“Rumamos ao inferno climático com o pé no acelerador”, diz chefe da ONU
Segundo dia da COP27 é marcado pela ausência do Brasil em parceria sobre florestas organizada pelo Reino Unido
DO OC – Até o estoque de frases alarmantes do secretário-geral da ONU, António Guterres, está se esgotando. “Estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador”, discursou o diplomata português nesta segunda-feira (7), na abertura da cúpula de líderes da COP27, a 27a Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU, no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh.
Diante de mais de cem chefes de governo, Guterres afirmou que estamos perdendo a luta de nossas vidas com o aumento contínuo das emissões de gases de efeito estufa e das temperaturas no planeta, numa espécie de Dia da Marmota do convescote climático. Ele destacou que muitos dos conflitos atuais estão ligados ao crescente caos provocado pela crise do clima, e que a invasão da Ucrânia pela Rússia “expôs os riscos profundos do nosso vício em combustíveis fósseis”.
Para evitar o pior, disse Guterres, principalmente os países do G20 devem acelerar imediatamente sua transição. Ele sugeriu que a COP27 resulte no que chamou de pacto de solidariedade climática entre economias desenvolvidas e emergentes, em que todos os países fariam um esforço extra para reduzir as emissões nesta década, com ajuda financeira para os menos desenvolvidos. “É pacto de solidariedade climática ou pacto de suicídio coletivo”, discursou o secretário-geral da ONU.
O objetivo da proposta é acabar com a dependência de combustíveis fósseis, eliminando gradualmente o carvão nos países da OCDE até 2030 e em todo o planeta até 2040.
Guterres ressaltou que EUA e China, os maiores emissores, têm a responsabilidade de “unir esforços para tornar esse pacto realidade”. “A atividade humana é a causa do problema climático e a ação humana deve ser a solução”, disse. “A ciência é clara: qualquer esperança de limitar o aumento da temperatura a 1,5oC significa alcançar emissões líquidas globais zero até 2050. Estamos chegando perigosamente perto de um ponto sem retorno.”
Ele destacou ainda que cerca de 3,5 bilhões de pessoas vivem em países altamente vulneráveis a impactos climáticos, e que as necessidades de adaptação devem crescer para mais de US$ 300 bilhões por ano até 2030 – na última COP, realizada em Glasgow há um ano, os países desenvolvidos prometeram dobrar o apoio à adaptação para US$ 40 bilhões por ano até 2025.
“Perdas e danos não podem mais ser varridos para debaixo do tapete. Aqueles que menos contribuíram para a crise climática estão colhendo o turbilhão semeado por outros”, discursou. “A guerra contra a natureza é em si uma violação maciça dos direitos humanos.”
Em outro evento na COP, ao lado do primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, o secretário-geral da ONU afirmou que a comunidade internacional “tem o dever de apoiar maciçamente” o país, em razão das inundações que o devastaram nos últimos meses. “O Paquistão merece que perdas e danos sejam considerados uma realidade e que essa realidade seja reconhecida por meio de mecanismos financeiros que, espero, esta conferência possa decidir.” Guterres defende que seja possível trocar o pagamento da dívida de países como o Paquistão por investimentos em recuperação e reconstrução após desastres naturais.
Brasil: ausente
O lançamento da Parceria de Líderes de Florestas e Clima (Forest and Climate Leaders Partnership), promovido pelo Reino Unido nesta segunda durante a COP, foi marcado pela ausência do Brasil, que abriga a maior floresta tropical do planeta. O painel reuniu representantes de diversos países e regiões que se comprometeram a zerar o desmatamento e recuperar florestas até 2030, como desdobramento de acordo firmado no ano passado em Glasgow.
Sem representantes oficiais, o Brasil foi citado nos discursos de diversos líderes. O tom foi de saudação ao “retorno” do país à agenda climática, com o resultado das eleições. John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o clima, chamou a eleição de Lula de “grande oportunidade” e reforçou as expectativas de que o combate ao desmatamento retorne ao centro da agenda ambiental do país: “Nós sabemos o que o presidente Lula fez quando esteve na presidência, e sabemos o que ele está preparado para construir”, discursou.
Já o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, considerou o compromisso declarado de Lula com o combate ao desmatamento “muito animador” e afirmou que o seu país está aberto à reativação do Fundo Amazônia. Jonas Gahr Store, primeiro-ministro da Noruega, disse que o mundo “precisa da liderança” brasileira no combate ao desmatamento.
Já Gustavo Petro, presidente da Colômbia, anunciou a criação de um fundo para pagamento por serviços ambientais às populações tradicionais de florestas. Citando países parceiros na iniciativa, declarou ter convencido a Venezuela e “esperar o Brasil, que é fundamental, com seu próximo governo”, para que se forme uma frente com outros países do mundo em defesa da Amazônia.
Apesar das expectativas, não houve avanço desde o ano passado em ações concretas para a defesa das florestas em escala global. Na COP26, 145 países que, juntos, somam mais de 90% das florestas do mundo haviam se comprometido a “fortalecer” esforços contra o desmatamento e para a recuperação de áreas degradadas, entre eles o Brasil. Na prática, porém, nada andou. E signatários como o Brasil e a República Democrática do Congo retrocederam: o desmatamento continuou avançando sob Bolsonaro e o país africano iniciou leilões de blocos de petróleo em áreas de florestas tropicais.
A parceria anunciada, que será coordenada pelos Estados Unidos e por Gana, se propõe a “passar das intenções às ações”. Representantes do setor privado e de países como Alemanha, Estados Unidos, Coréia do Sul e Colômbia anunciaram investimentos que somam bilhões de dólares. Vinte e seis países e a União Europeia – que, juntos, representam cerca de um terço das florestas do mundo e quase 60% do PIB mundial – assinam a FCLP.
Numa prévia do clima em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deverá ser recebido na COP27, o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore afirmou durante a conferência que o Brasil “escolheu parar de destruir a Amazônia”, em referência às eleições, sem citar Lula ou Bolsonaro. (FELIPE WERNECK e LEILA SALIM)