Operação de combate ao garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no Pará (Foto: Felipe Werneck)

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Supremo derruba “boa-fé” no comércio de ouro 

Dispositivo favorecia garimpo ilegal; em decisão unânime, STF manteve liminar concedida em 2023

21.03.2025 - Atualizado 21.03.2025 às 20:39 |

DO OC – O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade derrubar a chamada “presunção de boa-fé” no comércio do ouro, dispositivo que facilitava o garimpo ilegal no país. Em sessão encerrada nesta sexta-feira (21/3), os 10 ministros da corte se juntaram ao relator Gilmar Mendes, que em 2023 já havia suspendido liminarmente a medida. 

Agora, com o referendo do plenário do Supremo por 11 a 0, a decisão passa a ser definitiva. Instituída por um artigo da Lei 12844/2013, a presunção de boa-fé estabelecia que uma declaração de regularidade quanto à origem do ouro emitida pelos próprios vendedores bastava para atestar sua legalidade. Na prática, isso permitia que garimpeiros ilegais praticassem crimes na cadeia de extração do minério e pudessem “legalizar” todo o processo por meio da emissão de uma autodeclaração de regularidade.

O tema chegou ao STF a partir das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7273 e 7345, que questionaram o dispositivo e foram julgadas em conjunto. A primeira delas, movida pelos partidos políticos PSB e Rede Sustentabilidade em 2022, teve assessoria técnica e jurídica Observatório do Clima, que atuou junto aos advogados dos partidos e a acompanhou como amicus curiae (participação de entidade ou pessoa com algum tipo de saber, de legitimidade ou representatividade para auxiliar a corte em um processo). A segunda ADI foi movida pelo PV em 2023. 

O estudo Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais, elaborado pelo Instituto Escolhas, foi a base para a elaboração da ADI 7273. O levantamento mostrou como o princípio da boa-fé eximiu de responsabilidades as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), únicas instituições autorizadas pelo Banco Central a adquirir e revender o ouro proveniente de garimpos na Amazônia. Desobrigadas de buscar informações sobre o ouro adquirido, as DTVMs podiam escoar metal extraído ilegalmente sob um véu de regularidade. Agora, com a decisão do STF, quem compra o ouro também fica obrigado a comprovar a legalidade de sua origem. 

“A cadeia de exploração e comercialização do metal proveniente da Amazônia é concentrada em poucos atores, adentra o Sistema Financeiro Nacional e se sujeita a um conjunto de resoluções do Banco Central que se mostram incapazes de garantir o monitoramento da cadeia ou de impedir que o ouro ‘sujo’ – derivado de atividades ilícitas como destruição ambiental, violações de direitos humanos, exploração em áreas proibidas – seja escoado para os mercados nacional e internacional, com aparência de licitude. Daí porque especialistas falam em ‘lavagem de ouro’”, aponta o texto da ADI.

A decisão do STF acolhe integralmente a ADI 7273 e parcialmente a ADI 7345. Além de derrubar o dispositivo que instituiu a presunção de boa-fé, considerado inconstitucional, determina que Poder Executivo adote medidas regulatórias e/ou administrativas “de forma a inviabilizar a extração e a aquisição de ouro garimpado em áreas de proteção ambiental e terras indígenas”, de acordo com o voto do relator Gilmar Mendes, e implemente diretrizes para fiscalização do comércio do ouro, “especialmente quanto à verificação da origem legal do ouro adquirido por DTVMs”. 

 “A decisão, que na prática confirma a liminar concedida anteriormente pelo STF, é extremamente importante, não apenas por excluir definitivamente o dispositivo inconstitucional que estabelece a presunção da boa-fé, mas também por requerer do Poder Executivo medidas normativas e administrativas relativas ao controle da origem do minério. Nesse sentido, é necessário ter atenção especial para a criminosa extração em terras indígenas”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. 

A decisão liminar de 2023 já deu resultados. Outro estudo do Instituto Escolhas, publicado em setembro de 2024, mostrou que a produção de ouro registrada pelos garimpos despencou após o fim do pressuposto da boa-fé e da instituição de obrigatoriedade de notas fiscais eletrônicas para comércio de ouro. 

Os garimpos haviam registrado produção de 31 toneladas de ouro em 2022. Em 2023, após as novas regras, a cifra caiu para 17 toneladas, indicando o nível de ilegalidade na cadeia. Entre janeiro e julho de 2024, período analisado pelo estudo, o volume de produção dos garimpos foi 84% menor do que o registrado no mesmo período em 2022.

Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, afirma que a decisão é relevante justamente por interromper a dinâmica que possibilitava o “crime perfeito” para o garimpo ilegal. “Com a decisão, o STF cancela definitivamente a validade do pressuposto da boa-fé, mecanismo que permitiu que toneladas de ouro ilegal fossem comercializadas nos país e que os responsáveis ficassem impunes. O pressuposto da boa-fé criava uma situação de crime perfeito, pois o garimpeiro ilegal dizia que o ouro tinha origem lícita e a empresa compradora fingia que acreditava, e era muito difícil responsabilizar os envolvidos, pois tudo era considerado sendo feito de ‘boa-fé’”, declarou. (LEILA SALIM)

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