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Vai ser tão ruim assim?

O governo de Trump, que começa hoje, terá impactos sérios sobre a luta contra a mudança do clima; mas suas loucuras deverão ser limitadas por aquilo que o presidente mais preza – o capitalismo

20.01.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

Todo mundo sabe como a história começa: nesta sexta-feira, o magnata/mitômano/agressor sexual Donald Trump toma posse como o 45o presidente dos Estados Unidos. Como todo mundo também sabe, Trump encheu seu gabinete com uma turma da pesada de negacionistas do aquecimento global e homens do petróleo. A comunidade internacional entrou em pânico: todas as indicações serão de que os Estados Unidos, sob Trump, não farão nada para combater os gases de efeito estufa – ou tentarão ativamente torpedear os esforços globais de redução de emissões representados no Acordo de Paris.

Mas, paixões à parte, quão ruim para o clima pode realmente ser o novo governo? Especialistas ouvidos pelo OC respondem: muito ruim. Mas não ilimitadamente ruim.

É muito provável que Trump desmonte regulações antipoluição do governo Obama, tente dar uma sobrevida ao moribundo carvão, libere a construção de oleodutos para permitir a exportação do betume do Canadá e empurre as negociações internacionais de clima com a barriga. Mas analistas dentro e fora dos EUA dizem que o novo presidente pode fazer muito pouco para mudar a trajetória do sistema energético do país – e esta está francamente voltada para a descarbonização, com emissões caindo ano a ano devido principalmente à substituição do carvão mineral pelo gás natural, mais barato, na geração de eletricidade.

O pior prejuízo causado por Trump é passar o sinal errado para o mercado e os outros países de que os EUA estão desacelerando a saída dos combustíveis fósseis. O timing não poderia ser pior: os principais serviços de monitoramento climático do mundo confirmam três quebras de recorde de temperatura em três anos seguidos; a ciência diz que será preciso acelerar de forma inédita a redução de emissões se quisermos ter alguma chance de estabilizar o aquecimento em menos de 2oC, a meta estabelecida em Paris. Neste momento, qualquer coisa que não seja mais ambição poderá significar o mergulho da humanidade num aquecimento global perigoso.

Num artigo publicado entre o Natal e o Ano Novo no periódico Nature Climate Change, o americano Ben Sanderson, do NCAR (Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica), e o suíço Reto Knutti, da Politécnica de Zurique, botaram pela primeira vez números nesse temor. Eles usaram modelos de emissão de gases de efeito estufa e traçaram um cenário hipotético, mas não implausível: o que aconteceria caso Trump adiasse por oito anos (dois mandatos) o corte de emissões nos EUA e outros países fossem estimulados a fazer o mesmo. E inseriram duas outras variáveis: o que aconteceria caso Trump conseguisse reverter por alguns anos o inevitável declínio do carvão e cortasse investimentos em pesquisa de energia limpa – na campanha, ele disse que faria as duas coisas.

A conclusão da dupla foi que cada um desses três fatores teria o potencial de elevar as emissões globais em pelo menos 350 bilhões de toneladas de CO2. Juntos, os três significariam emissões cumulativas de 750 bilhões a 1,35 trilhão de toneladas de gás carbônico equivalente neste século. É mais do que o dobro do que a humanidade pode emitir se quiser ter chance de cumprir a meta de 2oC. Nesse cenário, Trump eliminaria a possibilidade do planeta de evitar o aquecimento perigoso.

“Nosso objetivo foi ilustrar as consequências do fracasso no curto prazo para o clima no longo prazo”, disse Sanderson.

Numa passagem incomum para um artigo científico, tipo de texto onde não cabem avaliações pessoais nem sentimentos, o americano e seu colega reconhecem: “Não é fácil manter-nos desapaixonados vendo um futuro incerto se desdobrar”. Questionado, Sanderson explicou: “Me pareceu particularmente importante destacar isso, diante de um período potencialmente mais desafiador para o Acordo de Paris. Se a retração da ambição de um único Estado se traduzir no colapso de todo o acordo, isso provavelmente faria com que a meta de temperatura ficasse para sempre fora de alcance”.

