Sem dinheiro, metas climáticas levam a aumento de emissões
Relatório aponta queda até 2030, mas apenas com cumprimento de compromissos que dependem de financiamento de países ricos
DO OC – Às vésperas da COP29, o coro pela urgência do financiamento climático foi amplificado nesta segunda-feira (28), com o lançamento do relatório de avaliação das contribuições dos países para conter o aquecimento global. O documento concluiu que, sem o aporte (leia-se: dinheiro) dos países ricos, as metas climáticas atuais levariam a um aumento de 0,8% nas emissões de gases de efeito estufa em 2030, data em que deveriam cair 43% (na comparação com os níveis de 2019).
O relatório é elaborado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e analisa as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs na sigla em inglês, as metas de cada país para o Acordo de Paris). Neste ano, sintetizou informações das 168 NDCs mais recentes disponíveis, de um total de 195 países signatários do tratado.
O recado, “duro, mas não surpreendente” segundo o órgão, é que, sem financiamento, haverá um fracasso completo em relação ao tratado. E, mesmo se cumpridas, as metas dos países estão muito aquém do necessário para que o planeta tenha uma chance de estabilizar o aquecimento a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, como prevê o acordo. Elas estão desalinhadas até mesmo com a meta menos ambiciosa, de limitar o aquecimento a 2ºC.
Apesar de a estimativa indicar que atingiremos o pico de emissões até o final da década, iniciando o declínio da poluição climática, o ritmo está muito longe do necessário, como também mostrou na semana passada o Relatório de Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Na mesma linha vai o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicado também nesta segunda-feira (28), que mostrou que os níveis de gases-estufa na atmosfera bateram um novo recorde no último ano, chegando a 420 partes por milhão (ppm) de CO2 concentrados, ou 51% a mais do que havia no período pré-industrial. A OMM mostrou ainda que a concentração de CO2 aumentou 11,4% em vinte anos, e alertou que os atuais níveis, somados aos outros gases de efeito estufa, comprometem a temperatura da Terra por muitos anos.
Sem dinheiro, emissões subirão 0,8%
Com as atuais metas climáticas, incluindo as chamadas “condicionadas” (ou seja, que dependem de financiamento dos países ricos para serem implementadas), chegaríamos a 2025 com emissões globais totais (sem contar com as mudanças de uso da terra) de 53 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e). Em 2030, a cifra seria de 51,5 Gt de CO2e. Os números são semelhantes aos do relatório de avaliação do ano passado, mostrando uma pequena melhora na ambição das metas.
Isso quer dizer que, na comparação com 2019, o planeta teria em 2025 praticamente os mesmos níveis de emissão, e que chegaria a 2030 emitindo 2,6% a menos. Considerando a margem de erro, a redução nas emissões em 2030 poderia ser de até 8,6%, se as NDCs forem integralmente implementadas em todo o mundo.
Mas, segundo o último relatório-síntese do IPCC, o Painel do Clima da ONU, essa queda precisaria ser de 43% até 2030, para que se tenha chance de manter a meta de 1,5ºC de aquecimento de pé. Para a meta de 2ºC, a queda precisa ser de 27%.
A queda limitada, no entanto, é a melhor das hipóteses, considerando que os países ricos farão sua parte para financiar a transição energética e garantir a eliminação gradual dos combustíveis fósseis (do que depende a redução de emissões de que o planeta precisa).
As metas “não condicionadas” (aquelas que dependem apenas dos países, e não do financiamento global, para serem postas em prática) nos levariam a um aumento de 0,8% nas emissões em 2030, na comparação com 2019. Seriam 14,9 Gt CO2 a mais emitidos do que o limite para controlar o aquecimento em 2ºC, e 22,7 Gt CO2 extras para a meta de 1,5ºC.
Quando analisado o “orçamento de carbono”, ou seja, o quanto a humanidade ainda pode emitir de CO2 no total para controlar o aquecimento do planeta a 1,5ºC, as metas climáticas dos países nos fariam chegar ao final da década tendo usado 86% de tudo o que podemos emitir. Isso significaria ter apenas 70 Gt CO2e para emitir depois de 2030, o que é equivalente a menos de dois anos de emissões globais nos níveis projetados para aquele ano.
“O relatório-síntese precisa ser um ponto de virada, encerrando a era de inadequação e dando início a uma nova era de aceleração, com novos planos climáticos nacionais muito mais ousados de todos os países previstos para o ano que vem”, disse a UNFCCC, que completou: “As descobertas do relatório são duras, mas não surpreendentes — os planos climáticos nacionais atuais estão a quilômetros de distância do que é necessário para impedir que o aquecimento global prejudique todas as economias e destrua bilhões de vidas e meios de subsistência em todos os países”. (LEILA SALIM)