meios de implementação é um ato oco.”