“MARGINAL”

O cientista político David Victor, da Universidade da Califórnia em San Diego, discorda do artigo de Sanderson e Knutti. Não porque ele ache que Trump não terá efeito sobre a ambição global, mas por pensar que a meta de 2oC de Paris provavelmente já foi perdida anos atrás, devido à inação dos líderes políticos. “O efeito de Trump na trajetória de emissões dos EUA e na possibilidade de o mundo se manter nos 2oC é marginal”, afirmou.

Segundo Victor, o sistema energético dos EUA tem uma inércia que torna difícil reverter o declínio do carvão. “Não vai acontecer”, disse. Até porque, como lembra o americano, entre os apoiadores de Trump existem pessoas que defendem a energia nuclear e o gás natural, ambos concorrentes do carvão. Os incentivos dados por Barack Obama às energias renováveis igualmente não poderiam ser revertidos em menos de dois ou três anos.

O impacto do novo governo, segundo Victor, viria em dois lugares. Primeiro, na EPA (Agência de Proteção Ambiental), que Trump entregou ao ex-advogado-geral de Oklahoma Scott Pruitt – a quem Victor chama de “francamente maluco”. Na quarta-feira, em sabatina no Senado, Pruitt disse que é “questão de debate” se o clima está mudando e se as atividades humanas contribuem para isso. Obama usou a EPA para regular emissões de termelétricas e implementar o Plano de Energia Limpa, que é o instrumento de cumprimento da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) dos EUA. É improvável que a agência, sob comando de Pruitt, mantenha essas regulações de pé. “A EPA deve ficar paralisada por uns dois anos, até que fique claro que regulações ambientais interessam à população americana”, disse Victor.

O brasileiro Juscelino Colares, professor de Direito na Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, e especialista em litigância ambiental, diz concordar com essa visão sobre a EPA. “O que vão tentar fazer é matar o Plano de Energia Limpa e desacelerar as regulações contra o carvão. Aí vão ver se as emissões vão seguir caindo naturalmente”, disse. “Tentarão usar o argumento das forças de mercado contra o carvão .”

O cenário mais provável, para Colares, é que seja adiado o fechamento de algumas termelétricas a carvão, sem que novos investimentos sejam realizados. “A indústria sabe que é perigoso investir. Ninguém mais vai botar dinheiro em carvão, a não ser investimentos que já tenham sido feitos.”

“Não há como a política de Trump possa fazer com que as termelétricas voltem; não é econômico”, concorda Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. “O complexo das energias renováveis se tornou competitivo e isso é irreversível. O problema é que a velocidade de avanço é muito lenta em relação à dinâmica do aquecimento global.”

MULTILATERALISMO EM BAIXA

Segundo Victor, a segunda área em que Trump poderá ter um impacto negativo real é a política internacional, com investidas contra a globalização e uma provável suspensão dos pagamentos ao Fundo Verde do Clima, para o qual os EUA ainda devem US$ 2 bilhões (em sua última semana de governo, Obama depositou mais US$ 500 milhões no fundo). Sintomático desse risco, aponta, foi o fato de o presidente da China, Xi Jinping, ter aberto o Fórum Econômico Mundial, em Davos, defendendo a globalização e a ação contra as mudanças climáticas. “A presidente da Suíça, Doris Leuthard, fez um discurso muito curto na abertura em Davos. E ainda assim encontrou tempo de destacar o tema climático e a importância do Acordo de Paris. Isso reflete a ansiedade europeia em torno do que Trump significa para a ordem mundial”, afirmou.

Viola afirma que precisamente a ordem mundial é uma dimensão-chave do impacto negativo da eleição do americano: Trump, nacionalista, antiglobalista e vocalmente contrário ao livre-comércio, aumenta a conflitividade do sistema internacional. “O neonacionalismo de Trump, aliado ao nacionalismo de Vladimir Pútin, e a extrema direita europeia aumentam o conflito e diminuem a cooperação, e cooperação internacional é fundamental para a governança climática”, pondera.

O professor da UnB, como Ben Sanderson, do NCAR, vê também um risco real de que outros países se escorem na inação americana para desacelerar a própria ambição. “Não dirão isso no discurso”, raciocina Viola, “mas podem pensar: por que vou me esforçar?” Um dos países que correm esse risco, segundo ele, é o Brasil, cujo governo é “totalmente insensível à economia de baixo carbono”.

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