Secas extremas duram mais e podem isolar 50% das comunidades da Amazônia
Estudo aponta que estradas não solucionam o problema; a construção de políticas públicas efetivas precisa incluir a ciência e a comunidade local
DO OC – Quase 50% das localidades não-indígenas e 54% das aldeias indígenas estão propensas ao isolamento na Amazônia brasileira por causa de secas extremas, mostra um estudo publicado nesta sexta-feira (12) por um grupo de cientistas brasileiros. A maior parte dos afetados está no Amazonas. A equipe, liderada pela brasileira Letícia Santos de Lima, do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB), analisou as secas de 2005, 2010 e 2016 e também concluiu que as estiagens estão durando pelo menos um mês mais que o normal.
Segundo a pesquisa, além do isolamento total das comunidades por semanas ou até meses, os eventos extremos geram uma série de problemas. O acesso a alimentos, combustível e suprimentos médicos fica limitado por causa dos impactos no transporte hidroviário. Produtores que abastecem os mercados locais e áreas urbanas próximas têm dificuldade em transportar o que colhem e pescam. Os pescadores também são prejudicados por causa da morte dos peixes – os baixos níveis de água e as temperaturas mais altas aumentam a matéria orgânica e diminuem o nível de oxigênio. As escolas são fechadas.
Os pesquisadores também explicam que, durante as secas, os níveis de água superficial e subterrânea podem diminuir, o que impacta no uso de poços. Além disso, os baixos níveis de água superficial e subterrânea podem piorar a qualidade da água, tornando-a temporariamente imprópria para consumo. “Estudos anteriores mostraram evidências de aumento nas internações no estado do Acre durante os meses de 2005, associadas tanto a doenças transmitidas pela água quanto a doenças respiratórias devido à poluição do ar por causa de incêndios florestais”, relata o artigo. Outro problema é que o distanciamento das margens de rios e lagos das casas exige que os moradores caminhem longas distâncias para buscar água para uso doméstico.
O artigo foi publicado no periódico Communications Earth and Environment. Ele aponta que a seca de 2023 é um lembrete de como os responsáveis por formular políticas para lidar com eventos extremos na Amazônia estão despreparados, pois as ações foram emergenciais e insuficientes. “Esta é a nova realidade da Amazônia”, diz Lima. “Os cientistas alertam há anos que a Bacia Amazônica enfrenta um aumento substancial na frequência e intensidade de eventos extremos devido às mudanças climáticas, além de mudanças severas em seu sistema hidrológico devido ao desmatamento e degradação florestal. As secas passadas e a mais recente, 2023-2024, mostram que os impactos nos ecossistemas se estendem gravemente à população amazônica”, prossegue
A pesquisa também destaca a defesa de alguns políticos para a construção de estradas como solução para evitar o isolamento das comunidades. A medida, no entanto, é arriscada. Já existe comprovação de que estradas são impulsionadoras de desmatamento e degradação florestal. O desmatamento gera material para queimadas e muda o ciclo hidrológico que pode prejudicar ainda mais os regimes de chuvas na Amazônia. A destruição da vegetação ainda acelera os processos de erosão, o que aumenta a sedimentação nos rios. Isso pode reduzir os canais hidroviários, criar mais bancos de areia e prejudicar a navegação. “Finalmente, a construção e pavimentação de estradas sem um planejamento adequado e medidas de mitigação frequentemente resultam em perdas econômicas e impactos sociais nas comunidades locais”.
Além disso, 60,5% (2.222) das localidades não-indígenas analisadas estão mais próximas de corpos d’água importantes do que de estradas durante a estação cheia, em comparação com 59,5% (2.185) durante a seca. Em relação às aldeias indígenas, 66,3% (1.671) estão mais perto da água do que de estradas na cheia, comparado a 62,8% (1.584) na seca.
Os pesquisadores ressaltam que um planejamento para mitigação e adaptação de longo prazo para a seca precisa incluir o diálogo com a sociedade civil e o suporte de uma ciência robusta.”Nesse sentido, uma abordagem transdisciplinar que combine insights das ciências naturais e sociais, bem como conhecimentos tradicionais das comunidades amazônicas e percepções locais das mudanças ambientais, pode ser a forma mais eficiente e socialmente justa de enfrentar esse problema complexo”, diz a pesquisa. (PRISCILA PACHECO)